O tema marketing e Igreja é bastante difícil de ser abordado. A própria relação entre os dois temas já pode significar um conceito determinado de Igreja e uma visão de mundo. É um tema que só poderia ser abordado no século que estamos vivendo. Não se falava em marketing antes do mundo capitalista. Esse tema só pode ser entendido dentro de um contexto onde se toma o mundo capitalista como pressuposto e uma determinada visão de Igreja segmentada como pressuposto. Onde se vê a Igreja como una sancta e o reino de Deus como a missão que Deus desenvolve no mundo através de sua Igreja, falar em marketing perde muito de seu sentido.
No entanto, tenho de mencionar logo de início algumas dificuldades inerentes ao tema. A primeira dificuldade está em definir o que seja marketing. Esta é uma palavra polissêmica. Tem diferentes sentidos para diferentes autores e ainda tem sentidos diferentes na mente de muitos interlocutores. Vamos falar sobre isso um pouco adiante. A outra dificuldade está no conceito de Igreja. Que tipo de Igreja entendemos que Deus desenvolve no mundo? O que é Igreja, para copiar o título do artigo VIII da Confissão de Augsburgo. Essa é uma questão até hoje difícil de ser respondida.
1. Sistemas econômicos
A economia é uma ciência antiga. Ela era considerada a ciência que estuda as relações sociais de produção, circulação e distribuição de bens materiais, definindo as leis objetivas que regem tais relações.
A criação do termo economia é atribuída a Xenofonte, que define a economia como as leis da casa, ou seja, a administração dos negócios domésticos. Na Idade Média, Tomás de Aquino referiu-se a problemas da vida econômica, como cobrança de preços justos e de juros, estes últimos condenados pela Igreja de então. Lutero escreveu textos que até hoje podem ser considerados revolucionários sobre questões econômicas, especialmente pensando-se que foram escritos há quase 500 anos (1).
No séc. 17, com o mercantilismo, começaram os estudos econômicos motivados pelo grande comércio exterior que era desenvolvido pelas nações. Defendia-se que boa economia era exportar mais que importar para que o país mantivesse um bom lastro em ouro. Mais tarde houve uma escola que defendia que o valor econômico só se encontrava na produção, especialmente na produção agrícola. Daí passou-se a discutir a questão do valor. Valor era o trabalho, seja agrícola ou industrial. Quem estabelecia o valor era a livre concorrência. O mercado tinha leis (como a da oferta e da procura) que precisavam ser respeitadas. O pensamento burguês encampou essas ideias e serviu de ponto de partida para o pensamento de Marx e Engels. Uma ideia básica de Marx era o conceito de valor-trabalho. Havia uma parte do trabalho que não era paga (a mais-valia), que seria a fonte do lucro, do juro e da renda da terra. As controvérsias entre essas escolas de pensamento chegam aos nossos dias.
Em meio a isso desenvolveu-se ainda mais o estudo da economia com os problemas do emprego (pleno emprego e desemprego), de níveis de produção, crises econômicas. Muitos julgavam que a economia deveria ser resolvida através de cálculos matemáticos. Uma das questões básicas da economia contemporânea é a do nível de intervenção do Estado na economia em contraposição à questão da auto-regulamentação do mercado (esta é a questão do neoliberalismo) e a própria questão da dimensão do mercado, em contraposição aos excluídos (mb informal, humanismo).
Dentro desse contexto da economia, entende-se em grande parte a questão do marketing e do seu papel. E qual é o papel da Igreja em meio a tudo isso?
2. Teoria de campo
Dentro do que vimos na seção anterior, podemos concluir que a ideia de marketing se desenvolve dentro de um contexto ideologicamente definido. Esse contexto vê a sociedade e seu funcionamento de uma forma específica, ou seja, o eixo mais importante para a compreensão da sociedade é a economia. A atividade econômica tem regras que normalizam toda a atividade social. Além disso, são as regras que regem a economia que poderiam, de maneira válida, normalizar toda a atividade humana. Boas são as leis do mercado. Más são as ideias que não se conformam às leis do mercado. De certa forma este é o mundo em que vivemos e em que a Igreja se encontra.
Jung Mo Sung, numa palestra, conta o caso de uma família anglicana da aristocracia inglesa. Eles eram economistas e discutiam o que era bom ou mau para a sociedade. A política econômica procura dizer que produtos devem ser fabricados e consumidos, que preços devem ser cobrados, que salários devem ser pagos, que produtos devem ser mais ou menos laxados com impostos. Nessa mesma família, cujos antepassados eram membros do clero anglicano, estes mesmos assuntos eram discutidos em outros tempos pelos religiosos. Eram os religiosos que diziam o que é bom para a sociedade, que atividades de trabalho deveriam ser desenvolvidas e quais deveriam ser deixadas de lado. Essa mudança de atores sociais mostra uma hegemonia na sociedade que é diferente daquela que havia anteriormente. Nem tudo o que o grupo hegemônico diz ou define é necessariamente correto e está em conformidade com a vontade de Deus, mas decerto será o que a sociedade irá seguir. A teologia pode questionar a ação e as decisões dos atores sociais, mesmo dos hegemônicos. Os questionamentos serão feitos a partir dos Dez Mandamentos, que colocam os princípios básicos de Deus para a vida humana. Existe honra aos pais e superiores, existe respeito à vida, existe respeito à família, aos bens, à honra? Essas são perguntas básicas que precisam ser feitas. Mais geral ainda é a pergunta: com esta atividade estou servindo a Deus e ao meu semelhante?
Bourdieu, um sociólogo francês, explicou a sociedade dizendo que ela funciona em conformidade com uma espécie de economia. Ele tratou disso em vários escritos, especialmente num intitulado A Economia das trocas simbólicas (2). Pura entender a teoria de Bourdieu, precisamos nos apropriar de dois conceitos que ele desenvolveu: o conceito de campo e o conceito de capital social. O campo é o espaço onde as posições dos agentes sociais estão previamente definidas e onde se trava uma luta concorrencial entre estes. O que está em jogo é o monopólio da autoridade ou da competência.
No campo onde se dá a luta social, o capital não é distribuído eqüitativamente. Existem os dominadores do campo e os dominados. Os dominadores são aqueles que têm o máximo capital social. O capital social pode ser a autoridade que a pessoa detém, a honra, enfim, a hegemonia naquele campo. Quem não é hegemônico lenta produzir o seu capital, e aí se desenvolve o conceito de economia das trocas simbólicas. Desenvolver símbolos como capital de hegemonia é uma das tarefas tanto do grupo dominador quanto do grupo dominado na busca pela hegemonia no campo.
Quem não é hegemônico luta para alcançar a hegemonia. Aí estaria estabelecida a economia de mercado. Pode-se observar que economia de mercado é um conceito que ultrapassa os limites do comércio. Pode-se ver uma luta econômica por fatias ou hegemonia de mercado também no campo religioso. Essa luta, real, possivelmente não se harmoniza com os princípios de fé estabelecidos por Deus e manifestos através de Cristo. Em Cristo vemos exatamente a derrubada desse modelo que o pecado insiste em defender e implantar.
Poderíamos nesta altura levantar algumas perguntas: qual é o campo da fé cristã? Em que área ela atua? Quem detém o seu poder simbólico de autoridade, honra, valores? Como se relacionam a instituição Igreja e a fé cristã? Poderiam as práticas de concorrência de mercado ser aplicadas à fé cristã, sem com isso se aceitar os pressupostos ideológicos do mundo que desenvolveu essas práticas?
3. Marketing / mercado
Há uma dificuldade em entender o que é marketing. O conceito está ligado a mercado, mas não se esgota aí. Na verdade não há marketing sem conceito de mercado. Aí é que se dá a maior tensão com o conceito de Igreja. A Igreja, na prática, age e reage como se estivesse inserida num mercado, disputando um mercado. Mas se a missão é de Deus(3), se o referencial do universo é Jesus Cristo, então o conceito de mercado aplicado à Igreja apresenta dificuldades teológicas ao ser empregado.
Mas a dificuldade a que me refiro não é somente de ordem teológica. O que é marketing? Marketing, num sentido restrito, pode ser propaganda. Mas, num sentido mais amplo, o marketing estaria presente numa empresa desde a sua estruturação, na definição do produto, na definição do preço, no relacionamento com o cliente e assim por diante. Nos tempos da inflação alta, o homem principal de uma empresa de sucesso era o diretor financeiro. Hoje, em tempos de inflação mais baixa, muitos estão pagando os melhores salários para o diretor de marketing, julgando que este é capaz de desenvolver a saúde de uma empresa.
Muito do que se faz na área de marketing é pesquisa, planejamento, execução, avaliação e comunicação. Os princípios de pesquisa não se limitam à área de marketing. Pesquisa é feita pela área de marketing, como é feita por qualquer outra área humana. O mesmo é verdade com referência a planejamento e assim por diante. Não podemos dizer que o marketing seja o grande salvador de uma empresa, nem tampouco menosprezar a sua importância. Princípios de pesquisa, planejamento e comunicação empregados pelos profissionais de marketing podem ser usados pela Igreja. A dificuldade é quando se quer transferir, sem nenhuma apreciação crítica, valores de uma área para outra. Anunciar a fé cristã não é a mesma coisa que vender bananas, embora esta última atividade não tenha nada de mau ou indigno e até mesmo exija muito conhecimento de causa.
Alex Periscinoto, um dos grandes nomes da publicidade brasileira, em 1977 foi convidado a fazer uma palestra para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Talvez o título de sua palestra, na época, fosse parecido com o título que me foi confiado: Igreja e marketing. Ele publicou um resumo dessa palestra no seu livro Mais vale o que se aprende que o que te ensinam, sob o título A palestra dos bispos(4) . Nessa palestra ele se autodenomina um profissional da comunicação. Diz que todas as ferramentas de trabalho que usamos hoje na nossa profissão, todas, sem tirar nenhuma, foram inventadas por vocês, religiosos.
Citando as ferramentas, ele diz que o primeiro veículo de comunicação de massa foi o sino. Cada batida transmitia uma mensagem. Atingia 80 a 90% das pequenas cidades. Quando tocava, todos pensavam sobre sua mensagem. Um arauto, diz Periscinoto, não passava de um mala direta muito mixuruca.
Outra ferramenta era o display. O display visa chamar a atenção para uma mensagem ou um produto. O primeiro display inventado foram as igrejas. A Igreja era de telhados altos e torres que chamavam a atenção no meio da cidade. De longe se via onde era. A Igreja era facilmente localizada. Via-se de cara.
Alem do display os religiosos teriam inventado o logotipo. A cruz, o logotipo, era posta na ponta do display. Todos sabiam que era a igreja da marca da cruz e não da meia-lua ou da estrela. Não se perdiam em rneio à concorrência.
Os religiosos também inventaram o primeiro departamento de pesquisa. Era o confessionário. Municiado com as informações do confessionário, o padre sabia tudo o que se passava na aldeia e podia ser o elemento mais influente da sociedade. Um subproduto do confessionário era que a pessoa era reconstruída de dentro para fora e saía aliviada, perdoada, coisa que nenhum analista faz nem que se seja pago em dobro. Era um tratamento psicológico gratuito. Hoje, segundo Periscinoto, esse departamento de pesquisa estaria um tanto desativado. Em consequência, a Igreja não sabe o que se passa, por exemplo, na cabeça de um rapaz de 20 anos.
Outra invenção dos religiosos foi o audiovisual. Periscinoto se refere às vias sacras, tão comuns em igrejas católicas. O áudio seria dado pela professora de catecismo ou alguém do gênero.
Outro recurso inventado pela Igreja seria a trilha sonora. Não há comercial sem trilha sonora. Sem esta o comercial perde a graça. A trilha sonora da Igreja é a música do órgão ou do coral. Ele não consegue imaginar um casamento sem marcha nupcial.
Outra invenção da Igreja é o rico cenário do acontecimento. Como cenário ele entende o altar bem decorado, com iluminação adequada e mística própria.
As promoções são outra invenção da Igreja. Ela fazia procissões com bandeiras, cartazes e roupas especiais, que mobilizavam uma cidade inteira. A promoção religiosa era anunciada com antecedência e alcançava toda uma população.
Periscinoto também fala que, na área mística, a mudança do latim para o português e a posição do padre de frente para a igreja não tiveram um resultado tão especial. Ele diz que o povo, ao ver o padre de costas para o povo e de frente para o altar, não tinha a impressão de que o sacerdote estava de costas para ele, mas que estava de frente para Deus. Além disso, mesmo sem entender latim, o povo pensava que esta era a língua especial que o sacerdote e Deus entendiam. Isso tinha a sua mística.
A Igreja tem um produto a oferecer. É a fé. E Periscinoto diz:
“Eu tenho uma boa notícia para vocês: esse produto está fazendo falta na praça, e muita falta, mesmo porque vocês não propagam mais a fé. Hoje se lê nos jornais muito mais sobre divergência entre bispos, entre vocês e o governo. Quase não se lê sobre o produto que vocês oferecem, sobre a fé. (…) É como se uma empresa parasse de anunciar seus produtos e passasse a anunciar a briga da diretoria.”
Periscinoto termina sua palestra chamando a atenção para a necessidade de a Igreja investir na TV. Ele diz que o display da Igreja se perdeu no meio da selva de pedra e não é mais visto. A TV entra em todos os segmentos da sociedade. É lá que a Igreja deveria anunciar o seu produto.
Quanto ao público da Igreja, ele o divide em três segmentos. Os doentes, os velhos e, no terceiro grupo, as crianças, jovens e adultos sadios no auge da vida. Os dois primeiros segmentos são presas cativas e mais ou menos fáceis. O terceiro grupo é mais ou menos 80% do total. Com este terceiro grupo, a Igreja não sabe quando falar, como falar e onde falar. A televisão seria o lugar de conversar com eles.
Analogias como as que Periscinoto fez podem ser feitas e são úteis. Elas despertam a atenção da Igreja para sua ação. Ficam especialmente em três áreas: pesquisa, comunicação e administração. No entanto, estas áreas não são neutras e isentas de fundamentos éticos ou teológicos.
O apóstolo Paulo mostrou-se crítico quanto ao uso da retórica, embora ele mesmo fizesse uso de princípios da retórica em seus discursos (veja l Co 2.4-5 e compare com At 17.16-31). Quando se tenta separar essas coisas, em vez de apenas distingui-las, corre-se riscos. Os próprios profissionais da área de marketing apontam para isso. Em vez de desenvolverem apenas técnicas para vender produtos, hoje preferem desenvolver técnicas de informação ao consumidor e de bom relacionamento com ele.
Mas existe ainda outro aspecto de que precisamos tratar: o que é a Igreja.
4. Igreja
O conceito de Igreja com que trabalhamos na prática, muitas vezes, é extremamente sectário. Trata-se a igreja apenas como sendo uma estrutura. Nesse caso, a responsabilidade pela definição de Igreja é da estrutura. Biblicamente o conceito de Igreja não se alcança quando se procura um conceito estrutural de Igreja. No período bíblico havia muitas estruturas eclesiásticas que conviviam. A ênfase da igreja não estava em sua estrutura, mas naquilo que a criava e mantinha, a saber, os meios da graça de Deus. Os Artigos de Esmalcalde definem Igreja como sendo ‘os santos crentes e çordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor’(5). A Igreja não se define pela sua estrutura, mas pelo seu relacionamento com a palavra do bom Pastor. É também com este conceito de Igreja que trabalham a Confissão de Augsburgo nos artigos VII e VIII e a Apologia da Confissão de Augsburgo no capítulo correspondente.
Um conceito de Igreja mais relacionado com a pregação da Palavra e a administração dos sacramentos, na prática, afasta a Igreja de suas preocupações estruturais. E, sem ênfase na estrutura, é muito difícil a inserção no mercado. O que importa não é a presença de uma ou outra instituição no mercado religioso, mas a divulgação de uma mensagem. O importante não é a estrutura, mas a superestrutura. (6) Ouvir a voz do Bom Pastor é sinônimo de pertencer à Igreja. A estrutura deve estar preocupada em divulgar a voz do Bom Pastor e não em fortalecer-se. O poder da Igreja não é o poder da estrutura, mas o poder da palavra do Bom Pastor. Desrespeito à Igreja é desrespeito à palavra de Deus.
Muitas vezes a Igreja, no afã de firmar-se no mercado, passa a fazer propaganda eclesiástica em vez de proclamação da palavra de Deus. A ênfase na estrutura aponta exatamente nesse sentido. O planejamento estrutural da Igreja, suas normas internas, não são sinônimo de vontade de Deus. A Igreja é uma comunidade de fé. Quando começa a se afastar desse seu centro e coloca o foco sobre si mesma, sua organização, ela tem problemas. E aí, um departamento de marketing eclesiástico não se torna apenas uma possibilidade, mas uma necessidade.(7)
Os luteranos, em teoria, nunca estiveram por demais preocupados com estruturação eclesiástica. Até mesmo no Livro de concórdia transparece a liberdade de um pensar que a Igreja deveria estar organizada de uma forma e outro pensar de forma diferente.(8) Se Lutero estivesse muito preocupado com estrutura eclesiástica e preocupado em permanecer na estrutura eclesiástica, a Reforma nunca teria sido realizada. Lutero foi expulso pela estrutura, mas nunca esteve fora da Igreja.
Se a Igreja se voltasse mais para o seu próprio, o anúncio de Cristo através tia palavra e dos sacramentos, então seu próprio modo de ser, muitas vezes, seria modificado.
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5. Questões teológicas
Ao longo deste estudo já levantamos várias questões teológicas envolvendo o tema Igreja e marketing. Queremos, nesta seção, sublinhar algumas das questões mais relevantes ligadas a esse tema.
Uma questão fundamental, como vimos, é a questão do que significa ser Igreja no mundo. Do conceito de Igreja com o qual trabalhamos vai depender muito o tipo de organização que realizamos na prática. Na revista Lutherische Monatshefte, um articulista, há cerca de dois anos, chamou a atenção para o fato de a Igreja contemporânea, na prática, estar acrescentando um quarto sola aos tradicionais três ensinados no luteranismo. Ao sola gratia, sola fide e sola scriptura estaria sendo acrescentado o sola structura. Um reestudo do conceito de Igreja irá ajudar em muito para nos dar uma perspectiva missionária mais aberta é mais adequada ao mundo contemporâneo.
Outra questão importante envolvida em nosso tema é a que indaga pelo tipo de sociedade que a fé cristã preconiza como sendo da vontade de Deus. Aí não se trata de misturar os dois reinos, mas de reconhecer que os dois reinos são de Deus Seria uma sociedade que valoriza o lucro mais que o trabalho, que valoriza o consumo mais que a vida, que segrega e exclui? Ou seria uma sociedade cujo modelo está mais em conformidade com o ensino dos Dez Mandamentos? O compromisso da Igreja de pregar lei e evangelho à sociedade, muitas vezes, fica enfraquecido porque a Igreja não questiona se seus métodos não estão contaminados por uma cultura ou ideologia que ofende os mandamentos de Deus. Copiar metodologias, julgando-as neutras em relação ao que produzem, pode ser algo mais que copiar metodologias.(9)
Outra questão teológica relevante que não pudemos discutir no esboço deste trabalho, mas que não pode ser deixada de lado na discussão de um tema como esse, é como a fé cristã se espalha e qual o papel dos agentes da transmissão da fé: qual o papel do Espírito Santo, qual o papel das testemunhas, qual o papel da palavra no exercício da transmissão da fé. Evidentemente aí está incluída uma questão antropológica, além da teológica. Qual a situação do ser humano caído em pecado e como a sua situação pode ser mudada? Que influência técnicas de marketing e comunicação têm na conversão do ser humano? Quando uma conversão é genuína e quando ela é resultado de esforços de administração, comunicação e marketing?
Por fim queremos lembrar que, biblicamente, o evangelho é promessa. A palavra grega empregada para designar promessa tem raízes semelhantes à palavra grega empregada para designar o evangelho (euangelion/epangelia). Na Apologia da Confissão de Augsburgo, bem como no Livro de concórdia em geral, o conceito de promessa é fundamental para os confessores. A justificação é por meio da fé porque ela nos é oferecida através de uma promessa. Uma promessa só pode ser recebida por fé. Ninguém pode criar nem fortalecer a fé por meio de obras. A fé é fruto de ação do Espírito Santo.
6. Conclusão
Evidentemente, podemos aprender muito da área de marketing na Igreja. Da mesma forma, usamos, podemos e devemos usar os meios de comunicação e muitas de suas técnicas para anunciar a mensagem da salvação de Jesus Cristo. O que não podemos, entretanto, deixar de fazer é olhar criticamente esses métodos e as ideologias em que estão inseridos para que, à luz da palavra de Deus, possamos reter o que é bom.
Não se trata aqui de ser a favor ou contra o marketing dentro da Igreja. Não há unanimidade na compreensão do que seja marketing. Trata-se de ser fiel em tudo àquele que é nosso Deus e Pai e que nos fez suas promessas de salvação.
Bibliografia
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– RIBEIRO, Júlio et al. Tudo o que você queria saber sobre propaganda e ninguém teve
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– SOGAARD, Viggo. Media in Church and Mission. Pasadena, Califórnia : William Carey,
1993. 287 p.
– SUNG, Jung Mo. A idolatria do capital e a morte dos pobres. São Paulo: Paulinas, 1989. 155 p.
—. Deus numa economia sem coração : pobreza e neoliberalismo: um desafio à evange¬lização. São Paulo : Paulinas, 1992. 144 p.
– VV. AA. O poder na Igreja. Concilium, Petrópolis, n. 217, fase. 3, 1988: Instituições eclesiais. – VICEDOM, Georg. A missão de Deus. São Leopoldo : Sinodal, 1996.
Notas
(1) No Catecismo Maior, explicando a quarta petição do Pai-Nosso (III, 84) Lutero diz.: Que miséria há no mundo agora, já simplesmente por causa de moeda falsa, sim, por causa do cotidiano gravame e alia de preços no comércio comum, em compra e trabalho, por parte daqueles que a seu arbítrio oprimem os pobres e os privam do pão de cada dia! Verdade que temos de suportá-lo; mas eles que se precavenham, não lhes suceda perderem a intercessão comum, e se acautelem para que essa partezinha do Pai-Nosso não se volte contra eles. Veja também os escritos econômicos de Lutero reunidos no volume 5 das Obras selecionadas de Lutero em tradução para o português.
(2) Pierre BOURDIEU, A economia das trocas simbólicas. Bourdieu também trata desse tema em alguns dos escritos reunidos em ID., Sociologia.
(3) Georg VICEDOM, A missão de Deus.
(4) Alex PERISCINOTO, Mais vale o que se aprende que o que te ensinam, p. 143-149.
(5) Os Artigos de Esmalcalde, III, XII, 3.
(6) Utilizamos aqui o conceito de superestrutura lembrando Gramsci, que dizia que, para um movimento ser hegemônico numa sociedade, antes ele deveria ser hegemônico nas superestruturas dessa sociedade. Ninguém é hegemônico ocupando apenas as estruturas.
(7) Leonildo Silveira Campos analisa vários aspectos de marketing empregados por alguns grupos pentecostais no Brasil no seu artigo Protestantismo histórico e pentecostalismo no Brasil : aproximações e conflitos, in: Na força do Espírito : os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas, São Paulo : Pendão Real, 1996.
(8) Melanchthon inseriu uma nota no final dos Artigos de Esmalcalde onde escreve: Quanto ao papa, entretanto, penso que, caso se disponha a admitir o evangelho, também nós lhe podemos conceder, por amor da paz e da unidade geral dos cristãos que também estão sob ele e possam estar sob ele futuramente, a superioridade sobre os bispos que ele possui jure humano.
(9) Paulo Freire mostrou que o professor, ao ensinar gramática, com seus exemplos, ensina muito mais que regras gramaticais. Este é um conceito fundamental em sua Pedagogia do oprimido.
Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia