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Prédica: Mateus 12.38-42
Leituras:
Autor: Martin Volkmann
Data Litúrgica: Antepenúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 06/11/1977
Proclamar Libertação – Volume II
Tema:

I – Preliminares

1. Esta passagem e seu paralelo em Lc 11,29-32 não são as únicas que nos relatam a respeito da solicitação de um sinal da parte de Jesus. O mesmo assunto nos é apresentado em Mc 8,11-13 = Mt 16,1-4. Além disso, o motivo do sinal aparece em outras passagens do NT, principalmente em João (2,18; 3,2; 4,48; 6,30; Lc 23,8; ICo 1,22). Comparando as quatro pás sagens dos sinõticos que nos relatam especificamente o pedido por um sinal, podemos observar o seguinte:

– em Mc o pedido é negado categoricamente;
– em Lc e Mt, em ambas as passagens, o pedido também é negado,, mas há a referência ao sinal de Jonas.

No entanto, Mt e Lc divergem entre si com relação ao sentido do sinal de Jonas: Para Lc a semelhança consiste em que como Jonas foi sinal para os ninivitas, assim o Filho do homem o será para esta geração. Para Mt (somente em nossa passagem) o elemento de comparação entre Jonas e, o Filho do homem está dado com a permanência durante três dias e três noites no seio do peixe, respectivamente, da terra.

Que se conclui disso? Essa perícope se desenvolveu no decorrer da tradição, tendo sido aproveitada pelos Evangelistas de forma diversa, coerente com o todo da mensagem específica de cada qual. Não temos mais a palavra original de Jesus, mas temos aqui três formas de como a palavra de Jesus foi entendida e transmitida pela comunidade primitiva (cf. Bornkamm, p. 276/277).

2. Qual a forma mais antiga dessa palavra de Jesus? Com ou sem a referência a Jonas?

Quanto à interpretação desse sinal de Jonas, tanto em Mt quanto em Lc, é evidente que isso é um acréscimo desses Evangelistas. A pergunta que permanece é se a referência a Jonas é original ou não. Nós temos essa passagem tanto em Mc quanto na fonte de ditos de Jesus (Q) donde Mt e Lc tiraram a presente perícope. E nas duas vezes em que Mt a apresenta – em 16,1-4 à base de Mc e aqui à base de Q – há a referência a Jonas. Por isso é bem provável que a menção de Jonas seja original e que Mt não tenha feito uma adaptação do texto de Mc em 16,4 à base de Q. Assim, Mc teria deixado fora essa referência não facilmente compreensível, porque para ele importa que o Jesus histórico, que age como alguém que tem autoridade, seja aceito na fé como sendo o Filho de Deus (Bornkamm, p. 277).

3. Mt e Lc apresentam essa perícope, acrescida da menção dos ninivitas e da rainha do Sul (em sequência diversa), em conexão com a história da expulsão de um demônio e a acusação por parte dos líderes judeus de que Jesus o faz pelo poder de Belzebu (v. 24), o que Mc apresenta em outro contexto. Lc tem uma exposição mais curta: cura (v. 14), acusação (v.15), pedido por sinal (v. 16), defesa de Jesus ( vv. 17-23); volta do espírito imundo (vv. 24-26), exclamação da mulher (vv. 27-28 material exclusivo) e a resposta só pedido por sinal (vv. 29-32). Em Mt temos uma exposição mais ampla, incluindo passagens que Lc apresenta em outro contexto (pecado contra Espírito Santo – vv. 31-32; árvore e seus frutos – v- 33-37). Além disso ele apresenta a questão da volta do espí-rito imundo (vv. 43-45) depois de nossa perícope, ligando ambas através de esta geração perversa (vv. 39» 41,42, 45). A mesma questão – quem está ao lado de Jesus – é levantada na perícope subsequente (vv. 46-50), que trata dos familiares de Jesus. Assim, essa análise nos mostra a vinculação íntima de nossa passagem com o seu contexto imediato, evidenciando esse fio vermelho: o posicionamento das pessoas diante de Jesus.

A ligação dessa perícope com as palavras acerca dos ninivitas e da rainha do Sul não é original, mas já constava assim em Q. Alterando a sequência das duas sentenças Mt consegue destacar ainda mais aquilo que motivou a ligação dessas suas palavras autônomas e essa perícope: a menção de Jonas. Originalmente elas eram palavras de acusação contra esta geração que não reconhece o momento especial dessa hora. Formalmente essas sentenças são muito semelhantes as de Mt 11,21-24 e Lc 10,13-15. Em ambas há um estribilho ao redor do qual gira o assunto: aqui está quem e maior do que Jonas (Salomão) – no dia do juízo haverá menos rigor (11,22 +24; cf. Bultmann, Die Geschichte der synoptischen Tradition, p. 118).

II – Considerações exegéticas

1. O pedido por um sinal é dirigido a Jesus pelos líderes judeus. Eles são os responsáveis pela orientação teológica da comunidade e, como tais, eles devem analisar criticamente todo aquele que se apresenta como profeta ou messias (Dt 13,2ss). Portanto, atrás desse pedido não se esconde a curiosidade pelas qualidades extraordinárias desse milagreiro. Isso pôde ser comprovado há pouco na cura do endemoninhado. Mas eles querem uma comprovação de que Deus está atrás dele, ou melhor, eles querem de Deus uma prova de que ele mesmo está falando a eles. Isso está expresso mais claramente em Mc e Lc: um sinal do céu. Mt o expressa pelo passivo: nenhum sinal lhe será dado. Com isso esse pedido visa esclarecer a relação entre Deus e Jesus de um lado, e das pessoas interessadas no sinal e Jesus, por outro lado. O que eles esperam é que Deus confirme claramente que esse Jesus é alguém autorizado por ele, para que eles, por sua vez, possam se definir claramente a favor de Jesus.

2. Apesar dessa motivação aparentemente séria dos que pedem um sinal, Jesus o nega. Porque aquilo que eles objetivam – crer nele à base do sinal – não é fé, mas exatamente falta de fé. É falta de fé, porque se exige de Deus que ele justifique a sua forma de agir. Não é fé, porque se pensa poder por Deus a prova fazendo-lhe exigências. Exatamente por isso eles são uma geração má e adúltera (Os 2,2ss; 5,3-4): Ao invés de viverem com e na dependência de Deus, ouvindo o seu enviado e lhe dando ouvidos, eles se afastam dele (adultério) e passam a agir contra a sua vontade (maldade).

3. A negação categórica do pedido é limitada, sob certa forma, com a referência senão o do profeta Jonas. Como se entende isso? Essa afirmação é um jogo de palavras e não é uma resposta clara; ela é, sob certa forma, uma charada. Só é compreensível para aquele que tem ouvidos para ouvir. E isso exatamente é o que falta aos escribas e fariseus. Porque ao exigirem um sinal para poderem crer nele, eles exatamente evidenciam que não há sintonia entre ambos. Se houvesse tal sintonia, eles compreenderiam essa charada. Mais ainda, eles nem sequer exigiriam um sinal. Assim sendo, ele próprio, Jesus, o Filho do homem, é o sinal no sentido de que nele os ouvintes são confrontados com o próprio Deus. Jesus e o sinal de que o reino de Deus está aí (veja Mt 11,4ss).

Mas será que a referência de Mt comparando a permanência de Jesus no coração da terra com a permanência de Jonas no ventre do peixe (v. 40) não é uma certa concessão ao pedido por sinal? Sem dúvida, isso é um acréscimo de Mt no qual ele interpreta esse sinas de Jonas. E ele o faz citando literalmente Jn 2,1. Isso não é estranho em Mt. Seu Evangelho está cheio de tais citações, pois ele objetiva mostrar que a história de Jesus é a continuação lógica, o cumprimento do AT. Assim também aqui ele visa conquistar pessoas de procedência judia mostrando que, sob certa forma, o escândalo da morte e ressurreição do messias já está prefigurado no próprio AT. Mesmo assim isso não é um sinal especial, uma concessão de Mt, porque para ele morte e ressurreição fazem parte do mistério encerrado no envio de Jesus da parte de Deus (Ar. Falkenroth, p. 556). Exatamente na morte e ressurreição de Jesus, Deus desvenda o mistério que envolve esse Jesus, tornando manifestos o seu poder e sua compaixão, legitimando o seu enviado (cf. Grundmann, Mateus, p. 334).

Assim, o não categórico de Mc e a referência ao sinal de Jonas acrescida da interpretação em Mt (v. 40) não são conflitantes entre si, mas dizem a mesma coisa: Deus não atende um pedido por sinal que seja desvinculado da pessoa de Jesus e do escândalo que ela encerra em si (J. Jeremias,ThW III, p. 413).

4. Os dois versículos finais (41-42) referem-se ao juízo final. Nesta oportunidade os ninivitas e a rainha do Sul comparecerão juntamente com esta geração diante de Deus e prevalecerão, enquanto os outros não permanecerão (cf. Mt 8, 10; Lc 4,25ss; Rm 2,27). Esta geração não se refere especificamente aos contemporâneos de Jesus, mas aos judeus em geral, que constantemente estavam sendo confrontados com Deus e não o reconheceram. Um profeta eu enviei a Nínive, e ele a fez voltar em arrependimento. E estes israelitas em Jerusalém – quantos profetas eu enviei a eles! (Midr. Lamentações Introdução no. 31, veja em J. Jeremias, ThW III, p. 4 l l nota 17). Esta geração pede um sinal para, assim, se posicionar frente a Jesus, enquanto exatamente aqueles que não têm as premissas que esta geração possui se vêem desafiados pela pregação de um profeta ou pela sabedoria de um rei. E eis aqui está quem é maior do que Jonas (Salomão). Esses dois versículos destacam, pois, a majestade, o extraordinário que se apresenta com Jesus: aqui se apresenta não um profeta ou um rei, mas o próprio messias de Deus; aqui se oferecem a misericórdia e a sabedoria de Deus encarnadas na pessoa de Jesus. E, solicitando um sinal para credenciar esse Jesus como tal, esta geração não reconhece que ele é o messias em pessoa e com isso corre o risco de ser condenada por pessoas que, sem tais premissas e em situações menos explícitas (aqui… maior do que), reconheceram o desafio de Deus.

III – Reflexões para a pregação

1. As condições para a fé

O pedido por um sinal manifestado pelos escribas e fariseus evidencia as condições sob as quais eles estão dispostos a entrar em dialogo com Jesus. Essa imposição de condições acompanha todo o caminho de Jesus, desde a tentação até a cruz onde ele é saudado pela blasfêmia e pelo escárnio dos líderes religiosos (Mt 27,42) . Essa imposição de condições é a característica do homem frente aos desafios e questionamentos do mesmo. Antes de se expor é preciso ter garantias; antes de correr o risco é preciso estar certo de que vale a pena.

Onde se manifestam essas condições hoje? Onde, sob o pretexto de salvaguardar a fé e a doutrina certa (tarefa dos escribas e fariseus!), nós impomos as nossas condições?

Alguns exemplos para a reflexão sem quererem ser afirmações categóricas: O fanatismo religioso, de um lado, e a relativização da fé, por outro, cada qual fechado em si mesmo, podem ser formas de impor a sua condição. O fanático religioso se concentra cada vez mais em sua religião e não observa onde ela enveredou por um beco sem saída, por exemplo, falta de engajamento social, exclusão de pessoas que pensam diferente, etc. A relativização da fé encara cada vez mais essa fé como enfeite, um calor de domingo, e esquece que, pelo contrário, a fé é uma vivência diária. Tal fé relativizada é esquizofrênica, sem conseqüências.
– O pedido por um sinal também pode estar escondido atrás de orações atendidas. Numa necessidade concreta eu oro a Deus para que seja libertado da situação aflitiva.

Solucionado o problema, está aí a comprovação da minha fé e a prova de Deus para eu continuar na mesma fé. Não pode estar oculta aí uma certa imposição de condições a Deus?! Isso não está muito distante das promessas feitas, cujo pagamento podemos comprovar a cada dia nos jornais ou lugares de romaria.

– O pedido por um sinal também pode estar oculto atrás de nossas dúvidas de fé. Porque essas injustiças? Por que eu sofro tanto? Tu realmente tencionas o bem do homem? Qual o sentido disso tudo? Soluciona os meus problemas e eu me exporei a ti!

– Lembrando a menção de Jonas, também ele, preso em seu dogmatismo, impõe as suas condições a Deus, sendo vencido por ele. Por que esses ninivitas têm vez? Por que esses marginais, ateus, explorados e exploradores, sectários e adeptos de religiões orientais têm vez? Por que eles são participantes de tua misericórdia?

2. A incondicionalidade da fé

Porém, nessa tentativa de ter certeza e de não correr o risco de errar, respectivamente, no medo de se expor ao questionamento da posição assumida se manifesta a falta de fé. Os escribas e fariseus se aproximam de Jesus com intenções sérias, sérias demais. Porque, sob a necessidade de salvaguardar a doutrina certa, ficam tão presos a si mesmos, tão 'in-trovertidos' que não vêem a urgência do momento. O seu dogmatismo os ofusca e fecha para toda e qualquer crítica que procura mostrar a estreiteza e conseqüente perda de rumo de sua posição. Por isso o firmar pé nessa convicção para pôr ã prova o desafio colocado por Jesus não é evidencia de fé, mas é opção contra a fé, contra Jesus, contra a vida; é opção pela morte.

A opção por Jesus é incondicional, porque toda a nossa pessoa, com todos os condicionamentos e na condição em que se encontra, está em jogo. A opção que se coloca é a opção de vida ou morte; a própria pessoa está em jogo.

O sinal de Jonas não é um sinal, mas é antes um enigma, uma charada. Por ser o relacionamento com Deus algo tão sublime, por ser Deus o totalmente diferente, nós o colocamos lá longe. Nós cremos que o encontro com Deus deve dar-se numa esfera fora de nossa situação miserável e pouco divina. Mas exatamente nessa situação concreta, na pessoa de Jesus, se da esse encontro: no Jesus morto e ressurreto o próprio Deus está presente. Nós impomos as nossas condições – deve concordar com nossa dogmática; deve atender a nossos anseios de fé; deve corresponder as nossas expectativas; não pode por em dúvida a nossa religiosidade, etc. – e não vemos que nessa condição concreta de nossa vida se da o sinal de Jonas.

3. O momento especial

Esse desafio foi compreendido por pessoas que não tinham as condições para tal: os ninivitas e a rainha do Sul, portanto pagãos, compreenderam que eles mesmos em pessoa estavam em jogo. Nisso consiste a vantagem deles sobre esta geração.

A nossa situação atual é muito semelhante à da perícope. Nós somos o novo povo de Deus. Nós somos os portadores da mensagem da cruz. Nós nos denominamos com base no Cristo – cristãos. Mas a pergunta que se nos levanta é essa: de que lado nós estamos? Nós pertencemos a esta geração ou fazemos parte do séquito dos ninivitas e da rainha do Sul? Três tópicos para exemplificar isso:

Como Igrejas tradicionais somos perguntados se com toda a nossa tradição, nossa teologia, nossa estrutura, damos possibilidade a que as pessoas sejam confrontadas com o Cristo. O crescimento das Igrejas pentecostais, das seitas, de grupos esotéricos não será um alerta para nós de que outros se levantarão no juízo com nossa geração e nos condenarão?

Nossa Igreja desafia seus membros a tal ponto de seu cristianismo não ser simples vestimenta de domingo, mas o elemento motivador para toda a vida e todos os momentos da vida?

Esse Jesus morto e ressurreto é Deus em nosso meio, é a resposta a todo o procurar humano. Até que ponto nós reconhecemos isso para nós e vivemos essa novidade de vida a tal ponto de sermos testemunhas deste Cristo na amplitude de toda a nossa vida e de todo ambiente universal. De que forma nós tornamos visível: este é o momento especial!?

Bibliografia

– BORNKAMM. G. Meditação sobre Mt 12,38-42. In: Göttinger Predigtmeditationen, 1958/59, pp. 276-279.
– BULTMANN, R. – Die Geschichte der synoptischen Tradition, 3- ed., Vandenhoeck/ Ruprecht, Göttingen, 1957.
– FALKENROTH, A. – Meditação sobre Mt 12,38-42. In: Hoeren und Fragen. Vol. 5, pp. 549-557.
– GRUNDMANN, W. – Das Evangelium nach Matthaeus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Berlim, 1968.
-JEREMIAS, J. – Jonas. In: Theologisches Woerterbuch zum Neuen Testament, III.
– RENGSTORF, K.H. – Semeion. In: Theologisches Woerterbuch zum Neuen Testament, VII.
– SCHNIEWIND, J. – Das Evangelium nach Matthaeus. In: Das Neue Testament Deutsch .Vol. 2, Vandenhoeck/Ruprecht, Goettingen, 1964.

Proclamar Libertação 02
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia