Prédica: Mateus 4.12-17
Autor: Breno Dietrich
Data Litúrgica: 1º Domingo após Epifania
Data da Pregação:
Proclamar Libertação – Volume: XII
Tema: Epifania
l – Texto:
12. Ouvindo, porém, que João fora preso (entregue), retirou-se (fugiu) para a Galiléia;
13. e, deixando (renunciando) Nazaré, foi morar em Cafarnaum, situada à beira-mar, nos confins de Zebulom e Naftali;
14. para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías:
15. “Terra de Zebulom e terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios!
16. O povo que jazia nas trevas viu grande luz e aos que jaziam na região e sombra da morte, resplandeceu-lhes à luz.
17. Daí por diante, começou Jesus a pregar e a dizer: Convertei-vos, porque está próximo o reino dos céus.
II – Considerações gerais:
Mateus, encontrando-se num ambiente judaico-cristão, quer convencer os judeus da veracidade do cumprimento das profecias vétero-testamentárias e da realização do plano de salvação de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Mateus traz muitas citações do AT e as harmoniza com a prédica, peregrinação e ação de Jesus. Mateus realmente quer fazer a comunidade judaico-cristã refletir para que não vacile na sua convicção e fé.
João Batista – Jesus
João Batista é preso, é tirado de circulação. O verbo usado (PAREDÓTHË) foi entregue – mostra que não há mais perspectivas de João Batista retomar a sua atividade.
A situação em torno de João Batista, seus adeptos e sua causa está delicada e há perigo de uma perseguição mais ampla. Não é prudente Jesus permanecer naquela área; Jesus poderia ser confundido com um adepto de João; por isso ele decide sumir! Jesus se retira: na verdade ele foge para Nazaré, terra de seus pais, onde se criou e viveu.
Em Nazaré Jesus não se sente seguro, pois seria facilmente localizado. Além do mais, conforme Jo 4. 43-45, um profeta não tem honras em sua própria terra; por isso, conscientemente, deixa Nazaré, isto é, renuncia a tudo e vai para a Galiléia. Deixar Nazaré é semelhante a Abraão que deixou, renunciou a uma situação estável para estar à disposição de uma causa maior. Jesus se desinstala, sai de Nazaré, de seu mundo, e se fixa em Cafarnaum, numa terra estranha. Jesus faz de Cafarnaum o seu domicílio (ver diferença entre domicílio e residência).
Mateus 4. 12-17 não apresenta uma unidade em relação aos lugares, ao tempo e à ação de Jesus. Há, isto sim, uma unidade no pensamento teológico. Lugar, tempo e ação estão, portanto, a serviço do pensamento teológico.
Por que Jesus se retira ?
Jesus começa o seu ministério público num lugar completamente descomprometido com a tradição e os vícios da comunidade e fé judaicas. Jesus não precisa ficar nas imediações de João Batista e partir do existente, isto é, construir em cima daquilo que João deixou/preparou. A mensagem é a mesma; ela é livre e soberana, independente de situações já criadas. Ela pode ser levada, pregada e realizada em qualquer parte, independente de tempo, forma e lugar. A mensagem não precisa construir em cima de coisas existentes. Ela acontece num solo totalmente novo, num lugar bem desconhecido, sem condições prévias. Este lugar chama-se Cafarnaum.
Porque em Cafarnaum, na Galiléia?
Cafarnaum… terra de Zebulom e terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios! O povo que jazia em trevas viu grande luz e aos que jaziam na região e sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz.
Todos estes nomes – traduzidos – significam: uma terra à margem, com fronteiras abertas, entregue aos estranhos e aproveitadores; uma terra sem monumentos à cultura, sem santuários, povoada por gente sem sentimento patriótico, sem amor à pátria; uma terra povoada por um povo que jazia nas trevas, desde os tempos antigos, desde os tempos do profeta Isaías (700 anos antes de Cristo), conhecida e afamada como região e sombra da morte. Isto significa: era uma região e um povo desligados, separados da viva, clara, saudável e iluminada presença de Deus; uma região, um povo longe do templo e do culto, longe da lei de Moisés.
Apesar de tudo, havia ali uma certa expectativa; havia a espera pelo cumprimento de uma velha profecia de Isaías: a promessa de uma grande luz que brilhasse justamente sobre aqueles que estavam nas trevas.
Mateus quer relacionar profecia e cumprimento; ele cita por isso Isaías 9. 1-2 provando ser Jesus a grande luz anunciada pelo profeta. Jesus aparece como grande luz na região e sombra da morte no momento em que ele ali toma morada; KATÕKESEN – irradia a grandiosidade, a abundância da presença de Deus e do Cristo entre os homens.
Ali mesmo, na Galiléia, são escolhidos apóstolos, os que continuarão irradiando a grande luz. O texto que segue fala da vocação dos discípulos.
Qual é a mensagem que Jesus prega?
Daí por diante começou Jesus a pregar e a dizer: Convertei-vos, porque está próximo o reino dos céus.
Pregar – KERYSSEIN – é um grito público com palavra e voz de Deus. É o anúncio da realidade e da ação de Deus, um anúncio cheio de poder e autoridade. Este pregar, portanto, traz algo novo, algo extraordinário, um evangelho: O reino dos céus! Em Jesus se relacionam: mensagem, mensageiro e o anunciar.
Qual é a boa-nova do reino dos céus?
Mateus faz uma relação com Isaías 61.1-3 onde o mensageiro da alegria anuncia as boas novas da salvação. Esta palavra do AT se realiza em Jesus e é relatada por Lc 4. 18-19. Junto com o pregar o evangelho está o ensinar e o curar (4.23). Reino de Deus é um todo e nunca o temos em sua plenitude, mas sempre facetas somente, sinais aqui e acolá.
Como entender o reino dos céus?
a – Deus é o Senhor vivo da história; Deus é o Rei apesar das confusões na história, dos erros e dos equívocos humanos. O senhorio, o reino de Deus, é revelado fora de Jerusalém e dali levado para o mundo.
b – Jesus prega o reino de Deus não como uma realidade abstrata, fora do mundo e da existência humana, mas como realidade que determina o mundo no qual vivemos e as pessoas que vivem no mundo. Reino dos céus é uma nova realidade, uma nova justiça, uma nova maneira de viver na presença de Deus e entre si.
c – Com a pregação, vida e obra de Jesus o reino de Deus que estava próximo se fez presente.
d – O chamado ao arrependimento é acentuado, é indispensável devido à proximidade e à presença do reino de Deus. A disposição de deixar o reino dos homens, reconhecer o senhorio de Deus e entrar no seu reino é um sinal visível de METÁNOIA.
A paróquia não é a estação final
Interessante é observar ainda o v. 23: E percorria Jesus toda a Galiléia… Jesus PERIEGEN – A mensagem do Reino que provoca arrependimento/conversão não está fixa às dimensões do tempo e do espaço; a mensagem do Reino é móvel, peregrina, vai ao encontro, deixa sinais, se concretiza de muitas formas nas diferentes situações. A grande luz que brilhou não se limita a um espaço geográfico e a certas pessoas somente. Cristo, a grande luz, ilumina e atrai.
Mateus antecipa o que reafirmará no final do seu evangelho: Ide, fazei discípulos… A grande comissão retoma o pensamento inicial; a grande comissão é o desfecho de uma fase e o irrompimento de uma nova.
III – Esboço para uma prédica
– João Batista: uma fusão de Ml 3.1 e Is 40.3
Sua prédica: Mt 3.2a – metánoia
Mt 3.2b – metánoia acontece por causa da proximidade do reino de Deus (Cf. Dn 2.44).
Sua prédica é radical e tem consequências imediatas: Mt 3.7-10; Lc 3.11-14
– Jesus aprova a prédica e o trabalho de João.
A missão de Jesus, porém, é superior, está num nível mais elevado e não precisa depender da prédica de João ou simplesmente continuar ali onde João parou.
– Jesus, para o bem de sua mensagem e missão, usa estratégia. A sua fuga é estratégica; ele não quer queimar-se antes do tempo.
– Para o bem de sua mensagem e missão Jesus também renuncia a Nazaré. Em Nazaré Jesus, como filho mais velho, deveria assumir e continuar a obra de seu pai e zelar pela mãe e demais irmãos. Jesus, porém, renuncia ao que lhe cabe por direito e vai a uma terra estranha. Jesus se sente livre para desinstalar-se.
– No momento em que Jesus toma morada em Cafarnaum, cumpre-se uma velha profecia: brilha a grande luz. Na presença de Jesus tudo fica claro, nada permanece escuro e oculto. A luz brilha para todos e não só para os membros da comunidade de Jesus. Procura adaptar às situações específicas e locais: foi morar, tomou morada – KATOKESEN.
– Os vv. 13, 15, 16 mostram claramente que ninguém em Cafarnaum e Galiléia era merecedor da morada de Jesus. Por graça pura acontece o cumprimento da profecia. Pode-se acentuar a missão da Igreja: parábola da ovelha perdida.
– Jesus prega com palavras e ações a boa nova do reino de Deus:
– o reino de Deus é comunicado em palavras e ações;
– Jesus prega com autoridade, em nome de Deus;
– a sua vida ratifica o seu falar, a sua mensagem;
– o reino de Deus é levado primeiro àqueles aos quais se refere Lc 4.18-19;
– a pessoa que é confrontada com a boa nova do reino de Deus não permanece indiferente, mas reage, responde, se decide;
– meta: abandonar o reino dos homens e reconhecer/aceitar o senhorio de Deus em Cristo Jesus.
– Reconhecer e aceitar o reino de Deus implica em:
– sintonizar, afinar a sua vida com a vontade de Deus;
– comprometer-se em palavra e ação com a causa do reino;
– fazer brilhar a luz – Cristo – nas ‘trevas’ do mundo, dentro e fora da comunidade.
– A comunidade toda se envolve de maneira consequente e concreta na causa do reino de Deus.
IV – Subsídios litúrgicos
1. Oração de coleta: Tu, Senhor, continuas anunciando através de teus mensageiros e servidores a boa nova do teu reino. Em teu filho Jesus tu nos deste um exemplo de como compreender e viver o teu reino. Nós te pedimos: ajuda-nos, por teu Santo Espírito, para que tenhamos motivação e disposição para realizar, em palavras e ações, a tua vontade entre os homens, no mundo em que vivemos. Amém.
2. Confissão de pecados: Senhor Deus: em teu filho Jesus Cristo fizeste resplandecer a tua luz. A tua luz não permaneceu num lugar somente e para poucas pessoas. Através de teu filho Jesus tu escolheste homens que fizeram sua a tua causa e foram tuas testemunhas em todas partes. Hoje, Senhor, pelo nosso batismo, cabe a nós a tarefa de fazermos brilhar a tua luz. E nisto temos falhado: preferimos fazer brilhar a nossa própria luz, luz que na verdade não ilumina mas ofusca mais ainda os homens e o mundo. Nós te pedimos: dá-nos uma consciência clara da nossa situação perante ti e o próximo e permite que também nós possamos mudar e começar uma nova vida e viver na tua presença. Tem piedade de nós, Senhor!
3. Oração final: Senhor Deus, nós te agradecemos pelos céus e terra que criaste; nós te agradecemos por todos os seres vivos que criaste; nós te agradecemos pela ordem e pelo equilíbrio que tu mesmo estabeleceste na tua criação.
Nós te pedimos: concede-nos o espírito de reconhecimento de que tudo o que somos e podemos vem das tuas mãos, que tudo é dádiva tua para que vivamos felizes e em harmonia neste mundo que tu colocaste a nossa disposição.
Nós te pedimos também: dá-nos um espírito e uma conduta que estejam de acordo com a tua vontade, que refutam a tua vontade no mundo em que vivemos; faze-nos servidores e continuadores de tua obra, porém de tal forma que a tua presença e vontade continuem sendo notadas.
Nós te pedimos por todos aqueles que exercem autoridade, em qualquer parte do mundo, para que também eles se preocupem pela tua criação e que o homem tenha o seu lugar assim como tu, desde o começo, estabeleceste.
Nós te pedimos pela Igreja para que ela não canse de chamar as pessoas e o mundo ao arrependimento, a uma mudança no pensar e no agir; para que ela se empenhe, em palavras e ações, na realização do reino de Deus, mesmo sendo através de sinais simples e modestos.
Nós te pedimos pela comunidade cristã para que ela não deixe ninguém nas trevas e em situações que refutam a morte; faze com que também a tua comunidade local se esforce para que haja vida, vida verdadeira, justa e digna, onde a paz é uma realidade visível e contagiante.
Nós te pedimos por todos as pessoas carentes de bens materiais e espirituais, por todas as pessoas carentes de saúde física ou mental, por todas as pessoas carentes de paz e alegria, prazer e satisfação.
Escuta, Senhor, a nossa oração. Em nome de Jesus. Amém!
V – Bibliografia
BAUER, G. Meditação sobre Mateus 4. 12-17, 23-25. In: EICHHOLZ, G. et FALKENROTH, A., ed. Hoeren und Fragen, v. 5. Neukirchen-VIuyn, 1967.
-KÜNKEL, K. Meditação sobre Mateus 4. 12-17, 23-25. Göttinger Predigtmeditationen, Goettingen, 59(11):101-108, 1970.
– SCHNIEWIND, J. Das Evangelium nach Matthaeus. In: ALTHAUS, P. et FRIEDRICH, G., ed. Das Neue Testament Deutsch, 11. ed. Göttingen, 1964.
Proclamar Libertação 12
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia