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Prédica: Lucas 14.1,7-14
Leituras: Zacarias 7.9b-10 e Hebreus 13.1-8
Autor: Ulrico Sperb
Data Litúrgica: 15º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 13/09/1998
Proclamar Libertação – Volume: XXIII
Tema:

1. Bom comportamento não faz mal a ninguém!

Um novato, recém-ingresso no Instituto Pré-Teológico, se dirigiu ao diretor, Dr. Hermann Dohms, para tomar conhecimento do regulamento daquele internato que, da década de 20 até os anos 70, serviu à IECLB. Ele queria saber seus direitos e deveres, o que seria permitido e o que não seria permitido fazer. Dohms, com um sorriso no canto dos olhos, como era seu costume, retrucou:

– Como é isso na família de vocês? Como é o regulamento na casa de vocês?

– Ah – disse o menino – lá em casa não temos regulamento! Lá cada um sabe o que deve e o que não deve fazer!

– É isso mesmo — respondeu Dohms – aqui no internato é assim também!

Como é bom quando cada um sabe o que fazer, como se (com)portar em diferentes situações!

Durante alguns anos trabalhei em Brasília, como representante oficial da IECLB. Em diversas recepções pude constatar como políticos procuravam aparecer ao lado do presidente da República. E algumas vezes vi alguns serem empurrados, para darem lugar a personalidades mais importantes.

Não te glories na presença do rei, nem te ponhas no meio dos grandes; porque é melhor que te digam: Sobe para aqui; do que seres humilhado perante o príncipe. (Pv 25.6-7.)

Martim Lutero usou uma parábola para ilustrar o comportamento humilde do cristão:
Quando acontece que duas cabras se encontram numa pinguela sobre um rio, como elas se comportam? Elas não conseguem ir para trás, também não podem passar lado a lado, pois a pinguela é muito estreita. Se elas lutarem e derem cabeçadas uma na outra, ambas podem cair na água e se afogar. O que elas fazem então? Por natureza, uma se deita e deixa a outra passar por cima dela; desta forma ambas atravessam ilesas a pinguela.

Assim também uma pessoa deveria se comportar diante da outra, deixando que passe com os pés por cima dela, antes de brigar, enfrentar-se e guerrear.

2. No reino de Deus também há regras de etiqueta

Conforme Lc 14.1, Jesus está na casa de um fariseu (cf. também Lc 7.36ss.; 11.37ss.) Dessa vez ele é hóspede de um de seus líderes numa ceia festiva de sábado. Poderia ser na casa de um dos chefes da sinagoga (Lc 8.41). A ceia pode ter acontecido após a celebração do culto do sábado, do qual Jesus participou, quem sabe de maneira ativa (cf. Lc 4.16; 6.6; 13.10). Devido a fatos já acontecidos (vide Lc 6.6ss.), é compreensível que Jesus esteja sendo observado, ou até vigiado.
Intercala-se a narrativa da cura do homem hidrópico, durante o jantar daquele sábado. Mesmo que a cura seja um gesto de amor, nesse caso ela tem uma conotação provocativa. As três falas que se seguem (os vv. 7-11; 12-14; 15-24) mantêm um cará-ter de desafio aos que o vigiavam. Nos dois primeiros momentos – que são a nossa perícope – Jesus fala de nós como convidados e como os que convidam. Depois ele conta a parábola da grande ceia, ou melhor, a parábola dos que perdem a festa.

O v. 7 conta como Jesus passa de observado a observador. Aqueles que perscrutavam suas atitudes (v. 1) foram desmascarados em sua ambição de ocuparem os melhores lugares. Na pequena parábola do bom comportamento – vv. 8-11 – Jesus descreve uma regra de etiqueta fundamental, que pressupõe a humildade do convidado. Só que Jesus radicaliza essa regra, mandando procurar o último lugar. E isso nos remete ao que ele de fato quer dizer: se no convívio humano é necessário saber se comportar, no reino de Deus valem os melhores princípios de bom comportamento. Isto fica claro no v. 11: os orgulhosos serão humilhados e os humildes serão engrandecidos. O cântico de Maria (Lc 1.52-53) e outros textos (Mt 23.12; Lc 16.15; 18.14; Jo 5.44; 12.42s.) falam dessa máxima do Reino de Deus: só há lugar para humildes; pessoas orgulhosas não têm lugar na festa de Deus.

Nos vv. 12-14 Jesus fala de nós como as pessoas que convidam. O normal é convidarmos pessoas das nossas relações e aquelas que podem nos trazer algum benefício. É a regra do toma lá, dá cá. Forma-se, assim, o círculo dos que pagam e dos que ficam devendo favores.

Certa vez, o pai de uma noiva entregou um tapete persa à comunidade, dizendo:

– Alguém me deu este tapete como presente de casamento da minha filha. Eu não posso aceitar este presente tão caro, porque essa pessoa certamente me cobrará o favor. Vou agradecer-lhe e dizer que doei o tapete à comunidade, para que ela reverta o seu valor para uma obra social.

Jesus nos incentiva a convidarmos as pessoas excluídas, que nunca são convidadas. E ele cita os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. De modo algum Jesus quer estabelecer diversas categorias entre os marginalizados. É interessante observar, porém, que ele cita justamente pessoas que não tinham vez na sociedade de então, mas que tinham condições intelectuais de pensar e, por isso, saberiam valorizar o convite.

Em lugar de preconizar a regra do equilíbrio na balança dos favores, Jesus nos desafia a adotarmos a atitude da bondade irrestrita. Não há lucro algum em convidarmos os excluídos, mas nosso gesto fraterno será lembrado na ressurreição dos justos. A ressurreição dos justos era uma esperança do povo de Deus (cf. Dn 12.2; At 23.6; 24.15) e a ressurreição dos injustos era um temor, com o qual se ameaçava aqueles que não aceitavam Deus. Jesus sabe, portanto, que os fariseus são bons entendedores daquilo que ele está falando.

Quando somos convidados, comportamos-nos com humildade. Quando convidamos, dirigimo-nos aos humildes. Essa é a etiqueta que vale no Reino de Deus.

3. Aqui você tem lugar

O tema da 1ECLB para 97/98 – Aqui você tem lugar – certamente encontra nessa perícope um respaldo para a atuação da Igreja: ela sabe o seu lugar no mundo, ou seja, ela atua em humildade. Ao mesmo tempo, ela dá lugar aos humildes e sofridos que normalmente não têm lugar, espaço no mundo.

O termo lugar aparece cinco vezes nesse texto. O termo convidado e o verbo convidar aparecem dez vezes. Jesus está numa ceia festiva e fala de festa de casamento e banquete. A pregação sobre esse texto certamente deverá conter um convite para um lugar na festa do Reino de Deus. A prédica deverá ser convidativa. Ela deverá oferecer lugar, participação no Reino de Deus, o qual, por sua vez, deve ocupar um lugar de destaque na vida da Igreja e dos fiéis neste mundo.

Enquanto preparo e escrevo esse texto aconteceu o seguinte:

Minha filha Carina foi assaltada na saída da faculdade em que estuda. Dois ladrões a ameaçaram com revólveres e obrigaram-na a sentar-se no banco traseiro de nosso carro e fugiram com ela. Rodaram por Porto Alegre até escurecer e foram para o outro lado do rio Guaíba, onde abandonam a Carina numa pequena favela. Ela conse¬guiu chegar em casa e, apesar da ameaça com revólver, nenhuma outra violência lhe aconteceu. O carro foi encontrado pela polícia cinco dias depois. O seguro pagou a maior parte dos estragos no carro. A Carina contou-nos após o assalto:

– O tempo todo em que fiquei com eles, implorei a Deus para que não me fizessem mal!

Passamos por um susto muito grande. Agora estamos gratos a Deus que não foi pior. Vivemos num mundo com marcas de violência, morte, desgraça e miséria. Em meio a tudo isso recebemos e distribuímos convites para o Reino de Deus. Em lugar de tudo isso nos é oferecido c nós oferecemos um lugar na festa de Deus. Lembremo-nos do estribilho do canto Jesus Cristo, esperança do mundo (letra: Sílvio Meincke; músi¬ca: Edmundo Reinhardt e João Gottinari):

1. Um pouco além do presente,
alegre o futuro anuncia
a fuga das sombras da noite,
a luz de um bem novo dia.

Estr: Venha teu Reino, Senhor!
A festa da vida recria!
A nossa espera e ardor
transforma em plena alegria!
Aiê – Eia, aiê-aiê-aiê.

2. Botão de esperança se abre,
prenúncio da flor que se faz,
promessa da tua presença,
que vida abundante nós traz. (Estr.)

3. Saudade da terra sem males,
do Éden de plumas e flores,
da paz e justiça irmanadas,
num mundo sem ódio nem dores. (Estr.)

4. Saudade de um mundo sem guerras,
anelos de paz e inocência;
de corpos e mãos que se encontram,
sem armas, sem morte, violência. (Estr.)

5. Saudade de um mundo sem donos,
ausência de fortes e fracos,
derrota de todos sistemas
que criam palácios, barracos. (Estr.)

6. Já temos preciosa semente,
penhor do teu Reino, agora.
Futuro ilumina o presente,
tu vens e virás sem demora. (Estr.)

A leitura prevista do AT apresenta um convite que é um sinal do Reino de Deus: a prática do direito e da justiça. O tratamento justo, honesto e correio com todas as pessoas (irmão e próximo); o cuidado, amparo e proteção às pessoas mais desprotegidas na sociedade (viúvas, órfãos, estrangeiros e pobres), representam os princípios e as regras de etiqueta no Reino de Deus.

A leitura prevista da Epístola traça reflexões sobre um catálogo de virtudes. Interessante é a observação sobre a hospitalidade: … alguns, praticando-a, sem o saber, acolheram anjos. A afirmação final coloca a prática das virtudes, do bom comportamento, no âmbito do Reino que abrange o passado, o presente e o futuro: Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre.

4. Conversando com Deus sobre o Reino

4.1. Não nos comportamos como pessoas que fazem parte do Reino

Deus, que cuidas de nós como um bondoso Pai e uma carinhosa Mãe! Infelizmente temos que te confessar que não vivemos como pessoas que fazem parte do teu Reino. Não pensamos, falamos ou agimos como teus filhos e tuas filhas. Nosso comportamento não tem sido exemplar. Na verdade, deixamos muito a desejar com esse nosso jeito de ser. Por isso, só podemos suplicar que nos perdoes, que nos dês uma nora chance, que nos ajudes a não praticarmos o que é inconveniente e afazermos o que é correio, o que é importante no teu Reino. Em nome de Jesus Cristo e inspirados pelo Espírito Santo imploramos: tem piedade de nós, Senhor!

4.2. A vida no Reino é muito boa

Senhor, a tua Palavra ë um convite para vivermos contigo e com as pessoas num regime de paz, justiça e bom convívio. Agradecemos-te pelo convite que nos fazes. Como pessoas convidadas, queremos convidar outras pessoas, para que elas também tenham lugar em teu Reino. Através de Jesus Cristo pedimos que nos concedas o teu Espírito Santo, para que façamos o convite de maneira atraente, celebrativa e envolvente. Amém.

4.3. No Reino há lugar para todas as pessoas

[Antes da oração comunitária pode-se perguntar e anotar sobre pessoas ou grupos que devem ser incluídos na intercessão.]

Deus, querido Pai, bom Jesus Cristo, confortante Espírito Santo! Nós te agradecemos por nos convidares para a festa em teu Reino. Apesar de sermos como somos, tu nos fazes o convite de graça. Por isso somos muito gratos e suplicamos que nos ajudes a não perdermos esse convite, essa oportunidade de termos um lugar marcado para nós junto a ti. Mas não estamos só preocupados conosco. Também queremos dizer a outras pessoas que aqui elas têm lugar. Queremos convidar justamente aquelas pessoas que via de regra não são convidadas para as nossas festas e o nosso convívio. Lembramo-nos das pessoas excluídas e esquecidas. De uma maneira especial mencionamos [citar as pessoas e grupos que foram lembrados]. Ajuda-nos a superarmos preconceitos, barreiras e medos, para que cheguemos a essas pessoas com o teu convite. Incluímos os excluídos, Senhor, na oração que nos ensinaste: Pai Nosso…

5. Bibliografia

PASTORAL POPULAR LUTERANA (Ed.). O povo canta. 3. ed. Palmitos : Pastoral Popular Luterana, 1995.
RENGSTORF, Karl Heinrich. Das Evangelium nach Lukas. 13. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1968. p. 175-178. (Das Neue Testament Deutsch, 3).
VV. AA. Uma escola singular. São Leopoldo : Associação dos Ex-Alunos do IPT, 1997.
WESTHELLE, Vítor. Meditação sobre Lucas 14.7-14. In: KILPP, Nelson, WESTHELLLE, Vítor (Coords.). Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1991. vol. XVII, p. 196 200.

Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia