Série: Quer seja oportuno, quer não
Junho
Tema: Pentecostes: o Espirito sopra onde quer e quando aprouver
Explicação do tema: Em algumas igrejas o Espírito Santo e seu poder não recebem enfoque e atenção especiais. O Espírito Santo quase que está relegado a um segundo plano. Por outro lado, podemos verificar a proliferação de igrejas, seitas e movimentos que estão fundamentados quase que exclusivamente na ação e manifestação do Espírito Santo. Estas duas maneiras de encarar o Espírito Santo têm causado celeumas e aprisionado o Consolador enviado por Deus aos homens.
Texto para a prédica: 1 João 4.1-6
Autor: Clemente João Freitag
I — Preparação
A temática do mês de junho não possui, dentro da sociedade capitalista e cristã que nos cerca, uma importância sócio-politico-religiosa semelhante à do Natal e à da Páscoa. Por enquanto, Pentecostes não rende e não sofre um faturamento promocional e comercial. Desta forma, suspeito ingenuamente que a festa de Pentecostes não esteja tão massificada e secularizada pelo consumismo que impera em meio ao nosso mundo.
Mas, quando a examino com os olhos voltados para as ideologias políticas que fomentam e que são alimentadas pela sociedade do capital, sou obrigado a pensar de modo diferente. Pois observo que, a par de qualquer ingenuidade, inocência e hibernação religiosa, a temática de Pentecostes está sendo usada e domesticada pêlos detentores do poder no atual sistema, sob o manto de um sincretismo político-filosófico-religioso.
Nas igrejas tradicionais, Pentecostes é praticamente esquecido. Mas isso não impede que alguns grupos, dentro destas igrejas, fiquem possuídos pelo Espirito e tentem até repetir o acontecimento de Pentecostes. Isto, contudo, aconteceu de uma forma individualista e espiritualizante, na maioria das vezes. Tal postura pode refletir uma posição sócio-política-religiosa obscura e até ambígua, que garante aos seus adeptos uma série de vantagens dentro do mundo.
Em termos de igrejas evangélicas, poder-se-ia dizer que não incomodamos ninguém. Somos instituições domesticadas e inofensivas que lutam para ter um lugar nesta sociedade. São raras as noticias, de norte a sul, que nos revelam como Igreja de Cristo. Não nego fatos e acontecimentos isolados, que passam como acidentes e são diluídos pelo tempo. Parece que o acontecimento de Pentecostes remonta ao passado. Conseqüentemente, a experiência atual acontece com um Espirito inofensivo, ordeiro, obediente, que deixou de ser ameaça a esperança para os que o recebem e presenciam. Como resultado, é fomentada a santidade espiritual que eleva os seres humanos às alturas, longe do mundo. Mesmo não o querendo, como igreja minoritária, representamos religiosamente o pensamento político-ideológico vigente no Pais e favorecemos, com isso, a expansão do atual sincretismo.
Se nas igrejas tradicionais o indivíduo passa desapercebido, nas igrejas pentecostais, seitas e outros quase que ocorre uma divinização da individualidade espiritual. Tudo está centrado no aperfeiçoamento da vida espiritual, enfim, de uma espiritualidade trabalhada e conquistada através de méritos e esforços próprios. Fomenta-se, sob o manto da religiosidade, um legalismo corretivo e obediente de grande eficiência. Esta obediência inclusive é exercida fora do contexto da Igreja na esfera do Estado. Esta prática tem algo de semelhante com a escalada sócio-econômica do mundo atual. Segundo ela, a vida espiritual é aperfeiçoada. No mundo, quem trabalha ganha. Quem quer e sabe trabalhar, lucra e fica rico. Se tiver sorte, enriquece rapidamente e sobe na vida.
Salvo raras exceções, tais movimentos, mostram-se altamente conservadores no que tange à política e à sociedade. Assemelham-se bastante às igrejas tradicionais. Contudo, pretendem ser inovadores no que se refere ao recebimento e manuseio do Espírito Santo. Para mostrar ao mundo sua salvação, concentram suas baterias de fé no campo dos dons da cura, no falar em línguas, na interpretação do falar, e no Batismo pelo Espirito Santo. Mediante o sucesso público e o crescimento numérico, arrogam para si a exclusividade da salvação e posse do verdadeiro Espírito. Nas palavras de um representante pentecostal, são as igrejas que mais anseiam pela volta do Senhor, as que mais estão crescendo e melhor padrão de vida possuem. Isto revela uma arrogância, um aprisionar, um institucionalizar cego do Espírito Santo. Pois não permitem que o próprio Espirito os questione. Além disto, ignoram que o Espirito Santo não confirma ordem alguma, como sua portadora exclusiva. A ele cabem o presente, o futuro, o novo, a liberdade de ação. Já a exclusividade, a ordem vigente, é conservadora e inimiga da novidade. Facilmente confunde-se o Espirito Santo com o espírito humano aperfeiçoado e seus frutos. Surge assim o enaltecimento do esforço próprio em busca da perfeição espiritual, distante da vida das demais criaturas. Os frutos oriundos desta prática meditativa e de alto teor emotivo, são apresentados como certeza da posse do Espirito.
No Brasil, e mesmo em toda a América Latina, com o acirramento do arrocho económico e a constante instabilidade geral, as seitas, os movimentos e as igrejas de caráter pentecostal, recebem um impulso exacerbado. Possuem e têm pela frente um enorme e fértil campo, amplamente frutífero. Para um clima de instabilidade, nada melhor do que um conservadorismo religioso, cego e doutrinariamente dualista, que atende ao espírito e relega o corpo ao sofrimento, culpando o destino e a sorte pela desgraça e o sofrimento. Historicamente desde o golpe de 1964, no Brasil, nota-se o incremento deste sincretismo ideológico-filosófico-religioso. Sua maior incidência registra-se em zonas de grande tensão social, existente ou em vias de surgimento.
Não descarto a necessidade de um avivamento da fé, ou de as comunidades experimentarem o recebimento do Espírito Santo. Mas, onde isto ocorre, passa-se automaticamente a ser inimigo do sistema vigente, naquele território. Pois o sistema apoia e causa o sofrimento, enquanto que, Pentecostes acusa esta prática e conduz á libertação. A experiência com o Espirito Santo leva-nos à inconformidade diante desta situação, permitindo uma abertura para o futuro que Deus reservou, e não à alegria, à paz espiritual e à tranquilidade individual, num mundo de tristezas, guerras, desgraças e sem esperança. Ao recebermos o Espírito como Igreja, não o devemos fazer para a própria glorificação ou para fomentar saídas individuais rumo à salvação. Quando buscamos a salvação própria, negamos o envolvimento da Igreja em questões de terra, de índios, de barragens, de política, de problemas sociais e outros. Além disso, selecionamos elementos espiritualizantes das mais diferentes origens e os adaptamos ao nosso viver. Na maioria das vezes, tais elementos confirmam a nossa maneira de viver e de pensar. Isso talvez refuta a ausência de critérios de nossa parte.
II — A Primeira Epístola de João
Não existe unanimidade quanto ao lugar e ao ano em que a Primeira Epistola de João foi escrita. Igualmente não há, da parte dos pesquisadores, concordância com relação ao seu autor. Supõe-se que tenha sido escrita na Ásia Menor, no inicio do séc. II, por discípulos de João.
A epístola espelha a luta de seu autor contra o movimento gnóstico, que se infiltrara na comunidade, solapando e tentando implodir a fé dos seguidores de Jesus Cristo. O gnosticismo afirmava que a salvação do homem consiste no conhecimento revelado por uma determinada mensagem ou por um enviado que o lembre de sua origem. Para os gnósticos, o evento de Cristo estava relegado ao mundo do mito. Negavam, assim, a humanidade de Jesus e sua ressurreição corporal. É contra esta cristologia docética, contra a ética dela resultante e contra a exaltação da Gnose que o autor da epistola se volta. Baseia-se numa fé, conforme a qual a salvação não depende do conhecimento, mas exclusivamente do amor de Deus {cf. 1.3,5,7; 2.1ss, 9,11,20; 4.1-6,8; 5.6). A epistola defende a unidade da pessoa de Cristo, sua divindade e humanidade, como fundamento da salvação.
Os gnósticos, por seu turno, confundiam a fé cristã, mediante a propagação de suas teorias simpáticas, apoiadas pelo pensamento e pela prática vigentes na sociedade. Suas opções de vida, oriundas de seu sincretismo, não contestavam a ordem constituída, antes a fortaleciam. Afirmavam que o mundo é mau e está endiabrado. O homem possui uma centelha divina, espírito ou alma, mas o seu corpo é mundano e não carece de salvação. Em consequência disso, há um desprezo total do corpo e do mundo. Quanto maior a presença da Gnose, tanto maior será o desprezo pelo mundo, e a ressurreição do espírito passa a ser a consequência evidente. Morto o corpo, a faísca divina estará salva e liberta. Esta compreensão dá espaço ainda maior para o individualismo que caracteriza os gnósticos.
No caminho da libertação da alma, oferecem-se aos gnósticos duas possibilidades práticas: a ascese e o libertinismo. Porém, ambas são totalmente destituídas do elemento social. O amor ao próximo não entra em cogitação nesta proposta de salvação. Além disso, suspeita-se que os adeptos deste movimento se encontravam entre os privilegiados da sociedade. 1 Jo 3.17 parece confirmar esta suspeita e apontar para a falta de responsabilidade para com os humildes sofredores. Também o que se passava com a administração estatal não os interessava. Tudo isso pertence ao campo das trevas.
Na confrontação com os gnósticos, oriundos da própria comunidade (2.19), o autor da epístola pede que se prove os espíritos (4.1ss). Isto irá mostrar os frutos da cristologia docética pregada e vivida pelos opositores. Antes disso, os frutos da ascese e do libertinismo estavam camuflados e mantinham viva a ideia de que ser cristão é salvar a alma e abandonar o corpo ao sofrimento. Agora estão expostos à luz do dia. Vê-se o desleixo para com a corporeidade do próximo e a exaltação de sua própria espiritualidade. Está claro que não se interessam pelo amor ao próximo. Sua ética em relação aos demais seres humanos é corrompida. Por outro lado, fica evidente que esta exaltação da Gnose vem de encontro aos interesses do status quo e os preenche. Permitir a infiltração e o crescimento sistemático de tal prática na vida da comunidade significa permitir o enfraquecimento e a corrupção do senso comunitário que acompanha o testemunho cristão.
III — Contexto e texto
Nossa perícope está inserida entre duas passagens que versam sobre a filiação a Deus e amor aos irmãos (caps. 3-4). O fundamento de ambos é o próprio Deus e seu amor. Sendo assim, a palavra-chave do contexto e provavelmente de toda a epístola é Amor. Esta palavra-chave é determinada primeiramente peto amor de Deus para conosco (4.11,19) e, em seguida, pelo amor do homem para com seus irmãos (3.14,17). O contexto expõe a prática da confissão gnóstica (3.1,9,15,17,23; 4.7ss). Descobertas as ideias perniciosas (exaltação do espírito — desprezo do corpo), e confrontado com elas, o autor tenta manter una a compreensão e a aceitação prática da humanidade de Jesus Cristo. Isto necessariamente questiona e provoca as concepções vigentes. Se a comunidade aceitar esta teologia e esta prática do desamor, não estará mais fazendo nem aceitando nada de novo. Deixará os irmãos sem esperança e o amor de Deus restrito aos espíritos aptos e libertos das garras do mundo.
Para clarear esta questão, o autor da perícope propõe desmascarar este tipo de cristianismo que não pratica o amor ao próximo. Para tanto, ele convida a comunidade a experimentar os espíritos.
Ao provar os espíritos, fica evidente que apesar do seu falar idêntico ao da comunidade, a prática gnóstica é divergente e até antagônica. Esta divergência prática abre espaço para os devidos esclarecimentos. O autor mostra que a questão não reside na semelhança de alguns conceitos secundários, mas na concepção cristológica dos gnósticos. Esta concepção cristológica é até contrária à dos cristãos (2.22-4.2). A concepção gnóstica nega a humanidade de Jesus, afirmando que Cristo não é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, mas apenas um ser divino que se vestiu de natureza humana, abandonando-a em seguida. Só a alma, o espírito de Jesus é que ressuscitou. O corpo não ressuscita, pois é mau.
Com esta iniciativa de experimentar, o autor denuncia a diversidade de espíritos existentes no mundo. A falsidade destes espíritos será percebida, na ausência da prática do amor ao próximo. Os portadores do espirito que nega Jesus Cristo como Filho de Deus e vindo em forma de homem, são pseudo profetas e falam da parte do mundo. Para desmascarar esta visão dualista (espirito X carne),o autor faz uso de uma série de antíteses. Facilita, assim, para a comunidade o relacionamento entre fé e prática, e mostra como o mundo e seus profetas propõem um ser humano divorciado. O Deus que os gnósticos amam os eleva às alturas, para longe da carne de Jesus e do irmão. Dando nome às figuras, o autor da epistola arrebenta a camuflagem cristã e acaba com a suspeita de que ambos os movimentos são oriundos de Deus. De um lado está o Espirito de Deus, do outro, o espirito do Anticristo: os dois amam a Deus, mas um odeia o irmão. Vós sois de Deus, os falsos profetas, do mundo. Para a comunidade cristã, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem; para os gnósticos, ele é apenas um mito, pois a carne não é criação de Deus. De um lado, o espírito da verdade, do outro, o espírito do mundo: um ouve a Deus, enquanto o outro apenas ouve o mundo.
Na compreensão destas antíteses, os verbos são de importância fundamental: provar, conhecer, vencer e ouvir. Todos eles estão subordinados à afirmação contida no v.4: maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. A supremacia de Deus leva ao reconhecimento de que Jesus Cristo foi gerado pelo Pai em forma de homem, isto nos orienta automaticamente a respeitar a humanidade dos irmãos, fazendo com que a suposta superioridade espiritual seja derrotada e reduzida. Se isto não acontecer, o reconhecimento é falso, e permanecem os defensores do mundo e da ideologia que separa o carnal do espiritual. Propaga-se, assim, a prática da ascese ou do libertinismo. O corpo e o mundo não têm importância. Importante é libertar a faísca divina. Enquanto a carne padece, o belo está longe. A santidade da alma ainda não foi revelada. Este raciocínio e sua prática comungam perfeitamente com aquilo que acontece fora do âmbito deste movimento. Com o desprezo ao corpo no campo religioso, ninguém precisa ocupar-se com a postura do Estado e das demais pessoas em relação ao ser humano que sofre.
Acredito que a prática gnóstica exercida na comunidade e no contexto social da época, caracterizada pela total ausência do amor ao irmão, apesar do amor a Deus, se assemelha com aquilo que o mundo hoje anuncia e pratica. Como tal, tanto tá quanto aqui, é obra do espírito do Anticristo, contrário, portanto, à essência da fé cristã.
IV — Meditação
Impressionante é que a espiritualidade pregada e vivida pelo gnosticismo não era e nem sugeria escândalo ao sistema de vida desenvolvido no mundo de então. Isto faz suspeitar que a espiritualidade é defensora do status quo. Também o desleixo para com a corporalidade do irmão, como fruto do libertinismo gnóstico, favorecia a postura social reinante.
Em nossa perícope percebemos que existem diversos espíritos no mundo, com seus respectivos adeptos e frutos. Quando o autor sugere provar os espíritos, percebe-se que deveria estar ocorrendo alguma anomalia na vida da comunidade. E esta anomalia possuía seus defensores e propagadores dentro e fora da comunidade. A estes, o autor qualifica de falsos profetas, não procedentes de Deus.
Havia uma série de dificuldades para que se desse crédito á afirmação do autor da epístola (4.2-3). Os gnósticos falavam quase que a mesma linguagem da comunidade, dificultando a vida e o discernimento da cristandade. O contexto (4.10) ajuda-nos a descobrir e entender a proposta de diferenciar os espíritos que agem na comunidade, sob a forma de profetas. A confissão destes profetas — Jesus não é homem — combinava com a sua prática de libertinagem corporal. Enquanto Jesus Cristo não é confessado como homem, mas apenas como divindade, não é possível e nem necessário amar o irmão. Esta prática do desamor já era por demais conhecida da comunidade, pois pertencia à ordem deste mundo. Sempre que se abandona a prática do amor, há necessidade de purificação e de aperfeiçoamento do espirito. Para isto usa-se linguagem semelhante à da Igreja Cristã. Neste aspecto, a comunidade é lembrada que já venceu tal identificação com o mundo, pois confessa que Jesus e Filho de Deus.
Transladando esta luta de espíritos e sua manifestação para a nossa contextualidade, percebe-se quase que o mesmo estado de confusão de espíritos na vida da Igreja. Vivemos num mundo, numa sociedade, numa comunidade de cunho sincretista e de uma enorme potencialidade religiosa. Esta potencialidade religiosa é acompanhada de sofrimento, de martírio corporal. Olhando para a vida religiosa, nota-se uma ênfase acentuadíssima no aspecto espiritual da vida. Como resultante de tal ênfase, não se percebe uma inimizade em relação ao sofrimento físico que acomete a população. Este sofrimento corporal tem sua fortificação no campo ideológico do sistema vigente no país. Quanto mais sofrimento houver, tanto mais almas a religião terá para salvar e se ocupar. Se isto passa a ser verídico, acontece uma identificação entre a pregação religiosa e a práxis do Estado e de suas instituições. O desamor é praticado por ambos. Poder-se-ia afirmar que a religião oferece seus profetas e os coloca a serviço do mundo. O anúncio espiritualizante destes profetas possui grande penetração nas mais diversas camadas socais; soa como um bálsamo, aos ouvidos dos defensores da atual ordem. Esta marca espiritualizante, quase que torna conta de alguns setores das igrejas tradicionais. Torna-se acentuada e passa a caracterizar um viver piedoso que busca a perfeição espiritual, omisso, contudo, na prática do amor ao próximo, que os poderia diferenciar do mundo. Pois, realizar o amor ao próximo nos dias de hoje, traz sérios prejuízos financeiros e perda de tempo.
Nas comunidades onde a espiritualidade ainda não é acentuada, e onde passa a ocorrer uma postura mais profética, começam a soar vozes e necessidades espiritualistas. Estas vozes recebem grande apoio por parte dos representantes máximos do regime. Isto, mais uma vez, sugere uma afinidade entre status quo e tal prática religiosa.
Num mundo, numa sociedade, numa comunidade com tais matizes, confessar que Jesus Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus, automaticamente causa e provoca o discernir dos espíritos: os que amam somente a Deus, de um lado; os que amam a Deus e aos homens, de outro. Este confessar traz igualmente consigo um inconformismo para com a vida que exercita o desamor ao próximo.
V — Indicações para a prédica
Partindo do tema proposto, Pentecostes — o Espírito sopra onde quer e quando aprouver, são inúmeras as possibilidades de confrontação com a realidade que nos cerca. O mesmo ocorre com a perícope 1 Jo 4.1-6, escolhida para orientar, questionar e dar elementos à fé cristã, no que diz respeito ao assunto e sua realidade. Cada comuni-dade terá que descobrir, na seara que lhe foi confiada, os diversos espíritos que a margeiam e estão impregnados na sua vida. Muitos destes espíritos falam e anunciam, através de seus profetas, mensagens de grande aceitação, dentro e fora da comunidade. Falam de Deus, de Jesus, enaltecendo o caráter divino de Jesus e sua mansidão, da vida espiritual que cada cidadão pode levar, se imitar o Mestre. Tal maneira de falar atende aos anseios do mundo e preenche uma lacuna na vida omissa de muitos fiéis, em relação ao próximo e ao mundo. Diante da gama de opções que o ternário nos sugere, proponho duas alternativas para uma possível pregação.
1. Se optarmos por uma pregação ampla e que na certa irá extrapolar um pouco mais os limites de nossa abrangência pastoral, sugiro uma confrontação da fé cristã com aquilo que nos cerca. Aí podemos citar: a Lei de Segurança Nacional como dogma intocável; o Espiritismo e suas implicações espirituais-materiais; seitas orientais; movimentos pentecostais e carismáticos, e outros que cercam a área do trabalho pastoral. É importante não atacar todos de uma vez, mas, antes, aquele que exerce maior influência e que mais fascina os fiéis de nossa Igreja. Não podemos esquecer que todos estes movimentos, a grosso modo, dizem-se nascidos do Espirito Santo e a serviço da civilização cristã. É de bom alvitre observar se tais movimentos são escândalo para o mundo ou servem de domesticadores e de anestésico social para o sistema capitalista. Neste aspecto, se torna necessário o discernir dos espíritos. Também é de fundamental importância descobrir em quem estão alicerçadas a mensagem e a respectiva prática de tais movimentos.
2. Proponho uma purificação interna, no corpo da própria comunidade, observando como sugestão os seguintes itens:
a) Rápida explicação da Gnose e sua proposta salvífico-espiritualista, que resulta na não salvação do corpo e do mundo.
b) Fazer um levantamento dos espíritos e suas manifestações na vida interna e externa da comunidade. Aí será necessário observar se há no mundo de hoje alguma semelhança com o pensamento do gnosticismo.
Como espíritos que perambulam pela vida da comunidade cito, entre outras: espírito da educação cristã de nossos filhos, prometida no ato do Batismo por pais e padrinhos, com a co-responsabilidade da comunidade; o espírito da omissão e da resignação que petrificou a grande maioria dos fiéis, em relação a assuntos de alcance local, estadual, nacional e internacional; o espírito que nega o envolvimento da Igreja em questões como terra, índios, política, barragens, colonização, salário, armamento, violência, etc.; o espírito da profecia na comunidade; o espírito que ilumina o sacerdócio da medicina e da justiça na vida da comunidade; o espírito da solidariedade e do amor ao próximo; o espirito da exploração sexual; o espírito da vida comunitária; o espírito do abandono, do desprezo e exploração da criança e do velho; o espirito que orienta nossa ação face à pobreza, à miséria, ao desemprego, ao subemprego, à riqueza; o espirito que orienta nossa ação face aos lucros dos bancos e das instituições de poupança; o espirito que orienta nossa exclusão de movimentos populares e de caráter reivindicatório ou de denúncia; o espírito que nos deixa obcecados face ao que o capitalismo representa. Além destes espíritos e manifestações podem ser estudados outros que falam mais diretamente em cada localidade, ou que estão se manifestando no momento. Igualmente é importante não esquecer o seu fundamento e descobrir a serviço de quem estão.
c) Para o discernimento dos falsos e verdadeiros espíritos existentes em uma comunidade, creio que 1 Jo 4.1-6, nós dá os devidos elementos.
VI — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, confrontando a nossa vida com a tua Palavra, quero confessar-te humildemente os meus pecados. Pessoalmente te confesso que tenho me preocupado apenas com o meu bem-estar e com a minha salvação. Não me tenho preocupado com o sofrimento do pobre, do índio, do marginal, da prostituta, do sem-terra, do desempregado, da empregada doméstica. Não me tenho preocupado com a educação cristã de meus filhos, muito menos com a educação cristã das crianças que nascem da pobreza. O pecado da fome, da miséria, da violência, acusa falta de amor ao próximo, que tem caracterizado também a minha vida. Senhor, como comunidade cristã te confessamos que não nos temos preocupado com a vida da comunidade, da sociedade e do Pais. Por causa de nossa omissão e indiferença, nos tornamos cúmplices daqueles que conduziram e conduzem o nosso País ao caos e á insegurança social e política. Senhor, não temos orado pela presença do Espírito Santo em nossa vida, em nossa Igreja e na vida de cada brasileiro. Não temos orado pela manifestação do Espirito Santo na comunidade, através do dom do amor, da justiça e da fraternidade. Senhor, temos procurado conquistar nossa salvação através de nosso esforço e de nosso trabalho, enquanto tanta gente está aflita e oprimida. Aceitamos em nossa vida uma série de espíritos, que nos afastam de ti e nos conduzem para a perdição. Enquanto nos curvamos humildemente para receber o Espírito Santo, nós te pedimos: tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Senhor, tu prometeste enviar o teu Espírito Santo a todos os que te invocam e seguem. Pedimos que teu Espirito transforme nosso viver e agir, e nos envie para dentro deste mundo, cheio de trevas e sofrimento. Pedimos que teu Espirito ilumine e organize nosso viver, para que possamos combater este mundo de competição, de exploração, de corrupção e consumo, que de diferentes maneiras violenta as tuas criaturas. Amém.
3. Leitura: Jl 2.28-32 e/ou SI 4.1-7.
4. Assuntos para a oração final: interceder pela comunidade, pela paróquia, pela IECLB, para que as prioridades sejam iluminadas pelo Espirito Santo, e cada vez mais obreiros assumam compromisso com elas; interceder pelos nossos governantes, para que o Espírito Santo atue em suas vidas e eles abandonem a opressão e a exploração, optando por justiça, solidariedade e fraternidade; para que o povo seja acordado e passe a lutar por seus direitos; interceder junto a Deus para que o Espirito Santo habite em cada um de nós, fazendo germinar o amor ao próximo em nossos corações; interceder para que o Espirito Santo impeça nossa busca por felicidade, tranquilidade e salvação pessoal, enquanto tantos sofrem, no País e no mundo; agradecer a Deus por ele ter gerado a Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; agradecer a Deus por todos os idosos, jovens e crianças na comunidade.
VII — Bibliografia
— BRAKEMEIER, G. O mundo contemporâneo do Novo Testamento. São Leopoldo, 1971.
— BRANDT, H. Espiritualidade, São Leopoldo, 1978.
— O risco do Espírito. São Leopoldo, 1977.
— HABSMEIR, G. Meditação sobre 1 Jo 4.1-6. In: Hoeren und Fragen. Vol. 6. Neukirchen – Vluyn, 1971.
— LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo, 1974.
— SCHRÖER, H. et allii. Meditação sobre 1 João 4.1-6. In: Predigtstudien. Vol. 6/2. Berlin, 1972.