Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: 1 Coríntios 9.24-27
Leituras: 2 Reis 5.1-14 e Marcos 1.40-45
Autor: Jorge Batista Dietrich de Oliveira
Data Litúrgica: 6º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 15 de fevereiro de 2009
1. Introdução
Neste tempo de Epifania, somos lembrados de que a luz de Deus quer iluminar o caminho de todas as pessoas e de todos os povos, assim como iluminou, curou e transformou a vida de Naamã (2Rs 5.1-14), do homem leproso (Mc 1.40-45) e conduziu Paulo em sua carreira de fé. Deus pode e quer fazer isso conosco.
O texto da pregação aparece no Proclamar Libertação volume XI. Lá se vão vinte e três anos. Agora ele aparece acompanhado de duas leituras bíblicas. É preciso fazer uma certa ginástica para relacionar os três textos. A seguir, apresento um breve resumo dos textos indicados.
2 Reis 5.1-14 – Naamã era um grande comandante do exército do rei da Síria e tinha lepra. Precisou sair de seu país e procurar a cura em Israel. Quando finalmente chegou à casa do profeta Eliseu, esse nem ao menos o recebeu. Ao contrário, mandou que um mensageiro dissesse a Naamã que fosse se banhar sete vezes no rio Jordão. Naamã ficou furioso por ser tratado daquela maneira, mas, convencido por seus servos, atendeu a orientação simples do profeta e foi curado. Sem dúvida, o que acontece com Naamã é uma lição de humildade, persistência e fé.
Marcos 1.40-45 – Também o homem leproso precisou de muita persistência e fé para chegar até Jesus e clamar pela cura, uma vez que sua condição o impedia do contato social por causa do medo de contágio.
1 Coríntios 9.24-27 – Paulo faz uso da figura das competições atléticas dos gregos para falar da vida cristã. À semelhança do corredor, o cristão deve estar numa atividade constante que o leva para a vitória, apesar da oposição. Isso exige perseverança e esforço incansáveis, os quais são adquiridos através de uma disciplina constante.
2. Labor exegético
2.1 – Considerações sobre o contexto maior
Quando estava em Éfeso, Paulo recebeu notícias, através de alguns da “casa de Cloé” (1.11), sobre a comunidade de Corinto, que fora fundada por ele. Recebeu também uma delegação composta por Estéfanas, Fortunato e Acaico (16.17). Havia muitos problemas e muitas tensões em Corinto. A epístola menciona uma série de desafios, aos quais o apóstolo oferece respostas.
No capítulo 9, Paulo recorre ao próprio ministério apostólico para dar um exemplo pessoal de renúncia em favor de uma causa maior. Ele renuncia ao direito de ser sustentado pela comunidade, optando pelo trabalho com as próprias mãos, para não criar qualquer obstáculo à proclamação do evangelho. Paulo é um exemplo de quem vive a liberdade radical que o leva a tornar-se disponível e solidário para com todos. Ele fala de seus direitos (9.1-14), sua recusa em exercer seus direitos (9.15-18), seu serviço a todos os homens (9.19-23) e sua luta para exercer o domínio próprio (9.24-27).
2.2 – Olhando para o texto
V. 24 – Correi de tal maneira que o alcanceis. Competições atléticas eram comuns no mundo grego, e os Jogos Ístmicos eram disputados de três em três anos em Corinto. Esses torneios recebiam um grande número de participantes e espectadores, levando-se em consideração o fato de Corinto ser um dos mais importantes centros comerciais e de diversões daquele tempo.
Os gregos e os romanos davam muita importância ao atletismo. Por isso Paulo usa a linguagem esportiva para enfatizar a necessidade da determinação e perseverança na carreira da fé. Parece que Paulo gostava dessa figura, pois a emprega também em outros momentos, conforme Filipenses 3.12-14 e 2 Timóteo 4.7-8.
Nas competições atléticas, somente o vencedor recebe o prêmio. Por isso os competidores fazem todo esforço possível. De modo semelhante, o cristão tem que forçar todas as fibras para pôr em ação toda a sua energia. Não basta começar a vida cristã: o que importa é prosseguir até o fim (2Tm 2.5; 4.7s). Ficam aqui subentendidos a necessidade de disciplina, a obediência às regras, o treinamento, a determinação, a fidelidade e a constância. Porém, na corrida da fé cristã, todos quantos competem bem e terminam a carreira obtêm a recompensa.
V. 25 – Em tudo se domina no grego é um verbo que significa controlar-se, exercer o autocontrole. A forma substantivada significa: autocontrole, disciplina. Agõnizomai significa “esforça-se o máximo”. Ele nos deu a palavra “agonia”, pela qual vemos que se tem em mente um grande esforço. Cada competidor tinha que se submeter a rigoroso treinamento durante vários meses. Era “moderado em todas as coisas”. Todavia, o seu prêmio, caso fosse vitorioso, era uma coroa corruptível (uma grinalda de folhas de pinheiro ou oliveira brava). O cristão tem diante de si uma coroa muito mais valiosa, a saber, uma coroa incorruptível. Paulo parece criticar aqui o testemunho cristão frouxo e sem entusiasmo. Note-se que o atleta nega a si próprio muitos prazeres lícitos. O cristão tem que evitar não somente o pecado definido, mas toda e qualquer atitude que o impeça de alcançar a coroa que dura para sempre: 2 Timóteo 4.8; Tiago 1.12; 1 Pedro 5.4; Apocalipse 2.10.
V. 26 – Assim luto. No grego original, temos aqui a palavra pukteuo, paralelo de pugme, punho, ou seja, bater com o punho, boxear. Dessa palavra é que se deriva o termo moderno pugilismo e seu derivado pugilista. Paulo faz uso de uma nova figura tirada dos Jogos Ístmicos para deixar claro que ele tem um alvo, uma vitória a conquistar e sabe como consegui-la. Paulo não é como um corredor que não sabe onde está a linha de chegada. Ele não é como um lutador que desfere golpes no ar. O cristianismo de Paulo é decidido. Ele dá tudo para o direto e denodado esforço cristão.
V. 27 – Esmurro. Paulo continua aqui sua metáfora atlética, relembrando que os lutadores devem disciplinar o próprio corpo, se esperam sair vitoriosos nas lutas. De igual modo, o cristão deve estar disposto a pôr de lado seus interesses egoístas na busca de seu alvo. Paulo torna-se seu próprio adversário. É como se ele dirigisse os golpes contra si mesmo, visando seu corpo, seus apetites carnais, seus desejos desviados, que queriam derrotá-lo em sua busca pela vitória.
“Corpo” equivale aqui ao “velho homem”, à natureza pecaminosa. Paulo descobriu que seu maior inimigo estava nele mesmo. “Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo” (Rm 7.18). Comparar essa ideia com as passagens de Romanos 7.18, 23, 24 e Gálatas 5.17.
Doulagõgõ é “trazer à escravidão”. Paulo não deixa dúvida quanto ao vigor com que subjuga sua própria vontade. Ele se recusa a ser dominado pelos desejos do corpo.
“Não venha eu mesmo a ser desqualificado.” Não significa perder sua salvação. O testemunho do Novo Testamento, bem como o de Paulo, em particular, é que aqueles a quem Deus conduziu a si mesmo através de Jesus Cristo lhe pertencem para sempre. Paulo confiava que absolutamente nada seria capaz de separá-lo do amor de Deus (Rm 8.38-39).
O temor de Paulo não era que poderia perder a salvação, mas que poderia perder sua coroa por não satisfazer seu Senhor. Ele temia falhar em sua missão apostólica, sendo desaprovado quanto ao serviço que prestava a Deus, embora jamais pudesse ser desqualificado quanto à sua confiança em Cristo.
3. Meditação
Ao escrever para os coríntios, Paulo lembrou-lhes que todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso; essa era uma condição inflexível e sem exceções.
Ainda hoje é assim. Os atletas dedicam toda a sua vida na busca de mais e mais perfeição dentro da modalidade que escolheram para competir. Os bons atletas têm uma disciplina rígida, procuram não se descuidar em seus treinamentos. Abdicam de certos prazeres, de certas comidas e bebidas. É comum vê-los cansados e esgotados.
Vimos nas recentes Olimpíadas que, depois que a corrida começa, o atleta não tem condições de olhar para trás. Ele deve avançar para a vitória sem se distrair. Se quiser ganhar o prêmio, seus olhos devem estar fixos no posto onde está o juiz no final da pista. Foi pensando nesse exemplo que Paulo fez a notável declaração: “Uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficam para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.13-14).
O mesmo acontece na vida do cristão. Também nós precisamos da disciplina. Existem regras e normas a ser observadas. É preciso buscar o contato com Deus a partir do estudo da palavra de Deus, da oração, da comunhão com outros que também amam Jesus e investir nossas energias na missão, levando o amor de Deus a todas as pessoas, especialmente aos mais necessitados. Lembrando que a regra mais preciosa ensinada por Jesus é o amor.
Quando pensamos nas disputas dos jogos olímpicos, automaticamente fazemos associação com jovens cheios de vigor. Mas Paulo não está falando apenas aos jovens que têm preparo físico para a competição. Nessa corrida, todo cristão é chamado a ter um alvo para conquistar e deve lutar com todas as suas forças para tornar-se vitorioso.
A luta não é para vencer pessoas, mas para vencer os obstáculos que impedem a humanidade de viver a vida abundante que Cristo veio trazer. Nessa luta, não apenas um sai vencedor, mas todos aqueles que aceitam a dádiva imerecida já agora passam a viver como servos e participantes de um novo reino inaugurado por Jesus.
E nessa corrida da fé, que começa no Batismo e dura toda a vida, vai mais longe quem está disposto a abdicar dos caminhos fáceis. Quem está disposto a sacrificar sua própria vontade para dedicar seu tempo, seus talentos e seus dons a serviço do reino de Deus.
Nós, pessoas cristãs, temos sofrido de um hábito terrível, que nega as bases da fé. Temos nos fechado e vivemos como se o evangelho fosse apenas para nós. Em muitas situações, a diferença entre um clube social e nossas comunidades está meramente na estética.
Como igreja, precisamos de ações mais concretas para fora e de menos programas para nós mesmos. E os programas para nós mesmos deveriam servir de capacitação para atuarmos aonde Deus quer chegar. Estamos acumulando energias e “engordando” em vez de exercitar nossos dons na missão, levando o amor de Deus revelado em Jesus às pessoas que ainda não o receberam.
É fácil tornar-se acomodado e indisciplinado com o passar dos anos. Será que pensamos que podemos simplesmente desistir de tudo e sair da corrida? Não foi dessa maneira que Paulo se portou, nem os homens e mulheres que serviram a Deus com tanta dedicação.
Não estamos prontos. Estamos a caminho e precisamos esforçar-nos como um atleta para alcançar a recompensa. Em nossa caminhada, precisamos ter o senso de prioridade, sabendo deixar para trás aquilo que impede nossa agilidade e crescimento. Em nossa vida cotidiana, sempre temos metas a serem alcançadas. Sem metas, perdemos tempo, cansamos e ficamos desmotivados. Quando temos um ideal proposto, lutamos para atingi-lo.
Nosso alvo é incorporar no reino de Deus a humanidade e compartilhar com ela as dádivas do reino, que são a justiça, a paz e o amor de Jesus. Para isso, precisamos de um bom treinamento, disciplina, respeitar as regras, muita disposição e vontade de lutar, mas sobretudo correr com os olhos firmes, fixos no Senhor Jesus, que nos encoraja e ao mesmo tempo nos confere a vitória.
4. Imagens para a prédica
Aprendendo com as formigas
Quando eu era criança, gostava de observar as formigas. Ficava horas e horas olhando como elas eram organizadas e como trabalhavam levando o alimento para dentro do formigueiro. Eu gostava também de brincar com elas. Às vezes, colocava um pequeno obstáculo no seu caminho para ver o que acontecia. Elas passavam por cima e seguiam em frente. Então eu colocava um obstáculo maior e outro maior ainda. Sabem o que acontecia? As formiguinhas subiam e desciam pelo obstáculo, sem perder o rumo do formigueiro.
Hoje me lembro daquelas formiguinhas que teimavam e persistiam em sua tarefa, apesar das dificuldades que encontravam pelo caminho. Essa lembrança tem me ajudado a lutar e permanecer firme, apesar das dificuldades e frustrações.
Deus, em sua infinita sabedoria, equipou as formigas com essa perseverança que supera todos os obstáculos. E o mesmo Deus nos concedeu a inteligência de aprender com elas. Por isso, diante dos desafios do dia-a-dia, tenho me lembrado das formigas. Tenho buscado em Deus a força e o ânimo para continuar lutando.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados:
Senhor nosso Deus, confessamos que muitas vezes transgredimos teus mandamentos e os ensinamentos de teu Filho amado, nosso Senhor Jesus Cristo. Pecamos em pensamentos, palavras e ações, seja pelo que fazemos ou pelo que deixamos de fazer. Não te amamos de todo o nosso coração, nem a nosso próximo como a nós mesmos. Perdoa-nos e ajuda-nos a encontrar a verdadeira alegria em cumprir a tua vontade e a seguir os teus caminhos para a glória de teu santo nome. Bondoso Deus, ouve a confissão de teus filhos e de tuas filhas. Livra-nos de todos os nossos pecados para que possamos viver como povo perdoado, disposto a perdoar e a partilhar o que tu nos tens oferecido. Isso te pedimos em nome de Jesus Cristo. Amém.
Palavra de absolvição:
Quando somos sinceros e confessamos nossos pecados, Deus ouve nossa oração e nos responde. Jesus Cristo diz: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue terá a luz da vida e nunca andará na escuridão” (Jo 8.12). Por isso posso anunciar: os vossos pecados estão perdoados, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Oração de intercessão:
Convidar a comunidade a participar da oração, cantando, após cada intercessão, o hino 341 do hinário Hinos do Povo de Deus volume 2.
Prece 1: Querido Deus e Pai! Agradecemos-te por tua Palavra, que nos convida a correr a carreira da fé sem desanimar. Agora suplicamos humilde- mente por tua intervenção junto a muitas situações de sofrimento, angústia e desespero que padecem o teu povo e a tua igreja. Por isso cantemos ao Senhor!
Todos: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
Prece 2: Colocamos nossas vidas sob o teu olhar misericordioso. Quantas coisas nos angustiam e nos oprimem. São situações que muitas vezes não estão sob nosso controle e que nos causam sofrimento. Lembramos das pessoas doentes (aqui se podem citar nomes). Esteja consolando, curando e trazendo vida a cada uma dessas. Por isso cantemos ao Senhor!
Todos: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
Prece 3: Intercedemos também por nossa comunidade. Faze com que sejamos ainda mais coerentes com a pregação do evangelho de Jesus, teu Filho amado. Ajude-nos a perseverar na fé, na missão e no amor ao próximo sem desanimar. Por isso cantemos ao Senhor!
Todos: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
Prece 4: Rogamos por nossa IECLB, suas lideranças, obreiros e obreiras. Para que sintam alegria em testemunhar e viver a fé. Que seu testemunho faça diferença neste mundo tão carente de amor e solidariedade. Por isso cantemos ao Senhor!
Todos: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
Prece 5: Intercedemos por nosso país. Quantas situações injustas, violência, descasos, roubos, falta de oportunidades. Transforma o coração de todos, especialmente daqueles que fazem desse estilo de vida algo normal, não se importando com os demais. Por isso cantemos ao Senhor!
Todos: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
Tudo isso e também aquilo que está guardado em nosso coração colocamos sob o teu olhar, orando em nome do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Amém.
Bênção:
Neste culto fomos animados a confiar no Deus que está sempre conosco, que nos anima e nos conduz na carreira da fé. E para que possamos retornar às nossas rotinas com esta certeza, Deus nos quer agraciar com sua bênção.
Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo nos fortaleça e nos proteja em todos os caminhos de nossa jornada.
Que o amor de Deus Pai encha nossas vidas e nos anime na solidariedade e no serviço ao próximo.
E que a comunhão do Espírito Santo nos mova à reconciliação e amizade para que em todos os nossos relacionamentos seja celebrada a paz.
Assim abençoa-nos o Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
Bibliografia
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento Comentado. Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1954.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. V. 4: 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Efésios. São Paulo: Hagnos, 2002.
COMBLIN, José. As Cartas de Paulo. São Leopoldo: CEBI, 1994.
MORRIS, Leon. I Coríntios, Introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1989.
QUESNEL, Michel. As Epístolas aos Coríntios. São Paulo: Edições Paulinas, 1983.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).