Prédica: Lucas 11.1-13
Leituras: Gênesis 18.20-21 (22) 23-32 e Colossenses 2.6-15
Autor: Cristiane E. Petry
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 09/08/1998
Proclamar Libertação – Volume: XXIII
Tema:
1. Introdução
Fazer um auxílio homilético é um desafio. É preciso fazer de conta que lá fora tudo pode esperar, e parar para refletir. Quando vou em busca de um auxílio homilético, procuro algo ainda não dito, a que eu não tive acesso ainda. Foi nesse sentido que preparei a minha colaboração: refletir com quem vai pregar a respeito da questão de fundo que acompanha quem vai ouvir a pregação. É muito importante que a nossa fala possa realmente ser ajuda na vida das pessoas.
2. Reflexão de gênero
Dia dos Pais. Somos lembrados/as desse dia muito mais pela mídia e pelo marketing baseado no consumo do que pelas relações entre as pessoas. E isso ao mesmo tempo em que a figura paterna vem sendo questionada na sua maneira de ser. Junto à reflexão da questão do ser pai vem a reflexão da expectativa quanto ao marido, companheiro. Trata-se de uma temática que foi aberta pelas mulheres e para a qual os homens estão sendo chamados.
Nos anos 60 e 70 se refletia em torno do patriarcalismo para explicar a opressão feminina e, ao mesmo tempo, indicar o caminho de luta. Atualmente, essa reflexão ganha nova dimensão: fala-se em gênero. Hoje, quando apontamos para a opressão de gênero, referimo-nos às mulheres enquanto construção sócio-cultural, política e também ideológica, que se dá no interior de uma sociedade de classes. A opressão é experimentada de modo diferenciado, de acordo com o lugar da mulher nessas classes sociais. E isso tem consequências diretas sobre o ambiente de vida dessa mulher.
É necessário que tenhamos esses aspectos cm mente, porque tratamos com pessoas: homens, mulheres e crianças que vivem esse processo, embora poucas pessoas tenham consciência do mesmo. Essa tem sido quase a norma ao menos em Alvorada, onde atuo. Quando conhecemos uma mulher, por exemplo, que (em uma opinião firme, inserção na vila, no ambiente de trabalho ou que é militante em partido político, por via de regra é separada do marido.
Por outro lado, os homens estão se dando conta de que matrimônios estão ruindo e que eles estão ficando sozinhos. Fazem-lhes falta os vínculos afetivos, pois não tem amigos, seus filhos e filhas não os procuram. Eles estão começando a se dar conta de que só o trabalho não preenche as suas vidas e que a sexualidade desprovida de um envolvimento mais profundo não é tão boa assim.
Já estão surgindo grupos de homens preocupados com a questão de gênero e buscando a reflexão para garantir relações igualitárias. Da mesma forma com que a rigidez dos papéis atrapalha a vida das mulheres, ela também atrapalha a vida dos homens. Quando eles não conseguem alcançar os padrões exigidos, acabam caindo em depressão e apelando para saídas nada construtivas, como o alcoolismo e a violência.
Essa realidade nos impõe uma reflexão conjunta sobre o relacionamento humano, sobre a família. Isso é o que chamamos de reflexão de gênero! Independente de conceitos e até mais forte do que os mesmos, temos a realidade a nos impulsionar. Cada vez mais mulheres preferem a solidão da maternidade e a busca árdua pela sobrevivência sua e de filhos e filhas à companhia de um homem que não as respeita e valoriza.
Isso é o novo que desafia o ser pai nos dias de hoje. O patriarca, o chefe, deve tornar-se companheiro para a saúde da relação que pretende construir. Já não é mais uma ajuda à mulher quando o homem reparte com ela o serviço da casa. Isso já está implícito, pois a casa é, ou deveria ser, dos/das que nela moram.
Essa nova forma de sentir e ver a vida e os relacionamentos produz solidariedade, que é a alavanca que nos torna capazes de rever atitudes e compreensões, e nos dá a possibilidade de começar de novo.
Esse exercício é difícil, mas muito importante, também na Igreja, para que não se corra o risco de legitimar situações injustas e desiguais em nome do até que a morte vos separe.
3. Reflexão de gênero e o texto
a) Jesus e os discípulos estão em oração. Temos aí um ambiente de profunda reflexão. Quando estamos em oração a nossa postura se modifica, e estamos mais abertos à reflexão. Deixamo-nos chamar à atenção, a mudar a nossa conduta e ser ensinados. Os discípulos de Jesus estavam num desses momentos. Um deles até queria mais: Ensina-nos a orar, pediu ele a Jesus. Ele queria maior intensidade na relação com o Pai. Jesus ensinou, então, a oração do Pai-Nosso, na qual se fala de reino e se fala no pão:
Venha o teu Reino! Que todos/as tenham pão!
É uma oração extremamente feminina. Pão é uma palavra que diz respeito às mulheres. Em qualquer parte do mundo os povos produzem um alimento à base de farinha e água: o pão! Pão é alimento, pão é fartura. Pão é corpo de Cristo. Pão é presença do reino.
b) Jesus conta uma história que envolve o amigo, o amigo do amigo, o pai e seus filhos. Ele conta com muita naturalidade. A temática da reflexão é o pão e a paternidade. O pai se refere aos filhos como desculpa de impedimento para alcançar o pão ao amigo. Os filhos estão dormindo.
Não aparece figura feminina nessa história. A preocupação do pai é uma preocupação de mãe! O que se conclui disso é que pai e mãe não são mais nem menos, mas são um corpo, uma unidade, uma preocupação.
4. Celebração da família
Ao invés de centralizarmos a fala em torno da figura materna ou paterna, proponho que aproveitemos datas como Dia das Mães e Dia dos Pais – até porque não temos forças suficientes para modificá-las – para refletirmos a respeito da família. É a família como um todo que precisa ser resgatada. É na família que se encontram as mais variadas situações em que pessoas diferentes ocupam papéis diferentes, em momentos diferentes. É preciso tratar o todo, para não correr o risco de melindrar alguma parte.
5. Proposta litúrgica
Proponho que o culto seja participativo, e que três agentes tenham espaço para falar: os/as jovens, as crianças e o/a pregador/a. As demais pessoas da comunidade presentes no culto devem ser chamadas à reflexão a partir das colocações feitas.
Proponho, também, que seja um culto com Santa Ceia, no qual se peça perdão a Deus pelas nossas ações atabalhoadas, e forças para dar início a uma nova caminhada em família. E que tenha, como o texto de Lucas aponta, um momento de oração.
5.1. Participação dos/das jovens
É importante aproveitar encontros de jovens antes da realização desse culto para refletir sobre a sexualidade humana. O fato de que existe um alto índice de gravidez na adolescência nos leva à constatação de que além de mães há muitos pais adolescentes. Como isso interfere na vida das pessoas e das famílias? O que os/as jovens têm a dizer a respeito? A temática poderia ser introduzida através de encenação, da confecção de cartazes, de apresentação de um teatro de fantoches, etc.
Outro tema seria o exemplo de casa. Como as crises existenciais são tratadas na família ou na família de amigos/as? Elas acabam gerando separações, que são fruto de vida desregrada, instabilidade financeira, padrão de conduta questionável? E como é que a vida de fé tem tido espaço para Deus na família?
5.2. Participação das crianças
Criar um espaço no qual as crianças possam externar a sua compreensão da família, e possam dizê-la claramente. Que esses pensamentos das crianças sejam lembrados na confissão de culpa antes da Santa Ceia.
5.3. O/A pregador/a
Na verdade, o/a pregador/a vai fazer a costura dessa bonita colcha de retalhos que foi produzida pela comunidade. É fundamental não tapar o sol com a peneira e aproveitar as palavras na boca dos/das jovens e das crianças para chamar os adultos à reflexão. Os adultos é que são os responsáveis pelas crianças, e não vice-versa.
6. Bibliografia
Revista Mujer Salud, volume l, 1997, p. 33-56. Esta revista é editada trimestralmente pela Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe, que tem o seguinte endereço postal: Casula 50610, Santiago l, Santiago, Chile.
Que cara tem a mulher brasileira. Um compêndio que é resultado de um seminário sobre Gênero, Classe e Raça, realizado em São Paulo, no Instituto Cajamar, em janeiro de 1994.
Valorizando a família : posicionamento da IECLB sobre a Pastoral da Família. Porto Alegre : Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 1997.
WELLMANN, Knut. In: Proclamar Libertação, vol. VI, p. 184ss.
Coincidentemente, o P. Knut Wellmann elaborou o seu auxílio homilético em cima da realidade de uma mesma comunidade: Alvorada. Alguns anos antes, é claro!
Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia