Prédica: 1 Coríntios 12.31b-13.13
Autor: Heimberto Kunkel
Data Litúrgica: Domingo Estomihi
Data da Pregação:17/02/1980
Proclamar Libertação – Volume: V
I – Tradução
Cap. 12.31b: E um caminho muito além disto quero mostrar-vos.
V.1: Se eu falo nas línguas dos homens e dos anjos e não tenho o amor, sou um metal que soa e uma sineta badalante.
V.2: E se eu tenho o dom de profetizar e conheço todos os mistérios e tenho toda a sabedoria, e se eu tenho toda fé, de maneira que posso transferir montanhas, e não tenho o amor, nada sou.
V.3: E se eu distribuo tudo o que me pertence (entre os pobres) e entrego o meu próprio corpo para ser queimado, se não tenho o amor, de nada me adianta.
V.4: O amor é longânimo, benigno; o amor não tem ciúmes; o amor não se gaba, não se ensoberbece;
V.5: não se porta inconvenientemente; não procura o que é seu; não se deixa irritar; não se ressente do mal;
V.6: não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade;
V.7: tudo ele sofre, tudo ele crê, tudo ele espera, tudo ele suporta.
V.8: O amor acaba nunca. As profecias desaparecerão; as glossologias cessarão; a sabedoria desaparecerá.
V.9: Pois a nossa sabedoria é fragmentária, e fragmentário é o nosso profetizar.
V.10: Quando, porém, vier o perfeito, será posto de lado (aniquilado) aquilo que é imperfeito.
V.11: Quando eu era criança, eu falava como criança; pensava como-criança e julgava como criança;
V.12:-quando me tornei adulto, deixei de lado o que era Infantil. Agora olhamos (como se fosse) por através de um espelho, duma maneira enigmática; então, porém, de face a face. Agora, conheço parcialmente; então, conhecerei plenamente, assim como fui reconhecido plenamente;
V.13: Assim, pois, permanece a fé, a esperança e o amor, estes três; o amor, no entanto, dentre eles, é o maior.
II – A Primeira Carta aos Coríntios
1. O motivo da carta: A primeira carta aos Coríntios foi escrita por Paulo, na cidade de Éfeso, por ocasião de sua terceira viagem missionária. O conteúdo da epístola aborda uma série de questões que afetavam a vida da comunidade cristã; por exemplo, a relação da comunidade com o mundo profano, desordens na área do culto e também no que diz respeito à vida particular, problemas éticos, etc. Além disso, a carta expõe uma plenitude de sabedoria; fala de dons espirituais e de questões práticas da vida.
Não é a primeira vez que Paulo se dirige aos coríntios (cf. 5.9). Já lhes escrevera antes. Não temos nenhum detalhe sobre esta carta; certamente foi extraviada. De acordo com 7.1, os coríntios haviam formulado perguntas por escrito ao apóstolo. A resposta dele é a nossa carta, ou seja, a Primeira Carta aos Coríntios. Outrossim, o apóstolo é motivado a escrever por informações de que na comunidade de Corinto estavam acontecendo divisões entre os membros, etc. (cf. 11.18).
No tempo de Paulo, a cidade de Corinto se apresentava como um grande centro portuário, com muitos quarteirões de proletariado. Este fato, mais o modernismo que o helenismo vinha experimentando, provocou situações sociais que tiveram suas influências sobre a comunidade cristã; por exemplo, resultou disto a imoralidade (5.1). Corinto era conhecida pela sua impudicícia. Quanto a isto, Paulo toma posição (6.12-20). Também a questão do matrimónio suscita perguntas (cap. 7). Um outro grande perigo para a jovem comunidade era a influência da gnose, um conhecimento ou ciência superior da religião que vinha distorcendo e interpretando a seu modo colocações do evangelho.
2. O cap. 13 desta carta, deve ser entendido neste sentido, isto é, como uma colocação quanto à questão dos dons espirituais. Paulo se volta contra os falsos conceitos que a comunidade tinha sobre os dons, como profecia, glossologia, etc. Acima de tudo isto, está o amor, observa o apóstolo. Conseqüentemente, o cap. 13 deve ser entendido no contexto de 1 Co 12-14. Todo o complexo fala de dons, de carismas e de seu uso na diaconia. O cap. 13, entretanto, revela o ponto alto da teologia de Paulo, quanto aos dons espirituais. Ele sobressai aos dois outros. Não devido a sua construção e linguagem poética, mas devido ao seu conteúdo, a saber, o amor. Neste trecho da carta, o apóstolo aponta e descreve o amor como algo muito superior aos dons espirituais, mencionados no capítulo anterior, os quais os coríntios tinham em alta estima. A glossologia, profecia, etc. realmente apresentavam realizações admiráveis na comunidade, mas sua posição é muito Inferior à do amor. Somente o amor pode dar um sentido verdadeiro a tudo que acontece na comunidade, e também aos dons espirituais. Somente mediante o amor, os mesmos contribuirão para o bem da comunidade.
O amor, do qual fala o cap. 13, não é uma virtude como as demais, segundo se supunha em Corinto, mas o amor na perfeição total, que traz consigo os sinais da perfeição de Deus. Neste sentido, o amor é a única medida que pode evidenciar se algo acontece no espírito de Cristo ou não. Com a descrição do amor, tal como é apresentada no cap. 13, Paulo procura reconduzir sua comunidade para o centro do evangelho – que é a cruz e ressurreição de Cristo, o fato no qual Deus revelou todo o seu amor para com a sua criatura. Aliás, esta é a intenção da carta toda. Por isso, Paulo fala decididamente da mensagem da cruz, já no início de sua epístola, fazendo-a culminar com o cap. 15. Paulo deve proceder assim, pois em Corinto existia o perigo de que outras coisas, por exemplo, o falar em línguas e os demais carismas, etc. fossem considerados mais importantes do que o próprio evangelho; ou seja, a palavra da cruz vinha sendo desvalorizada. Toda a Primeira Carta aos Coríntios é, pois, uma exortação para que a comunidade cristã de Corinto voltasse ao centro da mensagem evangélica. O cap. 13 assume, nesta busca, uma posição de destaque. Somente o amor é capaz de preservar o significado da cruz e da ressurreição de Cristo. Por isso, este capítulo deve ser visto em ligação estreita com o cap. 15. Paulo não nega e não combate os carismas, mas o que ele teme é que os coríntios passem a considerar os seus carismas mais importantes do que o serviço à comunidade, a diaconia. Diaconia sem amor não é possível! O serviço à comunidade, onde um vive para o outro, onde um se inclina para o outro, espelha o amor de Deus, espelha a inclinação de Deus para o ser humano, mediante Jesus Cristo.
III – Sobre o texto
O cap.( 13 compõe-se de três partes que, em sua forma e conteúdo, são diferentes:
Os vv. 1 – 3 enumeram os mais sublimes carismas; mas ao mesmo tempo é evidenciado que, em relação ao amor, tais carismas não são nada! Os vv. 4 – 7 descrevem o amor e suas funções; os vv. 8 – 13 falam sobre a perduração do amor e a finitude da fé e da esperança.
1. Os três versículos iniciais (vv. 1 – 3) apresentam formulações paralelas e muito parecidas. Eles querem acentuar a função chave do amor. Se não existe amor, não existe nada e eu pessoalmente também não sou nada. Estas afirmações são lançadas diretamente contra os carismáticos de Corinto. Tudo o que os coríntios fazem, seja o falar em línguas ou os altos conhecimentos, ou então a fé imensa e até o sacrifício da própria vida, nada vale, se não existe amor; pois é atuação que perdeu o centro do evangelho.
2. Os vv. 4 – 7 respondem o que é o amor, mencionado anteriormente. De início, é lembrada a longanimidade e a bondade do amor. A seguir, é dito em 8 formulações o que o amor não faz: ele não se alegra com a injustiça, mas com a verdade, enfim, não conhece limitações nem restrições. Com estas formulações, Paulo procura mostrar que o amor não é algo próprio do homem; pelo contrário, ele pratica aquilo que Deus mesmo fez. Ele aceita o outro da maneira como ele é, solidariza-se e identifica-se com ele. O amor rompe todos os limites que o homem colocou e as barreiras que separam a humanidade. Assim sendo, o amor é uma realidade escatológica.
3. O amor jamais acaba. Com tal afirmação, Paulo quer dizer que o amor tem uma permanência imorredoura, que o amor tem qualidades escatológicas, isto é, que ele transcende o presente e desemboca no porvir. Os carismas terminam um dia, o amor não. Os carismas somente têm validade por enquanto, têm um caráter provisório – até que venha a perfeição. Paulo passa a usar exemplos, a fim de explicar o que pretende dizer: é como o desenvolvimento de uma pessoa. Chega o dia em que a criança não é mais criança, mas se torna adulto.
O v. 13 reúne, mais uma vez, todo o pensamento de Paulo: Assim, pois, permanece a fé, a esperança e o amor, estes três; o amor, no entanto…. Aqui é usada uma fórmula triádica que já era conhecida no cristianismo primitivo, cf. 1 Tm 1.3; 5.8. Tanto fé como esperança são dons espirituais, mas não têm caráter permanente. A fé se transformará em contemplação (cf. 2Co 5.7) e a esperança experimentará o cumprimento daquilo que vinha esperando (cf. Rm 8.24s).
O amor, entretanto, é maior do que fé e esperança; ele permanecerá sendo o que é: a realidade da Salvação que vem de Deus mediante Jesus Cristo.
IV – Meditação e elementos de uma prédica
A mensagem central desta perícope é o amor. Não é recomendável colocar em lugar da palavra amor simplesmente o nome de Jesus Cristo para compreender o que Paulo quiz dizer. (Barth, p. 362) Pois, estranhamente, o texto não menciona o nome de Cristo. Claro, no entanto, é que aqui não se trata de amor humano, mas do amor de Deus revelado em Cristo, que transforma a nossa vida.
A situação da comunidade de Corinto é diferente da nossa hoje. O entusiasmo, até certo ponto, parece existir nas fileiras do cristianismo brasileiro (principalmente nas igrejas pentecostais), mas não pode ser comparado àquele que era conhecido pela comunidade de Corinto. Também a assim chamada espiritualidade que parece articular-se na IECLB, nem de longe pode ser comparada com os dons espirituais da comunidade de Corinto. No entanto, também hoje há tendências – a IECLB não é exceção – que procuram destacar certos movimentos teológicos como solução para os problemas que existem pelo país e mundo afora. O perigo que se esconde por detrás das mesmas é idêntico àquele contra o qual também Paula alertou: o afastamento da mensagem central do evangelho. Todos os extremismos da teologia de hoje, e também da atuação das igrejas, não resultarão em nada se não forem permeados pelo amor. Aliás, é muito duvidoso se extremismo acontece ou pode acontecer à base do amor. Igualmente a diaconia deixa de ser diaconia se não é conduzida pelo amor. Se não tenho amor, nada sou!
O amor não é lei. Nos vv. 4-7, Paulo quer mostrar quão longe estamos do verdadeiro amor. Ele não procede assim para envergonhar-nos, mas para lembrar o que o amor pode suscitar em nós; assim, aponta exatamente para tudo aquilo que deixamos de fazer por falta de amor. O apóstolo mostra que o amor age como Cristo também agiu, em nosso favor.
O último trecho do capítulo lembra que tudo está sujeito à transformação. Principalmente a nossa época apresenta exemplos marcantes neste sentido. Isto, não apenas no setor das comunicações ou da técnica. Também no campo do conhecimento teológico. Em três ou quatro décadas, desfilaram muitas tendências teológicas pelo palco do mundo, ultimamente também a IECLB permite ver algo neste sentido. Claro, tudo isso acontece na busca da verdade. Mas não deixa de ser sinal de que tudo o que nós criamos é transitório, sejam nossas ideias mais sublimes, sejam as melhores situações de vida que conquistamos. Não há nada de duradouro neste mundo ao qual fosse possível o ser humano se agarrar. Também a fé e a esperança (esperança é a última que morre) têm caráter passageiro. Somente o amor tem validade absoluta.
Devemos, pois resignar, sabendo que todas as obras humanas são perecíveis? De modo algum! Acontece que elas podem ser regidas pelo amor. O mesmo, proveniente de Deus, já existe agora. Para ele, passado, presente e futuro se fundem, pois é realidade escatológica, que não conhece limite de tempo; é o próprio Deus vivendo em nosso meio.
V – Bibliografia
– BARTH, K. Kirchliche Dogmatik. Vol 1. Zürich, 1948.
– LOHSE, E. Meditação sobre l Co 13.1-13. In: Göttinger Predigtmeditationen. Göttingen, 1967/68.
– WENDLAND, H. D. Die Briefe an die Korinther. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 7. 6a. ed., Göttingen, 1954.