Prédica: Apocalipse 5.11-14
Leituras: Atos 9.1-20 e João 21.1-14
Autor: Günter K. F. Wehrmann
Data Litúrgica: 3º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 03/05/1998
Proclamar Libertação – Volume: XXIII
Tema:
1. O evento à luz do texto e das leituras
A Ordem de Perícopes da Alemanha destina o texto de Ap 5.1-5 (6-14) ao 1° Domingo de Advento. Certamente há boas razões para tal (cf. Leão de Judá e Raiz de Davi). O Lecionário Ecumênico, na série C, destina o texto de Ap 5.11-14 ao 3° Domingo de Páscoa, por nós conhecido como Misericórdias Domini (eu dispensaria a temática do bom pastor para não sobrecarregar o domingo). A ligação ao tema da misericórdia de Deus está no fato de o Leão de Judá e a Raiz de Davi serem o mesmo como o Cordeiro sacrificado por nós. No por nós está manifesta a misericórdia de Deus. A Ele toda criatura no céu, na terra e embaixo da terra canta louvores. Trata-se do culto eterno em adoração ao misericordioso e poderoso Deus. Segundo At 9.1-20, o Ressurreto vence e convence Paulo, o perseguidor dos cristãos, transforman¬do-o em testemunha da ressurreição, da vitória da vida.
Isso não pode servir de estímulo para cristãos sofridos e perseguidos? O Evangelho de João 21.1-14 testemunha a respeito da manifestação do Ressurreto que conduz os seus amedrontados à fé pascal. O número de 153 peixes simboliza a abrangência universal da missão com que Cristo incumbe os seus.
Em meio a sofrimento, perseguição e morte, o Cristo Ressurreto manifesta o seu poder. Ele convence e vence pessoas, por mais cegas, fortes e poderosas que sejam. A sua missão, que realiza através dos seus, é universal. Do eterno louvor a Deus ela recebe a sua força e conduz para o eterno culto a Deus. Eis o ternário desse 3 Domingo de Páscoa que faz parte do júbilo pascal! Que o nosso culto possa ser um antegozo e um reflexo do culto celeste!
2. Ponderações sobre o texto à luz da realidade
Sobre a situação de perseguição e a tentação de desistir e desesperar em que o autor do Apocalipse e as comunidades da Ásia Menor se encontram por volta de 90-95 d.C., escreve Brakemeier cm PL VII, p. 8s. Deus não quer revelar, através das visões do Apocalipse, o que vai acontecer em seus detalhes cronológicos. Mas o que o autor viu, sentiu e ouviu cm seus sonhos e suas visões é maior do que poderia ser descrito em palavras. Ele viu, como por meio de uma fresta, um pedaço de céu aberto. As palavras, as figuras e os símbolos, que são do mundo passageiro, nem de longe conseguem expressar de maneira adequada o que foi visto, ouvido e sentido. As palavras, por demais limitadas, não são nada mais do que um balbuciar sobre o eterno.
Contudo, o autor precisa falar daquilo que não se pode descrever. Pois aquilo que ele viu e sentiu é força para resistir no sofrimento e na perseguição; é esperança alimentada pela vitória do cordeiro, vitória que está assegurada desde a Páscoa. O autor vê que apenas o Leão de Judá, o Cordeiro por nós sacrificado é digno de abrir os sete selos do livro. Quer dizer, ninguém, nem astrólogo, nem cartomante, nem cigana, nem vidente, nem horóscopo sabem do destino da nossa vida e do mundo.
O nosso futuro, no entanto, está nas mãos do Cordeiro que foi sacrificado em favor de nós uma vez por todas. Esse cordeiro é descrito de maneira simbólica: ele está à direita do trono – quer dizer que tem o poder e o senhorio. O cordeiro tem sete chifres – não apenas um (como o rinoceronte, animal feroz da África), mas sete chifres. Isso significa que realmente tem o poder e toda a força que se possa imaginar; ele é onipotente! O cordeiro tem sete olhos – ele não apenas enxerga para cima e para os lados ao mesmo tempo, como uma mosca, mas enxerga para todos os lados ao mesmo tempo. Ele é onisciente mesmo, nada lhe passa desapercebido!
Quando pensamos em comunidades e pessoas que por causa do evangelho sofrem injustiças e opressão, e são julgadas e condenadas (às vezes mesmo em nome da lei), podemos imaginar que tal figura pode transmitir força e consolo inestimáveis aos sofridos. Lembremos, por exemplo, de comunidades oprimidas pelo regime comunista; ou de gente daqui que luta por um pedaço de terra para morar, plantar e colher; ou de comunidades de periferia que lutam pelo direito à vida ao lado da comunidade do centro. Essa figura do Cordeiro está dizendo para os que estão à margem: Não desistam! Agüentem firmes! Pois os seus opressores não terão a última palavra. A última palavra estará com o Cordeiro que tem o livro selado em suas mãos! Somente Ele é o único digno de abri-lo. Ele se sacrificou em favor de todos que Nele crêem. E já que ele sofreu o castigo que nós mereceríamos, já que vivemos do seu perdão, confiamos e cremos Nele somente.
Portanto, não aos imperadores desse mundo, mas somente a Ele cabe toda a honra e glória. O autor já está vendo, ouvindo e assistindo ao culto eterno. Todas as criaturas estão rendendo louvor e adoração àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro. Parece que todo o universo está glorificando a Deus. (Foi algo parecido que o teólogo Teilhard de Chardin escreveu. Mas foi grande demais para que pudesse ser assimilado, sem mais nem menos, pela doutrina oficial!) Todos os quatro seres viventes, quer dizer, todos os quadrantes assinam embaixo desse louvor a Deus, dizendo amém.
Essa visão sobre o culto celeste e eterno liberta de resignação, inércia e acomodação. Liberta da conformidade para a inconformidade, dá resistência e força de lutar contra tudo e todos que promovem não-vida e morte. A esperança de que a última palavra estará com o Cordeiro dá fôlego e perseverança em relação a tudo c todos que hoje não conseguimos mudar. E dá sabedoria para discernir entre ambas as coisas.
Esses aspectos do novo modo de viver, que brotam daquela esperança, devem ser concretizados e exemplificados a partir da realidade local. Pois o imperativo que decorre do evangelho sempre é concreto, visto que o jeito de Deus é de se encarnar aqui e hoje.
3. Aspectos litúrgicos
a) Já que a tónica do tema do domingo é glorificar o poder e a misericórdia de Deus, é preciso facilitar o ver, sentir, ouvir e perceber, de tal forma que a comunidade de culto se sinta irmanada à comunidade celeste que canta o louvor eterno. Os hinos, as orações e a pregação devem servir a esse objetivo.
Bom é quando isso pode ser sublinhado através da música. Lembro-me, por exemplo, do oratório Der Messias, de Georg F. Händel, números 51 e 52 (Digno é o Cordeiro e Amém). Essa música, com breve introdução, poderia ser contemplada no final da pregação. Uma parte da Missa Luba ou da Missa Salvadorenha também poderia servir para transmitir algo daquilo que o nosso mero falar é incapaz. Recomendamos cantos litúrgicos mais animados, tais como o Glória, o Aleluia, O Cordeiro de Deus, e tantos outros do livro Celebrações do Povo de Deus. Ou hinos como Cristo venceu a morte (HPD 67), Louvai a Deus em alta voz (HPD 59), desde que cantados em ritmo vivo e condizente ao conteúdo, poderiam cativar a comunidade para unir-se ao louvor eterno.
b) A prédica poderia ser estruturada da seguinte maneira:
1) Enunciado inicial: Por mais adversa, contrária e sofrida que seja a situação do povo de Deus, a última palavra estará com aquele Deus que é por nós. O universo deve a Ele toda a honra, glória e poder, ainda que a nossa experiência indique o contrário.
2) Breve descrição da situação das comunidades do Apocalipse, conduzindo para a pergunta: Quem tem a última palavra?
3) Deus faz o autor de Ap vislumbrar, como por entre uma fresta, algo da vitória e alegria eternas. Aqui seria bom descrever aspectos da visão do trono e, especialmente, do Cordeiro, com os sete chifres e os olhos e o livro em sua mão. Sugiro enfocar o consolo e a esperança contidas nessa figura.
4) Ler o texto Ap 5.11-14.
5) Enfocar o culto celeste que inspira e dá origem ao nosso culto terrestre.
6) Criar um clima para o ouvir contemplativo de uma música (sugestões acima!).
c) Palavra ou Salmo de intróito: Ap 1.17c-18; SI 30.1-5.
Confissão de pecados: Senhor, desde a Páscoa sabemos que tu tens a última palavra. Mas quantas vezes desanimamos e resignamos nas adversidades da vida! Quantas vezes queremos ter a última palavra sobre os outros! Assim, ficamos devendo ao mundo o testemunho sobre a tua vitória pascal. Perdoa-nos por causa de Jesus Cristo e ouve-nos quando cantamos: Senhor, tem piedade! (Cf. melodia do Kyrie, em Celebrações do Povo de Deus – CBP, p. 10.)
Palavra de absolvição: O Cristo ressurreto diz para os seus: Porque eu vivo, vós também vivereis (Jo 14.19c). Por isso, unidos ao canto dos anjos, cantemos: Glória, Glória … (cf. CBP, p. l0s.)
Oração do dia: Bondoso e misericordioso Deus, em Jesus Cristo mostras o quanto nos queres bem, temporária e eternamente. Vem agora a todos nós, por meio da tua Palavra e da comunhão na Santa Ceia. Faze-nos ouvir, ver, sentir e saborear algo da alegria eterna, por causa de Jesus Cristo que contigo e o Espírito Santo vive e reina eternamente. Amém.
Assuntos para intercessão: Agradecer pela comunhão com Deus e uns com os outros; pela palavra de conforto e de esperança; pela força de comunicação através da música; pela concreticidade do amor que é repartido na Santa Ceia…
Pedir: pela nossa comunidade, para que colaboradores tenham alegria em servir; que mais pessoas se disponham a servir com o seu tempo, os seus dons e os seus talentos; pelos doentes, enlutados e solitários, para que através da nossa visita percebam que Deus olha com misericórdia para eles; pela direção da nossa igreja em todos os níveis, para que ela possa ser uma ajuda concreta, com vistas à missão das comunidades…
4. Bibliografia
ARP-KASCHEL, Gisela. Meditação sobre Ap 5.1-5(6-14). In: DOMAY, Erhard (Coord.). Gottesdienstpraxis : IV. Perikopenreihe. Gütersloh : Gütersloher Verlagshaus, 1993. vol. l, p. 9-16.
BRAKEMEIER, Gottfried. Meditação sobre Ap 5.1-14. In: KIRST, Nelson (Coord.). Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1981. vol. VII, p. 7-13.
ROLOFF, Jürgen. Die Offenbarung des Johannes. Zürich : Theologischer Verlag, 1984. (Zürcher Bibelkommentare, NT/18).
WILCKENS, Ulrich. Meditação sobre Ap 5.1-5(6-14). In: RUHBACH, Gerhard et al. (Coords.). Meditative Zugänge zu Gottesdienst und Predigt. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1993. vol. IV/Lp. 1-5.
Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia