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Prédica: Mateus 6.5-13
Leituras:
Autor: Wilfrid Buchweitz
Data Litúrgica: Domingo Rogate
Data da Pregação: 15/05/1977
Proclamar Libertação – Volume II
Tema: Oração

I – O contexto literal

O contexto maior é o do próprio evangelho de Mateus. Aponto para o artigo de G. Brakemeier Observações introdutórias referentes ao evangelho de Mateus, neste volume.

O contexto menor é o do Sermão do Monte, cap. 4,23 -7,27. Temos aí o Cristo da Palavra, o Cristo que ensina e prega como quem tem autoridade (7,29).

Diminuindo o círculo, podemos citar o bloco de 6,1 -18, sob o título (falsas e) verdadeiras obras de justiça.

II – O texto

O texto é parte de uma espécie de poesia que vai do versículo 2 ao 18. Ele fala da esmola (vv. 2-4) , da oração (vv. 5-8) e do jejum (vv. 16-18). Intercalada está a oração-modelo do Pai Nosso (vv. 9-15).

A estrutura textual dos três assuntos é a mesma. Basta fazer a comparação.

Quanto à tradução, não há maiores dificuldades. Há pequenas variantes em alguns dos textos antigos, mas elas não chegam a mudar substancialmente o sentido.

A doxologia no fim do Pai Nosso não consta nos primeiros textos conhecidos do evangelho de Mateus. Mas os exegetas afirmam que a praxe da doxologia no fim das orações era conhecida em Israel e que muito cedo (século II) a doxologia como final do Pai Nosso está documentada (Schniewind, NTD, p.89) .

III- O contexto histórico-teológico

As palavras de Jesus são ditas para dentro de uma situação em que o povo israelita, e principalmente seus expoentes religiosos, os fariseus e escribas, davam muito peso ao cumprimento da lei mosaica. A preocupação era cumprí-la integralmente como um ato de obediência total a Deus. Esmola, oração e jejum não faziam propriamente parte da lei, mas eram oportunidade, instrumento e expressão do culto a Deus, serviço a Deus. Eram momentos importantes na vida devocional do israelita. Deus era o alvo, de maneira toda especial, nesta praxe. Por isso ela dava crédito especial, na concepção israelita. Este culto a Deus era um algo mais a favorecer um saldo positivo especial. Mais do que isso: a es-te tipo de obras atribuía-se o peso de pagamento por infrações da lei ; elas podiam apagar a dívida de atos desrespeitosos à lei (Grundmann,p.191).

Era importante que todos cumprissem as leis. Os israelitas se entendiam como povo e por isso sentiam-se responsáveis um pelo outro. E um diante do outro. Observavam-se mutuamente. Quem cumpria a lei merecia honras, e quem não a cumpria merecia repreensão (Schlatter, p. 87).

O fariseu tinha determinadas horas de oração. Quando este tempo chegava, a oração tinha que ser realizada nas formas prescritas, não importando onde, mesmo que fosse em lugares públicos.

Jesus não desaprova a oração, como não desaprova a esmola e o jejum. Mas ele desaprova o espírito com que estas coisas são feitas.

Os fariseus e escribas se tornaram vítimas de sua condição de povo escolhido, vítimas de seu uso da lei e de suas práticas de culto a Deus. E eles vivem este papel irresponsavelmente. A atitude, forma e conteúdo de sua fé não é resposta a Deus. Por conseguinte, Deus não pode responder a eles, pelo contrário, tem que recusá-los, condená-los. Deus, para eles, não é mais Deus. Por isso Deus não pode ser mais Deus para eles. Outras coisas ocupam o centro da vida: formas e locais de culto e, em última análise, eles mesmos.

IV – Conteúdo teológico

Jesus não nega valor a esmola, oração e jejum. O alvo é que precisa ser redefinido.

No caso da oração, os fariseus estabeleceram como alvos a si mesmos, como autores e alvos ao mesmo tempo. Numa oração autêntica o alvo é Deus. O que ora procura Deus, foca Deus, tanto quanto ele conhece Deus, tudo o que conhece de Deus. A partir daí surge o segundo alvo, a comunhão entre orador e Deus, comunhão através da Palavra e de palavras. E agora surge o terceiro alvo, o conteúdo da oração, que pode ser suplica, agradecimento, adoração.

Os fariseus não oravam assim. Não chegavam, nem queriam chegar ao alvo Deus. Não se estabelecia comunhão, e por isso não aconteciam súplicas, agradecimento, adoração. A oração visava a eles mesmos, revertia a eles mesmos. Deus era desconsiderado. Os espectadores eram desconsiderados, logrados, usados para poder promover uma imagem própria. A Palavra e as palavras ficavam vazias, até elas eram desconsideradas. O número das palavras vem a ser importante, não o seu conteúdo.

Por isso a oração dos fariseus não é oração. É um expediente de auto-promoção. É farsa, mentira, endeusamento próprio, negação de Deus e do próximo. O termo hipócrita não é injusto, como talvez pareça à primeira vista. Eles já receberam a recompensa significa que Deus não tem nada a ver com eles. Eles mesmos O eliminaram. A separação está concretizada. Da parte de Deus não ha mais o que fazer. Em vez de auto-promoção aconteceu autodestruição.

É possível e necessário libertar-se desse tipo de oração. É possível enfocar o Pai, ter comunhão com Ele e abordar o que vai no orador: adoração, súplica, agradecimento. Não se está preso a lugar, horas especiais, formas, palavras. Não há necessidade de promoção própria, porque o Pai promove o orador à condição de filho, e isso é a máxima condição possível. Isso pode acontecer num quartinho, à parte, sem assistência. O quartinho pode até favorecer uma oração autêntica ou ser o sinal de orações autênticas.

Não quer dizer que se pode orar só em quartinhos. Em outras passagens da Escritura somos conclamados a invocar a Deus e louvá-lo em assembléias festivas no meio do povo, para testemunhar publicamente nossa fé e gratidão e incentivar, através de nosso exemplo, outros a fazer o mesmo (Calvin, p. 204).

A oração do filho ao Pai torna a forma e o numero de palavras secundário. Não se precisa impressionar Deus. Mas não torna a oração desnecessária. Quem não ora destrói a relação filho – Pai. A relação f ilho – Pai , por outro lado, também torna possível orações autênticas no meio da comunidade, mesmo que fossem centenas de pessoas. A vida gira em torno de Deus. Poder orar é, portanto, um novo estado de coisas, que rege a vida toda. Toda a minha vida se torna um diálogo com Deus, e ele não pode terminar até a eternidade. (Heim, p. 52).

Não entro mais a fundo no Pai Nosso. É impossível fazer justiça ao conteúdo específico do Pai Nosso em uma predica só. Seria necessária uma série de pregações. O que poderia ser feito é mencionar o Pai Nosso como exemplo, modelo de oração em que estão presentes os elementos que os fariseus deixam de lado. Deus como alvo, Seu nome, Seu reino, Sua vontade, Seu perdão, Seu amparo, o Doador do pão de cada dia. AT está o Pai ao qual o filho pode chegar com confiança e alegria.

V – Meditação

O texto e o domingo – Rogate – convidam ã oração.
Oro eu? Oramos nós pastores? Oram os membros de nossas comunidades? Oram as pessoas fora de nossa Igreja?

Como oro? Como oramos? Como oram?

O pecado de Adão atravessa a Bíblia, e a história. Querer ser igual a Deus, pôr-se no lugar de Deus. Certamente o pastor não está mais seguro do que qualquer outra pessoa.

O fatal, o desagradável é que, quando o pastor cai vítima da tentação de promover-se, ele o faz na oração, na pregação, na diaconia, no serviço que por natureza está especificamente destinado a promover Deus e o próximo. Quando alguém se promove através de seu emprego no comércio, na indústria, no serviço público, coisas que como cristãos também entendemos como serviço a Deus e ao próximo, a situação é diferente. Quando o pastor se promove através da atuação na Igreja, isso parece mais grave. Será que é?

Estes dias alguém mencionou que seria interessante fazer uma pesquisa entre os pastores para descobrir por que eles preferem certos trabalhos e se estes trabalhos são ou não aqueles onde o pastor mais se destaca, mas aparece, é observado, admirado, tem mais poder. Há ocasiões em que usamos a comunidade para nossa própria promoção e satisfação no culto, no enterro, na construção de uma igreja, no automóvel bonito, numa bonita casa paroquial?

O homem, as vezes, põe em funcionamento um mecanismo de autopromoção impressionantemente sutil e refinado.

Afinal, os fariseus não foram nem uns grosseiros nem uns irresponsáveis, humanamente falando. Tenho eu consciência disso? Acontece comigo isso? Onde? Quando?

Como me vejo quando toda a comunidade olha para mim? Como me vejo quando me criticam? Que significa se pego os velhos manuais de culto e simplesmente leio as orações de décadas atrás, com uma linguagem e problemática estranhas ao homem de hoje? É oração isso?

Que significa orar durante o culto, orar quase que profissionalmente, mas não orar com a própria família ou não orar no gabinete de trabalho?

Certamente o nosso problema não é orar nas esquinas. Mas, se não oramos, ou oramos pouco, esta não pode ser uma tentativa de emancipação igual a dos fariseus?

Se digo que não posso orar, significa isso que, de fato, não posso, ou significa que não quero orar?

Se outro diz que a oração não lhe significa nada, tenho o direito de logo taxá-lo de não-cristão?

Há outros meios de oração que não sejam palavras e pensamentos?

Quando os membros de nossas comunidades não sabem orar, muitos deles ao menos o dizem, será que isso não pode significar que nós, pastores, damos tão pouco crédito à oração que não lhos ensinamos? Naturalmente há abusos! Existe a compreensão mágica da oração. Existe a oração-omissão, em vez de eu agir, me engajar, empurro o problema para Deus.

Quando os membros de nossas comunidades não oram, será que isso é consequência da nossa pregação? Não conseguimos revelar o Pai que ouve e entende qualquer linguagem?

Como orar na agitação de nossos dias? Como ensinar a orar? Às vezes não agüentamos ficar em silêncio, a sós com Deus, no quarto.

Por que temos vergonha de orar? Topamos com a vergonha da oração da mesma forma como nos defrontamos com o abuso.

Se o trabalho de pastor às vezes parece tão impotente, pode isso ser consequência de que a comunidade não nos acompanha em oração?

Até onde estou viciado em orações individualistas e que pensam só em mim mesmo? Incluo o meu próximo na minha oração?

Quais são as formas de hipocrisia na oração hoje?

Que é oração autêntica hoje?

VI – Bibliografia

– BECKMANN, Joachim. Meditação sobre Mt 6,5-13- In: Hören und Fragen. Vol. 5 -Neukirchener Verlag, 1967.
– CALVIN, Johannes. Evangelien-Harmonie. I n: Auslegung der Heiligen Schrift Vol. 12. Neukirchener Verlag, 1966.
– FURST, Walter. Meditação sobre Mt 6,5-13. In: Göttinger Predigt-Meditationen. Ano 60, Caderno 2, Vandenhoeck & Ruprecht. 1971.
– GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Matthäus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Evangelische Verlagsanstalt, 1968.
– BULTMANN, Rudolf. Die Geschichte der synoptischen Tradition. 3- ed., Vandenhoeck & Ruprecht, 1957.
– HEIM.Karl. Die Bergpredigt Jesu. Furche Verlag, 1946.
– SCHABERT.Arnold. Die Bergpredigt. München, Claudius Verlag, 1966.
– SCHLATTER, Adolf. Das Evangelium nach Matthäus. In: Schlatters Erläuterungen zum Neuen Testament. l- parte. Stuttgart, Calwer Verlag, 1947.
– SCHNIEWIND, Julius. Das Evangelium nach Matthäus. In: Das Neue Testament Deutsch. 5- ed., Vandenhoeck & Ruprecht, 1950.

Proclamar Libertação 02
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia