Proclamar Libertação – Volume 38
Prédica: 1 Tessalonicenses 2.1-8
Leituras: Levítico 19.1-2, 15-18 e Mateus 22.34-46
Autora: Ângela Lenke
Data Litúrgica: 20º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 26/10/2014
Somos felizes na proporção em que amamos…
1. Introdução
A sociedade pós-moderna traz grandes desafios para nós cristãos. Enquanto igreja, temos grandes oportunidades, mas também corremos perigos, se já não estivermos perdendo muito. O individualismo e o capitalismo disputam com o mandamento do amor a Deus e ao próximo, tema que liga os três textos indicados para este final de semana, do ciclo de Pentecostes. Falando em Pentecostes, um dos frutos do Espírito é justamente o amor. Esse amor é necessário quando se assume o ministério do serviço cristão, enquanto ministros e sacerdócio geral de todos os crentes. Esse amor não apenas Paulo demonstra aos tessalonicenses (1Ts 2.1-8), mas Jesus deixou claro para os que o interrogavam (Mt 22.34-46).
2. Exegese
V. 1 – Paulo inicia com uma certeza: o trabalho missionário não foi em vão. Atesta que os irmãos de Tessalônica são testemunhas das conversões.
V. 2 – Não somente este versículo como os do capítulo anterior deixam claro que Paulo, Silvano e Timóteo enfrentaram a rejeição e até violência na cidade de Filipos e precisaram confiar em Deus. A motivação para estarem naquele lugar e terem enfrentado as adversidades é o fato de Deus tê-los sustentado e chamado para anunciar o evangelho.
V. 3 – Aqui Paulo coloca autenticidade em seu testemunho, dando a entender que é diferente dos falsos pregadores.
V. 4 – Continua o versículo anterior, pois enfatiza que o testemunho não é falso nem impuro, porque provém de Deus. Os autores da carta demonstram gratidão por ter sido chamados por Deus, mas também apontam para o Deus que examinou o coração deles para ser merecedores de anunciar a verdade. O versículo deixa claro que eles não estão querendo fazer a vontade das pessoas, mas a vontade de Deus. A honra pertence a Deus.
V. 5 – O versículo deixa claro à comunidade que eles não usaram de falsidade, querendo agradá-la, para que assim tivessem lucros, mas que eles trabalharam para se manter. Para não ser confundidos e para esclarecer as dúvidas (talvez rumores), eles buscam ser transparentes, apontando para a fidelidade de Deus, que tudo sabe e é testemunha.
V. 6 – Para eles não interessavam a honra e a bajulação das pessoas. Estavam felizes e satisfeitos com os frutos colhidos, porque Deus não os abandonara e vinha acrescentando mais bênçãos dia após dia. Diante disso, ante a aprovação e os sinais de Deus, quem poderia querer mais? A honra e os elogios de pessoas que podem mudar conforme o vento e enquanto estiverem agradando?
V. 7 – Como lideranças da igreja poderiam exigir pagamento e manutenção, mas “nos tornamos carinhosos entre vós”. A evangelização aproximou-os, conheceram as dificuldades das pessoas e sabiam que nem todas poderiam ajudar. Paulo e seus colaboradores demonstram afeto por essa comunidade, comparando–se a uma mãe que ama seus filhos.
V. 8 – Os versículos posteriores praticamente repetem o sentido dito até aqui. Aqui Paulo e os coautores da carta concluem que esse amor pelos tessalonicenses é tão grande e forte, que dariam a vida por eles se fosse preciso. Eles se veem no meio da comunidade como um instrumento do amor de Deus, amor que esse povo também queria sentir e saber. Lideranças e comunidade estavam muito bem integradas, e o serviço é bom quando todas as partes colaboram.
3. Meditação
Ouso trazer aqui uma reflexão diferenciada do Proclamar Libertação 35, que faz um bom estudo do texto. Três anos passaram, e sinto em nossas comunidades algumas angústias e questionamentos que o texto indicado auxilia a compreender, não somente para ministros e ministras, mas também para membros de nossas comunidades.
3.1 – O chamado de Deus
É interessante perceber que Paulo enfrenta os adversários com seus rumores, afirmando que sua missão veio da parte de Deus. Ouvir o chamado de Deus é hoje uma questão problemática, no meu ponto de vista. Enquanto alguns não ouvem, outros são fanáticos a ponto de querer obrigar as pessoas à fé. Esse fanatismo tem afastado as pessoas e organizações públicas e civis do mundo religioso. Cada vez mais, esse fanatismo enclausura a igreja numa realidade que se afasta do mundo. É uma atitude nítida desprezar este mundo que ainda é de Deus. É muito triste ver a humanidade oprimindo e desrespeitando o próximo. Paulo e seus companheiros também foram chamados para evangelizar dentro de uma realidade em que o evangelho não era conhecido, mas eles não oprimiam as pessoas, e sim proclamavam a liberdade. O comportamento deles revela que não vieram para ferir, mas para ajudar. Sempre teremos rivais e aqueles que duvidam de nós, mas jamais poderemos fazer mau uso do chamado, enquanto ministros e membros de uma igreja, obrigando ou ainda tendo uma conduta errada.
Esse chamado tem a ver com fidelidade. Algumas pessoas ouviram esse chamado e não souberem honrar e valorizar o amor de Deus; pelo contrário, começaram a falar de seus próprios interesses. Deus deixou de falar com essas pessoas, e então o poder do chamado transformou-se em espaço para a opressão e interesses próprios, em que o diabo é mais mencionado do que Jesus Cristo. Se Deus tem autoridade para chamar, Ele também tem autoridade para destituir. Enquanto isso, tenhamos bem claro o que Deus espera de nós e o que nos delegou, ouvindo qual é sua vontade, porque durante toda a vida precisaremos ouvir Deus se queremos ser coerentes e amáveis. Que não estejamos entre os falsos profetas, que são verdadeiros atores e verdadeiras atrizes, que pregam e cantam e não fazem nada pelo povo, que não sabem viver de modo simples com seus semelhantes.
Ser chamado significa compreender o que Madre Teresa de Calcutá ensina: “Santidade não é privilégio de poucos, é necessidade de cada um de nós”. Amar Deus e o semelhante requer santidade, requer pelo menos um pouco de paixão pela vida. “Durante esses vinte anos de trabalho no meio do povo, comecei a compreender, cada vez com maior clareza, que as piores enfermidades de nossos dias não são a lepra ou a tuberculose, mas sim a falta de afeto, a sensação de não ser querido e de não ser amado pelos outros”, disse Madre Teresa em 1979 ao
receber o Prêmio Nobel da Paz.
3.2 – Remuneração x recompensa
Para algumas pessoas, talvez seja difícil falar disso que o texto fala. Comunidades, em grande maioria, também não refletem sobre isso. Apenas se questiona o valor que se deve pagar aos ministros e às ministras. Paulo e seus amigos tinham outra profissão, no entanto recebiam apoio, hospedagem, alimentação e ajuda de custos nas viagens, ao menos de algumas comunidades. Hoje seria impossível imaginar uma igreja que quer crescer viver nesse modelo. Explico: o voluntariado é lindo e necessário, mas em curto prazo, e a igreja depende da boa vontade das pessoas. O que seria de nossos membros se dependessem da boa vontade ou do tempo de um ministro ou ministra com emprego secular?
Quando eu era criança, meu sonho era ajudar todo mundo e vivia nessa ilusão. Acho que muitas pessoas vivem em suas comunidades com essa ilusão. Pensam em fazer o bem quando estiverem prontas e tiverem dinheiro sufi ciente, enquanto a necessidade está às portas onde se vive. Muitas comunidades também têm medo de ousar, de investir em missão, em frentes diaconais.
Penso que esse texto nos desafia a não somente reclamar sobre nossa contribuição dentro e fora da igreja, mas a perceber que somos todos servos uns dos outros e que temos um chamado. O cumprimento requer sacrifício, como foi difícil para o próprio Jesus.
Nem ministros tampouco lideranças ou pessoa alguma devem praticar seu ministério pensando na recompensa financeira ou recompensa do paraíso. Pregar sobre isso ainda é atual. Grande parte do povo brasileiro pratica o bem pensando em sua evolução, no perdão da culpa, no alívio da angústia e no sentimento do que as pessoas podem pensar.
Por outro lado, grande parcela das pessoas quer viver o hoje. Não acreditam em céu e inferno. Querem ser felizes hoje. As pessoas não são mais cúmplices, não se veem como semelhantes. Tudo está se tornando um grande mercado.
Enquanto a pessoa estiver trazendo auxílio ou vantagem, está tudo bem; caso contrário, será como um objeto que é substituído. As pessoas estão vazias e isoladas. Então a recompensa é jogada para o futuro. A ansiedade é tanta, que as pessoas querem respostas para hoje. Não esperam, não se aquietam para ouvir Deus. Não olham para o lado, porque todas estão correndo atrás dos seus planos, mas no fundo nem sabem aonde exatamente querem chegar. O mandamento de amar a Deus e ao próximo está ficando em segundo plano, para quando as pessoas tiverem tempo e estiverem resolvidos seus próprios problemas. O que as pessoas estão esquecendo é que tudo está interligado e que, quando se desprezam a criação e os semelhantes, o próprio Jesus é desprezado (Mt 25.45)
3.3 – A honra e a glória
Em todos os lugares, a busca pelo privilégio fala alto no coração e no comportamento das pessoas. Facilmente também personalidades tentam ou gostariam de ocupar o lugar de Cristo. Dirigindo-se aos tessalonicenses, Paulo está orientando também a nós que pensamos em enganar Deus e as pessoas, querendo ocupar um lugar de honra quando ainda nem começamos a servir e amar direito.
A teologia da cruz lembra que não precisamos estar em posição de vantagem para que Deus fale conosco. Pelo contrário, ele nos chama e encontra-se conosco em nossa miséria e conhece todos os nossos segredos. Portanto amemos e sirvamos como somos e com o que temos, porque o próprio Deus endireitará nosso caminho. Outros servos de Deus também erraram e não foram desprezados por Ele; ao contrário, compreenderam Deus ainda melhor.
Outro dia, ainda ouvi que “Deus só pode ser Deus e fazer sua obra se nós o deixarmos ser Deus, e a mesma coisa vale para diabo”. Isso não é teologia da cruz. Nossos antepassados e nós confessamos que Deus está acima de tudo, que ele criou a nós e a tudo o que existe, as coisas visíveis e invisíveis. Nós ainda somos crianças na fé e temos muito a aprender na caminhada com Cristo. Audácia do ser humano achar que tem o conhecimento sobre tudo. A teologia da cruz diz–nos que é necessário morrer e ressuscitar diariamente com Cristo para que tenhamos vida e liberdade. Sem Cristo não há vida nem liberdade. Dependemos dele.
4. Imagens para a prédica
a – Pode-se optar em projetar imagens do sofrimento humano, da falta de amor e solidariedade com os semelhantes e a criação, porque somos egoístas e provocamos sofrimento. Quem não tiver esse recurso pode usar fotos e imagens espalhadas na entrada da comunidade, ao longo do corredor ou noutro espaço.
b – Pode-se usar esta mensagem do livro de Alcides Jucksch, Amor sem Fronteiras, p. 319: “Em uma cidade, o prefeito estava desesperado. Em todos os lugares, nas ruas, havia cascas de laranja, papéis, tocos de cigarro, latas vazias e muita sujeira. A prefeitura não dispunha de um carro moderno para a limpeza. Então anunciou pelo rádio que cada cidadão deveria pensar como poderiam ser conservadas limpas as ruas da cidade. Deviam mandar-lhe suas sugestões. A melhor seria premiada. Assim aconteceu. Entre as muitas propostas e sugestões, a que recebeu o prêmio dizia: ‘A nossa cidade se tornará limpa e conservada quando cada um varrer e limpar a sujeira diante de sua porta’. É fácil lamentar os defeitos que nos cercam…”. É necessário cada um varrer a sujeira, fazer sua parte para continuar fiel a Deus e conservar o amor pelas pessoas e toda a criação. A mudança começa quando me vejo parte integrante da mudança.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados:
Misericordioso Senhor, confessamos que nos falta o amor, que deixamos de amar e de perceber teu amor e de nossos semelhantes. Confessamos que somos racionais e frios o bastante para não sentir, ver, tocar. Confessamos que somos pobres em ir ao encontro, em orar com os outros, em nos juntar à minoria lutadora por um país onde a justiça se faz necessária. Confessamos que nos faltam sensibilidade e devoção. Somente a tua cura pode tirar-nos do egoísmo extremo em que
vivemos. Cura-nos desse egoísmo, dos preconceitos, das prisões e perdoa-nos para uma nova chance em Cristo. Tem piedade, Senhor! Amém.
Anúncio da graça/Absolvição:
Nós e este mundo erramos, mas é a nós e a este mundo que Deus criou e ama. Disso a Escritura é testemunha quando diz: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Amém.
Hinos:
Como hino de oferta se poderia cantar “Não se deve dizer, nada posso ofertar…”. Como gesto da paz sugere-se cantar “Um abraço dado de bom coração é como uma bênção dada pelo irmão/ã”.
Bênção:
O Senhor te abençoe, amando-te.
O Senhor te abençoe, iluminando-te.
O Senhor te abençoe com sabedoria.
O Senhor te abençoe com alegria.
O Senhor te abençoe com força e coragem.
O Senhor derrame paz na tua vida.
Assim te abençoe o Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
Envio:
Seja uma bênção amando.
Seja luz no caminho do teu próximo.
Seja paciente ao ensinar e cuidar.
Seja motivo de alegria.
Tenha propósitos e boas intenções.
Faça o melhor com tua força e coragem.
Seja tu uma bênção ao ser lembrado/a.
Bibliografia
BÍBLIA SAGRADA com Reflexões de Lutero. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.
JUCKSCH, Alcides. Amor sem Fronteiras. Gramado: Ed. Conhecer a Bíblia, 1995.
KUNZ, Marivete Zanoni. Proclamar Libertação 35. São Leopoldo: Sinodal, 2010. p. 329-334.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).