Prédica: Gálatas 6.14-18
Leituras: Isaías 66.10-14 e Lucas 10.1-12,16
Autor: Osmar L. Witt
Data Litúrgica: 7º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 19/07/1998
Proclamar Libertação – Volume: XXIII
Tema
1. Introdução
A divulgação do evangelho de Jesus Cristo e a criação de comunidades cristãs fora dos círculos judaicos trouxeram novos desafios teológicos. Um dos temas com os quais os primeiros cristãos tiveram de se ocupar foi justamente a necessidade ou não de os convertidos seguirem a lei, a qual fora dada por Moisés ao povo de Israel. Havia ao menos duas posições distintas em relação à questão: a dos que entendiam que os seguidores de Jesus deveriam continuar observando a lei; e a dos que argumentavam que Jesus cumpriu a lei e os seus seguidores estão livres dela. Paulo, denominado apóstolo dos gentios, entregou-se à tarefa de anunciar o evangelho entre eles (Gl 2.8) e, por essa razão, ocupou-se detidamente com a temática, assumindo a defesa da liberdade em relação à lei.
Em At 15 temos o relato do primeiro concílio, em que esse tema foi tratado. Paulo e seu colaborador Barnabé conseguiram convencer os demais de que a ação do Espírito de Deus entre os gentios não estava presa à observância da lei. O concílio tomou a resolução de não pôr nenhuma carga sobre os não-judeus, recomendando-lhes somente que se abstivessem de imoralidades e das carnes sacrificadas aos ídolos (At 15.29).
O evangelho da liberdade em Cristo também fora pregado pelo próprio Paulo aos gálatas, que assim se converteram (Gl 3. l s.). Contudo, quando o apóstolo já não estava mais entre eles surgiram pregadores de um outro evangelho (Gl 1.6s.). Eram representantes daquela outra corrente teológica, que insistiam que o novo Israel também deveria observar a lei. Por essa razão, quiseram fazer com que os gálatas se deixassem circuncidar, pois a circuncisão era uma forma de identificação religiosa do povo de Israel (Gn 17.9-14).
A carta situa-se neste conflito de posições. O motivo pelo qual Paulo a escreveu é que a liberdade cristã estava em perigo. Os gálatas necessitavam que se lhes recordasse a doutrina da salvação por graça mediante a fé somente. (Hendriksen, p. 23). Essa situação aborrece o apóstolo, o que se evidencia no tom corretivo de expressões como tolos e sem juízo (Gl 3.1,3) que ele usa para dirigir-se às comunidades.
Pergunta-se, decepcionado, se toda a sua atividade no meio delas terá sido inútil (Gl 4.11). Sua impaciência, porém, não o impede de procurar reconquistá-las através de argumentos, como convém no tratamento com aqueles a quem ora considera como sendo seus filhos (Gl 4.19), ora como irmãos (Gl 4.12). Seu propósito é ganhar outra vez os gálatas para o evangelho da liberdade, do qual eles estavam se desviando (G15.10).
A argumentação do apóstolo parte da afirmação de que tanto judeus quanto não-judeus são aceitos por Deus pela fé em Jesus Cristo, e não por fazer o que a lei manda (Gl 2.16). Se o cumprimento da lei se mantém como condição para ser aceito por Deus, então a morte de Cristo foi em vão (Gl 2.21). Segue lembrando a própria experiência feita pelos cristãos da Galácia: eles receberam o Espírito de Deus porque creram no evangelho e não por terem cumprido a lei (Gl 3.2). Por isso, os verdadeiros descendentes de Abraão são os que têm fé, assim como ele também teve (Gl 3.7). Portanto, já não faz diferença cumprir ou não a lei da circuncisão, mas sim a fé que age por meio do amor (Gl 5.6). Cristo nos libertou para que sejamos livres (Gl 5.1). Essa liberdade não significa dar oportunidade aos desejos da carne (Gl 5.13), mas deixar-se guiar pelo Espírito de Deus (Gl 5.16), produzindo frutos do Espírito (Gl 5.22).
2. A perícope 6.14-18
A perícope é parte do fechamento da carta, que inicia no v. 11. Ela foi escrita pelo próprio apóstolo. Em geral, nas suas cartas – ditadas a um copista ou redigidas por um colaborador -, S. Paulo se limitava a acrescentar alguma frase de próprio punho. Aqui, ao contrário, o trecho é relativamente longo; ele retoma e coroa a carta, especialmente sua parte mais polêmica. (Giavini, p. 106). A temática principal de que trata a carta é aqui resumida e reforçada.
Nos w. 12 e 13, os adversários são desmascarados. Eles praticam a circuncisão, mas não obedecem à lei. Por que, então, insistir em uma lei e ignorar as demais (Gl 5.3)? Eles insistem na circuncisão, primeiramente, porque buscam sua própria glória, a fim de poderem gabar-se de terem colocado esse sinal no corpo dos cristãos da Galácia. Assim, podem mostrar como os cristãos gentios também se submetem à lei, especialmente à circuncisão, enquanto a fé em Cristo é somente algo secundário que se acrescenta à subordinação à lei (Lenkersdorf, p. 118). Em segundo lugar, porque temem a perseguição movida contra os que crêem no crucificado.
V. 14: Enquanto seus adversários teológicos orgulham-se por meio daqueles que conseguem levar à circuncisão, Paulo acentua que a cruz de Cristo é o caminho pelo qual somos aceitos por Deus. A cruz lança por terra toda a jactância do ser humano; enquanto a circuncisão, como meio de salvação, o conduz à jactância. (Lenkersdorf, p. 119). Assim, o apóstolo desiste do orgulho que resulta do cumprimento da lei e reconhece sua própria indignidade ao realçar que a cruz é o signo da reconciliação com Deus, no qual se manifesta seu juízo sobre o ser humano e o mundo.
V. 15: Ser ou não circuncidado tornou-se algo indiferente, pois se alguém quer chegar a Deus pelo cumprimento da lei, então está obrigado a observá-la toda (Gl 5.2). No entanto, observar toda a lei é impossível, pois a humanidade está sob o poder do pecado (Gl 3.22). O ser humano carece da graça de Deus. Por isso, se alguém for circuncidado, será salvo pela fé; se não o for, será salvo pela mesma fé em Cristo, a qual se manifesta por meio do amor (Gl 5.6). Isto é decisivo, que a pessoa se deixe renovar e orientar pelo Espírito de Deus (Gl 5.25), manifestando em sua vida os frutos desse Espírito. A fé é vivida no amor, no serviço ao próximo e no carregar as cargas uns dos outros.
V. 16: Embora o tom da carta tenha sido bastante duro, Paulo finaliza sua advertência com palavras fraternas. Ele confia que as comunidades reconhecerão o erro e voltarão para o evangelho da liberdade (Gl 5.10).
V. 17: Depois de haver desejado paz e misericórdia para todos, o apóstolo espera ter rebatido suficientemente as acusações de seus adversários, os quais trataram de desacreditá-lo, afirmando que seu apostolado não provinha de Deus, mas dos homens, e que, por isso, seu evangelho era de segunda mão (Gl 1.1; cf. l Co 9.1ss.); que somente buscava o favor dos homens (Gl 1.10), e que quando lhe convinha, ele mesmo pregava a circuncisão (Gl 5.11). (Hendriksen, p. 27). À parte de toda a doutrina que expôs, e que desmente seus oponentes, Paulo também carrega no próprio corpo as marcas da perseguição sofrida por sua dedicação ao evangelho do Jesus crucificado.
V. 18: Outra vez o apóstolo dirige-se aos seus leitores como a irmãos. Sabe-se ligado a eles pelos laços de amor e fraternidade que nascem da fé em Cristo.
3. A pregação sobre o texto
O mundo conhece muitas formas moralistas de viver a fé. No entanto, não somos reféns do moralismo e nossas vidas não são prisioneiras da lei. O sacrifício de Cristo em nosso favor nos faz livres. Essa liberdade nos desafia a deixarmo-nos guiar pelo Espírito de Deus na relação com nossos semelhantes. Um jovem adolescente, que um dia deixou a casa de seus pais para continuar seus estudos numa outra cidade, quando chegou ao seu destino foi logo ter uma conversa com o diretor do internato onde iria morar. Quis saber do diretor quais eram as regras que deveria observar no internato. Percebendo a preocupação do jovem, o diretor dirigiu-lhe a seguinte pergunta:
– Quais são as regras na casa de seus pais? O rapaz respondeu:
– Lá não temos regras fixas; cada um sabe o que precisa ser feito! A isto o diretor reagiu:
– Do mesmo modo queremos proceder aqui.
O exercício da liberdade cristã não é sinônimo de libertinagem. O que orienta a vida em liberdade é o amor: tudo é lícito, mas nem tudo convém; tudo é lícito, mas nem tudo edifica. A liberdade cristã consiste em abrir mão da própria liberdade de fazer o que me convém, para não prejudicar os outros (Gl 5.15).
Nós temos dificuldades para viver esta liberdade. Se não somos aceitos por Deus através do cumprimento da lei, o que nos resta fazer para garantir a nossa salvação? O ser humano resiste a ficar exclusivamente na dependência da graça de Deus. Queremos ter algo para apresentar em nosso favor. Os gálatas diriam: Vê, Senhor! Somos circuncidados, cumprimos a lei. Somos teus. Parece piedoso, mas não é! Ninguém, por si só, cumpre toda a lei. Antes, a lei nos desmascara e revela o fracasso de nossas tentativas piedosas e moralistas de merecer a salvação. Nisso, justamente, consiste o seu valor, e em dar-nos a conhecer qual é a vontade de Deus (Gl 3.19). Estamos na dependência da graça. Parece desesperador, mas não é! Estamos nas mãos daquele que trabalha pela nossa salvação, daquele que cria pessoas renovadas e as coloca numa comunidade de fé, a qual é orientada pelo seu Espírito.
Com vistas à prédica, penso que ela poderia ser constituída por três momentos:
a. Situar a perícope na temática da carta, esclarecendo a existência de duas correntes teológicas nas comunidades da Galácia.
b. Definir o que é liberdade cristã na perspectiva paulina.
c. Desafiar a comunidade a viver da graça, apontando para os riscos de uma religiosidade legalista.
4. Subsídios litúrgicos
Saudação: Gl 5.1. Hino: HPD 175.
Confissão de pecados: Senhor, nós te confessamos que muitas vezes negamos o sacrifício que teu Filho, nosso irmão, realizou em nosso favor. Por meio de Cristo tu nos dás liberdade e nós nos escravizamos, porque não nos confiamos à graça que salva. Perdoa-nos, ó Deus, socorre-nos para que possamos viver livres de ameaças e temores, e ajuda-nos a confiar que tu nos conduzes por teu Espírito. Ouve-nos, Senhor, quando te pedimos: tem piedade de nós.
Coleta: Querido Deus! Rogamos por tua presença em nosso meio neste culto. Livra-nos das tentações que nos querem afastar de ti. Recebe nosso louvor como oferta de gratidão pela misericórdia com que nos conduzes. Fortalece a nossa comunhão e abençoa o anúncio do teu evangelho. Oramos em nome de Jesus Cristo, que contigo e o Espírito Santo vive e reina eternamente. Amém.
5. Bibliografia
GIAVINI, Giovanni. Gálatas : liberdade e lei na Igreja. São Paulo : Paulinas, 1987.
HENDRIKSEN, Guillermo. Gálatas. Grand Rapids : Subcomisión Literatura Cristiana, 1984. (Comentário del Nuevo Testamento).
LENKERSDORF, Carlos H. Comentário sobre la Epístola a los Gálatas. México : El Escudo, 1960. 134
Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia