Chamados à comunhão em Cristo
Proclamar Libertação – Volume 44
Prédica: 1 Coríntios 1.1-9
Leituras: Isaías 49.1-7 e João 1.29-42
Autoria: Jorge Batista Dietrich de Oliveira
Data Litúrgica: 2° Domingo após Epifania
Data da Pregação: 19/01/2020
1. Introdução
Os textos bíblicos indicados para este 2º Domingo após Epifania já foram trabalhados diversas vezes em Proclamar Libertação, seja nessa delimitação ou com outros recortes. Todas essas contribuições estão acessíveis no Portal Luteranos.
Existe uma relação entre os textos, que é o chamado para o testemunho da fé e a comunhão com o povo de Deus. O texto de Isaías descreve o servo do Senhor como alguém chamado a anunciar a palavra de Javé, para reunir e restaurar seu povo disperso. Mas a missão do servo ultrapassa as fronteiras de uma nação, pois fará com que o povo da aliança se torne luz para todos os povos. Já o evangelho traz o testemunho do João Batista sobre Jesus como o cordeiro de Deus, que passa a ser seguido pelos discípulos. As palavras de Paulo aos coríntios demonstram a força dessa comunidade, uma vez que nela não faltava nenhum dom. Mas os dons são de serviço para fortalecer a comunhão. Por isso eles devem estar orientados e submetidos a Cristo.
Na busca por um novo enfoque para a pregação, procuro abordar a importância do chamado à comunhão em Cristo para vencermos os conflitos e as divisões tão presentes em nossas comunidades.
2. Exegese
Na época de Paulo, Corinto era a capital da província romana de Acaia e um rico centro comercial, situado sobre o estreito istmo que liga o território da Grécia com o Peloponeso. Edificada no alto de uma montanha e cercada por dois portos, era uma movimentada encruzilhada de comércio e centro político. Os pedágios cobrados sobre as cargas que atravessavam o istmo contribuíam muito para a riqueza de Corinto. Era uma cidade cosmopolita, que atraía pessoas de todo o Império Romano, tinha muitos templos, dos quais um era dedicado à Afrodite (deusa do amor e da fecundidade) e era conhecido pela prostituição ritualística. Os coríntios também permitiam que muitos grupos religiosos diferentes praticassem sua fé.
A história da origem da igreja em Corinto foi narrada por Lucas em Atos 18.1-17. Paulo chegou à cidade em sua segunda viagem missionária, em 50 d.C., e foi o primeiro a pregar ali o evangelho. Ele foi um missionário urbano, que escolheu estrategicamente os grandes centros para facilitar o anúncio do evangelho a partir das comunidades judaicas. Enquanto morava e trabalhava com Áquila e Priscila, começou o seu ministério, que se estendeu por 18 meses.
A comunidade cristã, como a cidade, se caracterizava por uma mistura social e racial. Havia alguns judeus (7.18; At. 18.4), mas era expressivo o número de gentios (12.2). Poucos eram membros de famílias importantes (1.26-28). A comunidade acolhia muitos escravos e alguns poucos oficiais do governo em ascensão social (Rm 16.23).
A epístola foi escrita entre 54 e 55 d.C., possivelmente em Éfeso, onde Paulo viveu por três anos depois de deixar a cidade de Corinto (15.32; 16.8). Paulo a escreveu para responder a carta que recebeu de membros da comunidade, que pediam orientação sobre diversos assuntos (7.1ss). É possível que os trechos iniciados em 7.1, 25; 8.1; 12.1; 16.1,12, introduzidos sempre por “a respeito de”, representem as respostas a esses assuntos. Paulo recebeu ainda informações “dos da casa de Cloe” (1.11), além de pessoas mencionadas em 16.17.
A introdução da Primeira Epístola aos Coríntios apresenta as costumeiras características do modelo epistolar usado no primeiro século e adotado por Paulo em suas cartas: começa com os nomes do remetente e do destinatário e faz uma saudação (v. 1-3). Prossegue com um parágrafo de ação de graças, mencionando os principais temas que serão amplamente tratados em toda a carta (v. 4-9).
V. 1 – Paulo apresenta-se como apóstolo (= enviado), como em todas as suas outras epístolas, deixando claro que foi comissionado diretamente por Cristo como seu mensageiro autorizado (cf. At 9.3-6; 26.15-18). Portanto a mensagem que anuncia não é invenção humana. Essa declaração tem um sentido apologético, pois seus adversários em Corinto questionavam sua autoridade apostólica. Sóstenes talvez seja a mesma pessoa mencionada em Atos 18.17, dirigente da sinagoga de Corinto no tempo da primeira visita de Paulo à cidade.
V. 2-3 – Paulo deixa claro que a igreja de Deus que está na cidade de Corinto não é independente ou está isolada, pois mostra que a igreja é formada por todas as comunidades que invocam Jesus. Os crentes de Corinto são chamados de santificados e chamados para ser santos. Interessante é que eles estavam sendo falhos quanto a problemas éticos, por isso a epístola toca reiteradamente no assunto da santificação. Aqui, nessa saudação, Paulo dá sinais do tema central da carta: as divisões internas; salienta o aspecto da unidade e lembra aos coríntios que eles foram chamados para pertencerem ao povo de Deus e foram separados para o serviço de Cristo. Assim eles são membros do corpo de Cristo e compartilham da sua vida. Tudo deve estar direcionado ao Cristo, para que por ele se restabeleça a unidade da igreja de Corinto.
V. 4-5 – Paulo agradece a Deus pela graça dada aos coríntios por meio de Cristo, uma vez que nessa comunidade não faltava nenhum dom (1.5 e 1.7). Em tudo fostes enriquecidos nele tanto no dom de anunciar o evangelho como no dom do conhecimento. Havia ali tanto os dons de proclamação e ensino da palavra como o de entender e aplicá-la à vida.
V. 6 – Quando Paulo menciona o testemunho de Cristo, está se referindo à sua própria pregação, que produzira tão abundante fruto em Corinto. As vidas transformadas dos coríntios demonstravam a validade da mensagem que lhes fora pregada. Paulo estivera em Corinto o tempo suficiente para pregar o evangelho. Isso não foi mérito do apóstolo, mas pura graça, presente de Deus em Jesus Cristo.
V. 7-8 – Deus disponibilizou todos os dons para a igreja de Cristo. Essa riqueza gerou conflitos, que serão tratados por Paulo nos capítulos 12 e 14 dessa mesma epístola. Por hora, Paulo encoraja seus leitores, assegurando-lhes que Deus, que os agraciou com os dons necessários para o testemunho de Jesus Cristo, vai conservá-los firmes até o fim. A confiança de Paulo no poder e na fidelidade de Deus levou-o a crer que poderiam ser vencidos os erros em que estavam envolvidos os crentes coríntios, a fim de que fossem declarados inculpáveis quando tivessem de comparecer ante o tribunal de Cristo. Por isso os dons devem estar orientados e submetidos para a volta do Cristo.
V. 9 – O que Deus começou, vai concluir, pois ele os chamou assim como chamou Paulo (1.1), e fez isso para a comunhão com seu Filho. Essa é a antítese da divisão, pois a união com Cristo é o caminho para curar os conflitos. A evangelização da igreja de Corinto foi completa: ela recebeu a riqueza do evangelho e da sabedoria da vida cristã. Resta agora à comunidade perseverar o testemunho até o fim.
3. Meditação
A comunidade de Corinto, assim como muitas das nossas comunidades, experimentava serias ameaças como rixas, conflitos, divisões. Alguns irmãos se sobrepunham aos demais, humilhavam uns aos outros, desconsideram-se e se esqueciam do seu Senhor. Paulo sabia de tudo isso, pois fora informado por carta e pelo testemunho dos irmãos. No entanto, em vez de criticar, ele prefere agradecer a Deus pela graça dada aos coríntios por meio de Cristo. Para essa comunidade tão dividida, em que as pessoas disputavam o poder e a liderança, Paulo escreve de forma amorosa e afirma que essa é a igreja de Deus. E por isso mesmo ela deve ser dirigida pela vontade desse Deus soberano.
Essa carta não era apenas para os coríntios, mas também para todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso. Isso inclui também a nós. Quantas vezes agimos como se a comunidade fosse nossa? Esquecemo-nos que ela é de Deus e deve cumprir a missão para a qual foi chamada: estar a serviço do Reino. Quantas vezes agimos como os coríntios, dividindo a comunidade em “panelinhas” e grupinhos, que quebram a comunhão com o corpo de Cristo?
Por isso Paulo faz uso da autoridade de apóstolo (que significa mensageiro do Senhor), e declara que os coríntios são chamados para ser santos e santificados em Cristo. Eles foram chamados para pertencer ao povo de Deus e foram separados para o serviço de Cristo. Deus garante-lhes essa condição e os chama à comunhão e à vida cristã. Paulo acredita que, mesmo em meio à fraqueza humana, o Senhor não retira sua graça e sua paz.
Nessa comunidade não faltava nenhum dom. Havia ali tanto os dons de proclamação e ensino da palavra como o dom de entendê-la e aplicá-la à vida. Mas, ao mesmo tempo, o uso de tanta graça divina também trazia dificuldades. Como é bom quando alguém destaca algo em nós que, de fato, é importante e nos afirma na fé. Como é maravilhoso quando outros conseguem ver em nós a riqueza da graça de Deus. Gostamos de ser valorizados por nossa fé e conduta cristã. Entretanto, Paulo não tem a intenção de glorificar e exaltar qualidades ou capacidades humanas. Ele aponta para a graça de Deus, da qual vive a comunidade. A abundância de carismas permite que as pessoas cristãs se conservem firmes no testemunho de Cristo e na esperança da revelação final. Essa esperança corresponde à contínua fidelidade de Deus, que chama a comunidade para a comunhão com ele e a fortalecerá até o fim.
A mensagem de Paulo aos coríntios torna-se atual e tem a ver conosco. Questões tratadas nessa primeira carta fazem parte de problemas que enfrentamos hoje, na igreja, na família e na vida pessoal. No dia a dia da vida, lidamos com ciúmes, conflitos e divisões. Por isso a relevância dessa mensagem que nos lembra da comunhão como ponto de unidade em relação às diferenças internas. O chamado à união em Cristo coloca-nos em comunhão com outras pessoas, com as quais Deus quer promover a paz. Quando estamos unidos em Cristo, somos mais fortes. Por isso somos chamados a permanecer e a renovar o nosso batismo diariamente, na fé, nos sacramentos e na palavra de Deus. Sempre haverá à nossa volta, pessoas com sede de aceitação, reconciliação e comunhão. Por isso repartimos o amor, a alegria, a paz, e a esperança.
A cura para a comunidade de Corinto estava na união com Cristo. A solução para os problemas que se repetem hoje na igreja e nos lares está justamente na comunhão com Cristo e com os irmãos e irmãs. Essa comunhão nos habilita a viver o amor, a solidariedade, a partilha.
Tudo depende da fidelidade de Deus, que nos chamou para estar unidos com Cristo. Por isso o apóstolo lembra que Deus é fiel. Sua fidelidade perpassa toda a história. Deus realiza seu plano por meio de todas as incertezas da vida. E nós estamos incluídos nesse plano, pois aquele que começou boa obra em nós também há de levá-la a bom termo. Amém.
4. Imagens para a prédica
Durante uma era glacial, quando parte do globo terrestre estava coberto por densas camadas de gelo, muitos animais não resistiram ao frio intenso e morreram, indefesos, por não se adaptarem às condições de clima hostil.
Foi então que uma grande manada de porcos-espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começou a se unir, ajuntar-se mais e mais. Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro. E todos juntos, bem unidos, agasalhavam-se mutuamente, aqueciam-se enfrentando por mais tempo aquele inverno tenebroso.
Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor vital, questão de vida ou morte.
E afastaram-se, feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se por não suportar mais tempo os espinhos de seus semelhantes. Doíam muito…
Mas essa não foi a melhor solução. Afastados, separados, logo começaram a morrer. Os que não morreram voltaram a se aproximar, pouco a pouco, com jeito, com precauções, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem ferir, para sobreviver sem magoar, sem causar nenhum dano recíproco. Assim suportaram-se, resistindo à era glacial. Sobreviveram.
Nem sempre é fácil relacionar-se bem. Um bom convívio não é aquele que une as pessoas perfeitas, mas aquele em que cada um aprende a conviver respeitando o outro. A convivência entre as pessoas sempre foi muito discutida.
A fábula da convivência é uma lição sobre nossas relações, de autoria desconhecida. Foi adaptada da metáfora “O dilema do porco-espinho” do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, publicada em 1851.
5. Subsídios litúrgicos
Hinos: 597, 599, 601, 605, 606, 607, 613, 618, 632, do Livro de Canto da IECLB.
Oração
Perdoa-nos, Senhor, pelas divisões que prejudicam a causa do evangelho. Muitas vezes, em vez de mostrar que somos de Cristo, deixamos de valorizar o que nos une para destacar só o que ainda nos separa. Por não sermos sempre agentes construtores de aproximação, diálogo e reconciliação, pedimos perdão a Deus, fonte de unidade. Por isso cantamos:
Todos: /: Perdão, Senhor, perdão :/
Perdoa-nos, Senhor, quando não partilhamos ideias, conquistas, testemunhos e quando não nos socorremos mutuamente como convém a uma família na qual todos se reconhecem como irmãos e irmãs. Perdemos oportunidades de descobrir melhor a riqueza da fé cristã que transparece em nossa diversidade, pedimos perdão ao Senhor, que nos quer em processo permanente de crescimento. Por isso cantamos:
Todos: /: Perdão, Senhor, perdão :/
O mundo ferido pela violência precisa desesperadamente de nossos esforços conjuntos para a construção da paz. Nossa solidariedade com os que sofrem pode ser muito mais eficiente se formos mais solidários e unidos entre nós, se estivermos juntos na defesa dos direitos dos mais desamparados. Por não sermos sempre capazes de juntar forças para promover o bem comum, pedimos perdão a Deus, que quer ser servido nos necessitados e na prática da justiça. Por isso cantamos:
Todos: /: Perdão, Senhor, perdão :/
Bibliografia
BARCLAY, William. I y II Corintios. Buenos Aires: La Aurora, 1973.
BRAKEMEIER, Gottfried. A Primeira Carta do Apóstolo Paulo à Comunidade de Corinto. São Leopoldo: Sinodal, 2008.
PORATH, Renatus. l Coríntios 1.3-9. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1990. v. XVI, p. 51-55.
STIEGEMEIER, Werno. l Coríntios l.4-9. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1979. v. V, p. 228-234.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).