O desafio da vida em comunidade
Proclamar Libertação – Volume 41
Prédica: 1 Coríntios 3.1-9
Leituras: Deuteronômio 30.15-20 e Mateus 5.21-27
Autoria: Aline Danielle Stüewer e Joel Haroldo Baade
Data Litúrgica: 6º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 12/02/2017
1. Introdução
É tempo de Epifania. Deus aproxima-se da humanidade e revela sua vontade. Os textos previstos para o 6º Domingo após Epifania revelam a vontade de Deus para a vida das pessoas, principalmente no âmbito dos relacionamentos interpessoais.
Deuteronômio 30.15-20 chama a atenção para a constante escolha que temos diante de nós. A obediência aos mandamentos e à lei de Deus, optando assim pela vida e pelo bem, ou então a desobediência à lei de Deus, optando pela morte e pelo mal.
O texto do evangelho faz parte do sermão do monte proferido por Jesus. Ele retoma as leis de Moisés e as reinterpreta, mostrando que a vontade de Deus é que o amor prevaleça em todas as nossas atitudes e escolhas.
No texto de 1 Coríntios 3.1-9, o apóstolo Paulo lembra a comunidade de Corinto de que a vontade de Deus é que haja paz, harmonia, cooperação e reconciliação entre as pessoas e não discórdia e desavenças, como ocorria em Corinto.
2. Exegese
A comunidade de Corinto, à qual se dirige a carta do apóstolo, é marcada pela pluralidade cultural, típica de uma cidade portuária. Tratava-se de uma cidade de porte razoável, localizada no caminho da Ásia para Roma. Havia muito comércio, negócios financeiros e produção artesanal. As duas cartas do apóstolo à comunidade evidenciam que, na realidade, se mantinha uma correspondência mais intensa, mas somente nos restaram as duas cartas do Novo Testamento como testemunho da comunicação entre Paulo e a comunidade. A Primeira Carta aos Coríntios é uma resposta a uma demanda da comunidade (BULL, 2009).
O contexto maior da perícope de 1 Coríntios 3.1-9 é uma fala de Paulo sobre desavenças entre partidos na comunidade (1.10 – 4.21), que possui a seguinte estrutura: divisões na comunidade de Corinto (1.10-17); a palavra da cruz como fundamento da existência cristã (1.18-2.5); prédica de Paulo sobre a sabedoria (2.6-16); crítica teológica à existência do partidarismo (3.1-23); crítica à reivindicação dos coríntios por liberdade absoluta (4.1-21). Assim, o contexto menor da perícope constitui uma reflexão teológica sobre o partidarismo na comunidade cristã (BULL, 2009).
Feita essa introdução, cabe agora olhar mais atentamente o texto de 1 Coríntios 3.1-9. Para tal, foram analisadas comparativamente as versões da Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), Almeida Revista e Atualizada com reflexões de Lutero (ARA) e Jerusalém (JER). A consulta ao texto grego foi realizada para identificar a tradução mais próxima do original.
V. 1-2a – Na comparação entre as versões, ARA possui o texto mais breve, em que se refere às pessoas simplesmente como espirituais e carnais, evitando a problemática de gênero com o uso do substantivo “homens”, como ocorre em JER. Na NTLH, possivelmente na busca de mais didática, fala-se em “pessoas que têm o Espírito de Deus” e “pessoas do mundo”. ARA e JER também falam em “crianças em Cristo”, enquanto NTLH emprega “crianças na fé cristã”. No v. 2, JER e ARA empregam “alimento sólido” e “podíeis suportar”, enquanto NTLH emprega “comida forte” e “não estavam prontos para isso”. NTLH distancia-se mais do texto original com o propósito de tornar o texto mais acessível ao leitor atual. No v. 1, o apóstolo constata a necessidade de um testemunho diferenciado da mensagem do evangelho aos que já são familiarizados com ele em contraposição aos que ainda não o conhecem. Para explicar isso, no v. 2, emprega a metáfora da criança, que ainda não tem condições de comer qualquer tipo de alimento. A referência nesse bloco é com relação aos primórdios da comunidade.
V. 2b-3 – No segundo bloco da perícope, Paulo faz referência à situação atual da comunidade. As versões possuem diferenças. JER e ARA empregam “carnais”, ao passo que NTLH utiliza “pessoas deste mundo”; e para especificar o que caracteriza esse comportamento, usam-se “invejas e rixas” (JER), “ciúmes e contendas” (ARA) e “ciumeiras e brigas” (NTLH). As três versões preservam o sentido original. Para Paulo, o que acontece em Corinto é prova de que ainda se age “de maneira meramente humana” (JER), “segundo o homem” (ARA) ou “fazendo o que todos fazem” (NTLH). NTLH, apesar de divergir das outras versões, parece preservar melhor o sentido do texto grego, que sugere uma oposição ao que é espiritual, característica da existência cristã.
V. 4-6a – A partir do v. 4, Paulo deixa claro o motivo da existência de partidos na comunidade de Corinto, qual seja, algumas pessoas declaram-se seguidoras de Paulo e outras de Apolo. As diferenças entre as versões no v. 4 são as mesmas do v. 2. No v. 5, tanto um como outro são caracterizados como servidores (JER e NTLH) ou servos (ARA), por meio de quem Deus leva as pessoas à fé (JER) ou a crer (ARA e NTLH). Mas qual a diferença entre Paulo e Apolo então? A carta responde a isso a partir do v. 5b: cada um “segundo os dons que o Senhor concedeu” (JER), “conforme o Senhor concedeu” (ARA) ou “faz o trabalho que o Senhor lhe deu para fazer” (NTLH). A versão de ARA é mais fiel ao texto grego, embora JER e NTLH forneçam bons exemplos do que o Senhor concede a cada um, ou seja, os diferentes dons e a diversidade no trabalho. A existência de uma diversidade de dons e trabalhos na comunidade não implica necessariamente maior proximidade ou fidelidade a Cristo. O que cada um fez no caso de Corinto? Paulo “plantou” e Apolo “regou” (v. 6a). Em sua reflexão sobre essa passagem, Lutero insiste para que não se comprometa a unidade cristã, o que ocorre quando cada um faz com o evangelho o que lhe convém. Não se pode esquecer o principal, diz Lutero: “que Cristo é a nossa salvação, justiça e redenção” (ARA). Também em relação a essa passagem, o reformador exorta: “Peço omitir meu nome e não se chamar de luterano, mas cristão. Que é Lutero? A doutrina não é minha. Tampouco fui crucificado em favor de alguém. […] Que pretensão seria essa de um miserável e fedorento saco de vermes como eu se quisesse que os filhos de Cristo fossem chamados por seu desastrado nome? […] Junto com a comunidade, comungo da única universal doutrina de Cristo, que é nosso mestre exclusivo” (OS 6, p. 481 apud ARA, p. 1074).
V. 6b-9 – A partir do v. 6b, o apóstolo Paulo realiza a fundamentação teológica do trabalho realizado por ele e Apolo em Corinto. Também desautoriza qualquer tipo de partidarismo decorrente das ações de um ou de outro. A ação última e que provê o surgimento, crescimento e florescimento da comunidade cristã é do próprio Deus. As diferenças entre as versões estão a partir do v. 8b. NTLH emprega “recompensa”, ARA utiliza “galardão” e JER prefere “salário” para se referir ao que cada pessoa recebe por suas ações. Deve-se evitar uma interpretação teológica de prosperidade dessa passagem, pois Paulo se refere mais ao caráter único da ação de cada pessoa e de como Deus a vê. Para Paulo, não há um critério único a partir do qual todos são julgados, mas Deus olha para cada um e cada uma de forma absolutamente individualizada. Assim, não há ação essencialmente mais ou menos digna aos olhos de Deus. Aos olhos de Deus, os cristãos são cooperadores (ARA e JER) ou companheiros (NTLH) de Deus (v. 9).
3. Meditação
Quantas vezes já ouvimos pessoas dizerem: “Isso não deveria acontecer na igreja”. Ou então: “É inadmissível algo assim acontecer na igreja”. Por trás dessas palavras está a certeza de que certas atitudes são incompatíveis com pessoas que creem em Jesus e participam de uma comunidade de fé. Quantas pessoas deixam de participar da igreja porque percebem que também ali não se vive a vontade de Deus.
É muito comum em nossas comunidades, assim como ocorreu na comunidade de Corinto, existirem brigas, discussões ou até mesmo sentimentos como inveja e ciúmes. É comum haver divergências entre os membros ou até mesmo entre as próprias lideranças.
Sim! Também na igreja existem situações de conflito. Os motivos, ainda que absurdos, são reais. Infelizmente, algumas comunidades sofrem por causa dos conflitos gerados pelas disputas de poder, divergências de opinião e até mesmo pelas finanças.
Muitas vezes, comportamo-nos como “crianças birrentas”, que por qualquer motivo arranjam confusão e discórdia. Quantas vezes atitudes infantis dos membros e lideranças de nossas comunidades têm provocado a divisão. Ao agir assim, perde-se o foco que é Jesus Cristo e a mensagem do evangelho. Qual tem sido nosso comportamento como pessoas cristãs que vivem em comunidade? Será que muitas vezes também temos agido como crianças birrentas, que se apegam a futilidades e esquecem o verdadeiro motivo de ser comunidade?
Assim como uma criança birrenta, a pessoa cristã imatura consegue produzir uma tempestade num copo d´agua; tudo é motivo para desavenças e briguinhas. Basta a sua vontade ser contrariada numa reunião, já quer deixar o presbitério. Se o ministro ou a ministra não concordam com suas ideias, já fica ressentida. Se não é elogiada por seu trabalho, já fica magoada. Quando é convidada para ajudar numa programação da igreja, reclama que são sempre os mesmos, mas, quando não é convidada, fica chateada por não ter sido lembrada.
A pessoa cristã imatura facilmente esquece que o objetivo do seu servir é espalhar o amor de Jesus. Quantas comunidades têm perdido seu tempo discutindo quem vai bater o sino, acender as velas do altar ou então ficar com a chave da sala da OASE. Enquanto perdemos nosso tempo com futilidades, o evangelho de Jesus Cristo deixa de ser ensinado e vivido.
A pessoa cristã madura busca viver a pregação de Jesus. Ao invés de discórdia, busca a paz; ao invés de brigas, busca a reconciliação. Ela consegue focar sua vida e seu trabalho no que realmente importa: a edificação do Reino. Não perde seu tempo arranjando e alimentando discussões sem propósito, mas sabe que sua missão é plantar a semente do evangelho.
Conflitos nas comunidades cristãs existem. É próprio do ser humano deslizar, esquecer os valores de sua fé e colocar seus interesses em primeiro lugar. Ainda assim, Jesus oferece as coordenadas para voltarmos nossos olhos a ele e buscarmos viver como pessoas cristãs maduras, que vencem os conflitos e as discórdias. No sermão do monte, Jesus ensina-nos que toda atitude cristã deve ser regida pelo amor a Deus e pelo amor ao próximo. Que essa seja a base para nosso viver em comunidade!
4. Imagens para a prédica
A seguinte história, de autoria desconhecida, pode ser contada para ilustrar como, muitas vezes, nós nos perdemos em discussões vazias e sem propósito, perdendo a oportunidade de um convívio harmonioso e fraterno:
Estava observando duas irmãs preparando o jantar de Ação de Graças. Elas fizeram seu recheio especial, meteram algumas colheradas dentro do peru e estavam se preparando para colocá-lo dentro do forno. Pegaram a folha de alumínio para cobrir a carne com ele para ajudar a reter os molhos. Betty tinha começado a colocar a folha no peru, quando Paula contestou asperamente: “Isso não está certo! O lado brilhante do papel deve ficar para o lado de fora”. “Isso é ridículo”, respondeu Betty, “todo mundo sabe que o lado brilhante deve ficar virado para dentro”. Seguiu-se uma discussão calorosa, e não tenho certeza de quem ganhou a questão. Descobri mais tarde que ambas as irmãs tinham razão. Não faz diferença nenhuma qual o lado do papel que fica virado para fora ou para dentro.
5. Subsídios litúrgicos
Esta imagem pode ser projetada para ilustrar as divisões existentes dentro de nossas comunidades.
(Veja imagem anexa.)
Sugestão de hinos
HPD 1 – 94, 109, 117, 176; HPD 2 – 322, 328, 334.
Confissão de pecados
Querido e amado Deus, nós chegamos humildemente à tua presença e te pedimos perdão. Confessamos, Senhor, que também no convívio em comunidade temos falhado. Nem sempre temos nos comportado como pessoas cristãs, filhos e filhas de Deus. Muitas vezes, deixamos de lado os ensinamentos de Jesus e vivemos a partir dos nossos próprios interesses. Confessamos que, muitas vezes, somos tomados de sentimentos ruins de ciúme e inveja, que nos levam a brigas e discórdias, assim como já acontecia na comunidade de Corinto. Quantas vezes, Senhor, também no convívio comunitário, não aceitamos ideias diferentes das nossas ou então brigamos por reconhecimento e poder. Confessamos que temos ocupado muito do nosso tempo em discussões vazias e sem propósito, perdendo a oportunidade de te servir em gestos de amor, perdão, solidariedade e justiça. Perdoa-nos, Senhor, e ajuda-nos a viver em comunhão e amor, assim como o próprio Cristo nos ensinou. Amém!
Bibliografia
BÍBLIA SAGRADA com reflexões de Lutero. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.
BULL, Klaus-Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto, teologia. São Leopoldo: Sinodal, 2009.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).