Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: 1 Timóteo 2.1-7
Leituras: Amós 8.4-7 e Lucas 16.1-13
Autoria: Odair Airton Braun
Data Litúrgica: 18º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/09/2016
1. Introdução
1 Timóteo é uma carta perpassada por orientações de ordem prática para os que integram as comunidades, no caso uma jovem comunidade com pouco tempo de fundação. Olhando o contexto da carta, especialmente 1 Timóteo 1.3, é possível notar que ali se enfrentava algum grau de dificuldades, provavelmente oriundo do ensinamento de doutrinas afastadas daquilo que as jovens comunidades cristãs haviam recebido e aprendido. Portanto tem-se como pano de fundo o surgimento de “interpretações e pregações” distintas do ensinamento de Paulo. E é dentro desse contexto que deve ser visto o texto indicado para a pregação deste domingo (1 Timóteo 2.1-6).
Olhando para as leituras indicadas para este domingo, pode-se observar acentuado grau de semelhança com aquilo que vemos acontecer em nossa sociedade e no mundo. Amós denuncia falsidade, trapaças, roubos e mentiras, enfi m, o agir em benefício próprio, afastado da necessidade da coletividade. Em junho de 2015, enquanto se elaborava este auxílio homilético, vimos a cada dia novas revelações a partir das investigações feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato. Políticos de diferentes partidos estão envolvidos. Nada parece ter limite. Tudo parece ser perfeitamente aceitável. O grande problema é que os que se beneficiam de tal lambança não estão se ocupando com os menos favorecidos da sociedade. Isso é uma afronta aos ensinamentos da palavra de Deus e precisa ser repudiado e enfrentado pela comunidade cristã.
Olhando para a leitura do evangelho deste dia, evidencia-se que há, entre os textos, um tema que os perpassa, ou seja, como nos relacionamos com o que é público, com o dinheiro. E essa é uma reflexão que não deve ser voltada somente à classe política. A nossa sociedade está cheia de exemplos em que os cidadãos também não respeitam aquilo que é da coletividade, como é o caso das escolas, das praças, telefones públicos etc. Esse bem coletivo é tratado muitas vezes de modo irresponsável, que se destrói sem pudor. Logo o mau trato do que é público, deve ser dito, não é somente uma característica da classe política.
No caso, o administrador corrupto mais uma vez faz-nos olhar para as denúncias de malversação do público que temos visto nos últimos anos, independentemente de cor partidária ou posição política ocupada, e como dito acima, no qual todos temos participação. E nesse sentido os textos desafiam a olhar, a partir da fé, para essa dura realidade. Desse exercício devemos aprender que ninguém pode servir a dois senhores. Devemos aprender que não podemos criticar a forma pouco respeitosa com a qual os políticos nos tratam se a partir de nosso dia a dia também não estivermos dispostos a dar exemplos de como se pode, como se deve e como é possível agir diferente. Literalmente, aplica-se a lógica de que o mundo pode ser transformado a partir do agir que adotamos no micro em direção ao macro.
2. Exegese
1 Timóteo 2.1 afirma de modo categórico: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graça”. Pode ser afirmado que aqui se apresenta uma regra de que a oração deve ser feita a favor de todos, desenvolvendo-se pelo caminho de apresentar pedidos, intercessões, agradecimentos. Proceder desse modo leva à alegria e ao espaço comunitário saudável, solidário e de inclusão. Da mesma forma, aponta para o centro da vida cristã, que é Deus, do qual tudo provém e depende. Considerando essas afirmações e o contido na introdução, coloca-se então a pergunta instigante: como orar e interceder ante Deus por aqueles que tanto mal têm causado a toda a sociedade? É perfeitamente lícito perguntar-se e questionar assim. Mas também é importante que a passagem indicada para a pregação deste dia possa desafiar-nos a olhar para outro horizonte. E nesse horizonte vemos que Deus tem como principal desejo a salvação de todas as pessoas em todos os lugares e contextos. E nesse plano temos papel de relevância, ou seja, somos chamados a participar, a agir, por meio da oração e do nosso agir. Aqui também vale lembrar que, ao separarmos a palavra oração, temos Orar + ação.
Nesse sentido, deve ser observado que a passagem de 1 Timóteo 2.1-7 inicia exortando a agir com moderação e calma, convidando para orar e acalmar-se. Ou seja, chama para que seja adotada uma postura de serenidade e tranquilidade, que é essencial para que possamos colocar-nos mais perto de Deus e conectados com ele e seus ensinamentos. O grande destaque nesse primeiro versículo é justamente em relação à oração, ao dialogar com Deus, ao ato de colocar nas mãos do Criador dificuldades, alegrias, fardos, sentimentos e angústias que se abatem sobre a vida. A oração não é algo somente voltado para si mesmo. Ela também deve ser voltada para o próximo, independente de como ele age conosco. Aliás, o desafio cristão é “amar aos inimigos e orar pelos que nos perseguem” (Mt 5.44).
Nos v. 2 a 4 torna-se ainda mais evidente o desafio de orar também pelas autoridades constituídas em todas as instâncias, independente de como as mesmas se portam e agem. 1 Timóteo faz essa referência por entender que é de competência das autoridades constituídas zelar pelo bem-estar de todos e por entender que é papel da comunidade cristã orar e interceder pelas autoridades constituídas, uma vez que as mesmas também devem temor e obediência a Deus. E o segundo motivo pelo qual 1 Timóteo desafia a agir por meio da oração é o fato de que é desejo de Deus que todos sejam salvos, motivo pelo qual precisam conhecer a verdade, para que possam alcançar plena liberdade. Nesse sentido, a oração e a súplica devem ser vistas como parte da missão de Deus de anunciar a verdade, que é válida para todas as pessoas, também aquelas que exercem cargos de autoridade.
A partir do anunciado nos v. 2-4, os v. 5-7 apontam que a verdade é Jesus Cristo, o qual, por meio de sua morte na cruz, reconciliou o ser humano com Deus. Eis a grande verdade e o grande desafio para a igreja e para os cristãos, ou seja, viver, pregar e testemunhar essa verdade. Todos são desafiados a integrar-se nessa tarefa e a participar dela, orando e também adotando ações que visem e promovam as transformações que são necessárias para que a sociedade seja mais justa e ofereça maior dignidade a todos.
Portanto as leituras bíblicas deste domingo abrem os olhos para o Deus que se compadece dos esquecidos e excluídos. Conforme Amós 8, ele denuncia comerciantes que vendem o trigo, alimento básico, não só de má qualidade, mas ainda por preço extremamente elevado. Por isso os pobres, por não terem dinheiro para pagar suas dívidas, são obrigados a vender o pouco que têm e tornar-se meeiros ou mesmo escravos. Deus mesmo se sensibiliza com eles e anuncia um terrível juízo sobre os que arquitetam a injustiça. Já a passagem de 1 Timóteo 2.1-7 ensina-nos a orar, interceder perante Deus sobre as necessidades do mundo e sobre as suas autoridades.
A oração não pode privilegiar um determinado grupo de pessoas. Ela tem um caráter universal e deve vir antes de qualquer outra prática por parte da comunidade cristã. A referida universalidade da oração expressa-se por meio do pedido de que se ore também pelo imperador e por aqueles que ocupavam cargos e agiam sobre os civis de então. Isso é fundamental, pois Deus deseja salvar todas as pessoas, razão pela qual todos devem e precisam conhecer a verdade, ou seja, Jesus Cristo. Nesse sentido, deve ser enfatizado que a obra salvífica de Deus não é exclusivista. Fecha-se então o círculo, apontando para a necessidade de toda a comunidade e de todos os cristãos agirem em favor da obra missionária maior, ou seja, anunciar a verdade que provém de Jesus Cristo.
3. Meditação
Jesus conta a parábola do administrador desonesto. O que ele faz não é apenas um gesto desonesto, um deslize moral; é crime. Está enriquecendo em cima de propriedade alheia. Nós interpretamos assim: ele cobra juros sobre empréstimos tomados do senhor daquele administrador. Isso era proibido pela lei judaica. Mais escandaloso ainda é que ele explora e fatura em cima de trigo e azeite de oliva, que na Palestina eram tidos como alimentos básicos. Colocar sobre esses produtos elevadíssimos juros de 20 ou mesmo 50% era o cúmulo da injustiça. Dessa forma, os devedores que não têm como pagar essa conta exorbitante eram condenados à eterna dependência e escravidão.
É interessante ver como esse sistema de injustiça prolongou-se e se aperfeiçoou até os dias de hoje! Ele se manifesta nas relações sociais em todos os níveis, tanto em nosso país como entre os países. Poucos se deixam servir por muitos e concentram a riqueza em suas mãos. Os muitos estão na dependência dos poucos. Parece que esse sistema de injustiça reproduz-se com maior ou menor dramaticidade ou sutileza em todas as relações sociais.
Tal injustiça comove o coração de Deus. Por isso Jesus conta na parábola que o patrão manda chamar o administrador dessa injustiça para que ele preste contas. Nesse fato, evidencia-se quem realmente tem a última palavra. Não são os administradores da injustiça que arquitetam os sistemas de exploração, marginalização e escravidão, nem são os seus executivos, seja em que nível for que atuem. Em termos da parábola, quem realmente tem a última palavra é aquele patrão ao qual tudo e todos pertencem. Diante dele nada subsiste, nem o sistema da injustiça, por mais camuflado que seja. Fazendo uso de sua autoridade e de seu poder, anuncia ao administrador da injustiça a demissão.
É por isso que Jesus diz em Lucas 15.10: “Pois eu digo a vocês que assim também os anjos de Deus se alegrarão por causa de um pecador que se arrepende dos seus pecados”. Aqui se manifesta algo do mistério do amor de Deus. Ele não ama o pecado nem espalha “graça barata”. Pelo contrário, irrita-se com o pecado, não compactua com ele, castiga-o e pune. Contudo ama indizivelmente o pecador, a ponto de se sacrificar em favor dele. Toma sobre si mesmo o castigo que nós teríamos merecido. E essas questões devem ser alvo da oração de todos os cristãos e de todas as comunidades.
É esse amor divino que toca e comove, liberta e transforma. Esse amor liberta-nos de todos os tipos de desamor. Já que vivemos do perdão de Deus, somos constrangidos a perdoar o próximo não só duas vezes, mas sempre quando necessário. É essa justiça de Deus que também nos sensibiliza para com o sofrimento das pessoas esquecidas e excluídas, as quais devem ser alvo de oração e de ação de graças. Ela nos faz valorizar pessoas idosas, doentes, dependentes e crianças sem lar. A justiça de Deus liberta-nos da obsessão de acumular para nós mesmos e possibilita o partilhar com quem necessita. A justiça de Deus liberta-nos de valores fatais como “lucro acima de tudo” e dirige a atenção à promoção de valores como “qualidade de vida e segurança para todas as pessoas”. O desafio que os textos deste domingo deixam é que a comunidade cristã deve orar e interceder, assim como deve adotar ações que promovam e privilegiem esse caminho, integrando-se assim na promoção da verdade que é anunciada por Cristo.
Essa libertação faz-nos perceber que bens e riquezas não são valores em si mesmos. Eles possuem uma função social. Estão aí para possibilitar a sustentabilidade de tudo o que existe. É por isso que Jesus recomenda: “Usem as riquezas deste mundo para conseguir amigos afim de que, quando as riquezas faltarem, eles recebam vocês no lar eterno”.
As passagens bíblicas deste domingo convocam e convidam a comunidade para orar e sublinham a sua importância no dia a dia das comunidades e da vida dos cristãos. Isso equivale a dizer que a oração precisa estar em primeiro lugar sempre. E como tal, observamos na apreciação do texto, ela, a oração, não pode deixar ninguém de fora. Todos são e todos devem ser alvo da oração do cristão e da comunidade cristã. Não importa se são opressores ou oprimidos, injustiçados ou causadores de injustiça, vítimas ou violadores. A oração quer alcançar todos, para que haja transformação de vida e salvação. Esta parece ser uma das grandes características da comunidade cristã, ou seja: buscar a inclusão, a participação e o comprometimento de todos.
Agir dessa forma, ou seja, orando por todos indistintamente, não significa agir de modo descomprometido. Pelo contrário, Amós deixa bem evidente que Deus destruirá aqueles que oprimem, roubam e exploram os menos favorecidos. Por isso é preciso orar com fé e devoção, não com ódio e rancor no coração. Orar é bom porque Deus ouve a nossa oração e súplica.
1 Timóteo 2.1-7 deixa evidente que a oração é essencial e que a vontade de Deus é promover a salvação de todas as pessoas, razão pela qual precisam passar por mudanças e transformações, conhecendo Jesus Cristo. Orar pelas autoridades, opressores e causadores de injustiças não significa abrandar a nossa indignação com tais situações. Significa confiar e colocar nas mãos de Deus tais situações, clamando por transformação, ao mesmo tempo em que adotamos ações e posturas que transformem realidades.
4. Imagens para a prédica
Parece-nos que a ênfase maior da pregação deve ser centrada na oração. Nesse sentido, seria importante construir um quadro a ser visualizado pela comunidade, fazendo-o a partir da palavra ORAÇÃO e seu significado. A seguir, esse quadro poderia ser desdobrado em ORAR e AÇÃO, elencando motivos de oração extraídos de cada realidade e contexto, fazendo então um paralelo com ações que podemos ter e adotar enquanto pessoas e enquanto comunidades para viabilizar transformações que são necessárias. Esse quadro deveria ser construído ao longo da pregação e de modo que possa ser visualizado por toda a comunidade reunida.
A estrutura da pregação poderia seguir o seguinte esquema:
1. O que significa orar? Quais são os momentos e qual espaço a oração ocupa na vida da comunidade?
2. Mostrar o que é denunciado pelos textos deste domingo, chamando para a oração no contexto comunitário e familiar.
3. Desafiar para que pessoalmente, em família e na comunidade se adote atitude de oração de gratidão, de louvor e de ações de graças.
4. Seria possível lançar o desafio de uma vez por mês a comunidade reunir-se para uma noite de oração?
Bibliografia
CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Millenium, 1986.
JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1980.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).