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Prédica: Mateus 28.1-10
Autor: Silvio Meincke
Data Litúrgica: Domingo de Páscoa
Data da Pregação: 19/04/1981
Proclamar Libertação – Volume VI
Tema: Páscoa

I – O texto

O testemunho da ressurreição corria espontaneamente e sem contornos muito fixos, entre os cristãos da primeira comunidade. Daí as diferenças entre os relatos, que apenas atestam a força da fé na ressurreição e no ressurreto. Os vv.2-4 contam como as mulheres se tornaram testemunhas oculares diretas e imediatas de acontecimentos dramáticos em torno da ressurreição. Assim o conta somente Mateus. Em outros relatos é o túmulo vazio que ilustra o testemunho acerca do ressurreto, pela boca do anjo. Certamente o que dizem os vv.2-4 é de formação mais recente. O v.9 quer acentuar que Cristo ressurgiu em corpo e não somente em espírito (veja Jo 20.27, 21.9-13 e Lc 24.39). A prédica, sugiro, concentre o seu peso nos vv. 1+5-8+10. Esses versículos se diferenciam, não na essência, mas apenas no detalhe, do relato de Marcos. O peso está no testemunho do anjo, ilustrado pelo túmulo vazio. É claro que o anjo não prega o túmulo vazio, mas sim o ressurreto; o túmulo vazio apenas sublinha suas palavras. Com isso está dito que o túmulo vazio não quer ser prova para a ressurreição, mas instrumento para o testemunho do anjo. O que nos diz Mateus não é história, mas testemunho. O v. 10 convida para a caminhada. O túmulo vazio não será centro de romaria, nem o testemunho do anjo será tema para meditações espiritualistas ou apenas conteúdo para preencher necessidades religiosas naturais do homem. Muito antes será convite para a experiência da ressurreição na prática do encontro, a partir da caminhada para a Galiléia, do pôr-se a caminho, da participação, da vivência, do posicionamento.

II – A data e os perigos

Montar uma prédica sobre a crítica à sociedade de consumo (Páscoa não é chocolate . ..), além de ser chato e batido, erra o alvo. A mensagem da Páscoa é maior e a alegria que encerra, quando bem testemunhada, por si só deixará a alegria pelo coelhinho em desvantagem.

Começar a prédica dizendo o óbvio (hoje, mais uma vez, comemoramos a Páscoa, porque . . . ) é convidar a comunidade ao bocejo, além de revelar uma terrível falta de criatividade.

Atitudes apologéticas para defender a ressurreição contra os argumentos dos céticos, tornarão o testemunho submisso, pequeno e dilacerado. Dessa briga o testemunho sairá claudicante e esfarrapado.
Querer provar a ressurreição, com sudários e vitórias do cristianismo no decorrer da história da humanidade, é desconhecer que a vivência da Páscoa de cada um é a sua experiência de fé e que o estímulo para a fé é o testemunho de outro que crê. Assim, aliás, sempre foi. Cristo apresenta-se como o Cristo Vivo e se apresenta vivo no testemunho e na ação daqueles que o vivem.

Aproveitar a boa frequência para condenar a ausência nos outros cultos é esquecer que a Boa Nova da Páscoa é que deve conquistar as pessoas e não a condenação – além de ser tal desabafo do pregador, sob todos os aspectos, uma atitude imatura, legalista, inoportuna e contraproducente.

Quem vem ao culto na Páscoa merece ouvir o testemunho da experiência de fé do pregador. Que a comunidade tenha no pregador um irmão que lhe transmita a sua fé, confiança e esperança na vida que vence a morte, em Cristo. No testemunho honesto e sincero (ainda que não haja respostas prontas para todas as perguntas) estará o interesse da prédica, que vencerá a monotonia; é também nesse testemunho que poderá ocorrer a identificação do pregador e suas palavras com a comunidade e a suas expectativas; é ainda esse testemunho que fará o ouvinte ouvir, na esperança de que o SEU assunto será tratado.

III – O Cristo Vivo

O ressurreto convida e desafia os discípulos para o encontro na Galiléia. Os discípulos recebem a mensagem da boca das mulheres, talvez céticos (ainda com o medo dos judeus em seus ossos – Jo 20.19), talvez com um pouco de fé, confiança e esperança. Mas sua fé é bastante para se porem a caminho e assim viverem o encontro com o Cristo Vivo. A fé, ainda que pequena e medrosa, quando se põe a caminho cresce, finca raízes. A fé age e a ação aumenta e renova-a.

Com o desafio que lança sobre nossa fé — muitas vezes pequena — Cristo nos convida a caminharmos para a Galiléia, ou seja, para o nosso viver como cristãos, no ambiente do nosso dia a dia (os discípulos, antes de serem chamados por Cristo, viviam o seu dia a dia na Galiléia e ali são convidados a começar). É no dia a dia que começam os primeiros passos, na proporção da fé, sem logo se pensar em multidões. O resto se dará, na medida em que a fé crescer, a qual dirigirá os nossos passos para o horizonte maior, se for o caso (os grandiosos exemplos de fé apenas desestimulam a comunidade, por se saber distante demais dos mesmos).

A nossa caminhada será o testemunho em palavras e ação. Testemunhar o Cristo Vivo começa onde desistimos de preocupar-nos em guardar a nossa vida, por sabermos, em fé e confiança, que o ressurreto está conosco (Lc 9.23-24). Assim ele mesmo procedeu, confiando no Pai, o que o libertou para a ação decidida, em favor do amor, da verdade, da justiça. Testemunhá-lo, pois, é entregar-lhe a vida, a fim de que nos liberte para a ação decidida, em favor do amor, da verdade, da justiça.

O Cristo ressurreto não poderá ser vencido pelo desamor, pela inverdade, pela injustiça, assim como ele e sua causa não puderam ser silenciados nem mesmo pela morte de cruz, e muito menos pela extrema cautela dos judeus, ao colocarem soldados armados para guardar o túmulo, na esperança de o verem definitivamente enterrado e silenciado. Cristo venceu o desamor, a tirania, o arbítrio e a maldade, planejados sob o manto da lei, com a cobertura das instituições, aliadas aos interesses dos fortes. A morte, no entanto, não pôde fazer com que ele silenciasse e fosse pertencer ao passado. Ressuscitou e vive. E desde então é sempre o primeiro, anda sempre junto e puxa a frente, onde, confiantes nele, pessoas denunciam e lutam contra o desamor, a tirania, o arbítrio e a crueldade, ainda que legalizados, oficializados, institucionalizados; onde pessoas, confiantes nele, procuram abrir brechas e espaço de vida na nossa sociedade, para as muitas indefesas vítimas do desamor, da tirania, do arbítrio, da maldade.

Cristo venceu a morte e quer vencê-la hoje em toda parte onde procura se instalar. Ele veio para dar-nos vida em abundância (Jo 10.10), e espera a nossa intervenção, onde acontece a menos-vida, na forma de desamor, inverdade e injustiça.

Quem caminhar esse trilho com o ressurreto há de vencer com ele, ainda que seja também marcado pela cruz. Afinal, o ressurreto é o que passou pela cruz.

IV – Apelo

Encerraria a prédica com um apelo, um desafio, um convite: que a comunidade não se demore em dúvidas e titubeies à procura de provas, mas siga o ressurreto, que puxa a frente, e que o faça de corpo inteiro, para viver a alegria da experiência da Páscoa, no testemunho da palavra e da ação. Usaria, para ilustração, um exemplo, que me ocorreu nas férias de verão. Sentados à beira da piscina, dois senhores não se decidem a entrar na água. Temem o frio. Os alegres mergulhos de um terceiro companheiro respingam água neles. Eles se encolhem, se queixam, se irritam e ficam aí a sofrer. Enquanto isso o outro experimenta o refrescante prazer do banho. Cristo espera que, em fé e confiança, nos joguemos de corpo inteiro na vivência da sua Páscoa. Só assim experimentaremos a sua vitória.


Proclamar Libertação 06
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia