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Prédica: Isaías 60.1-6
Leituras: Efésios 3.2-12 e Mateus 2.1-12
Autor: Vera Maria Immich
Data Litúrgica: Epifania de Nosso Senhor
Data da Pregação: 06/01/1999
Proclamar Libertação – Volume: XXIV
Tema: Epifania

Eles andam em humildade e bondade;
não existe falsidade entre eles;
amam uns aos outros.
Não desprezam as viúvas,
nem molestam o órfão.
Aquele que tem dá liberalmente para aquele que não tem.
Se encontram um estrangeiro,
logo lhe dão acolhida e
se alegram como se fosse um irmão:
Porque entre eles se chamam de irmãos,
não de carne, mas no espírito, em Deus.
Quando um de seus pobres passa deste mundo
e um deles é informado,
logo toma providências para o seu sepultamento,
conforme estiver ao seu alcance.
E se ouvem que alguém dentre eles é preso
ou oprimido por causa do nome de seu Messias,
todos providenciam para suas necessidades: e,
se é possível que seja posto em liberdade,
esforçam-se por consegui-lo.
E se há alguém entre eles pobre e necessitado,
jejuam dois ou três dias
para suprirem-no com alimento de que precisa.

(Filósofo cristão Aristides, 125 a.D.
Cit. ap. Arzemiro Hoffmann, in: Estudos sobre
contribuição proporcional.)

1. Nota introdutória

O presente texto já foi amplamente trabalhado, sob os aspectos exegéticos e hermenêuticos, nos volumes V (Erhard S. Gerstenberger), VIII (Albérico Baeske) e XVII (Friedrich E.. Dobberahn) de Proclamar Libertação. Recomenda-se a leitura destes trabalhos.

2. Aspectos contextuais

Ao ler Isaías, devemos ter em mente os elementos que formam o contexto social, político e comunitário no longo período da redação deste livro (740 a.C. até o ano de 400). Nesse período o povo sofreu a dominação assíria, caldéia e persa. O país viveu várias transformações históricas: o fim da monarquia, a escravidão do exílio e as tentativas de restauração sob o governo persa.

O texto de Is 60.1-6 situa-se no deprimente e difícil período pós-exílico, na lula pela sobrevivência da comunidade e também na luta pela utopia, pêlos sonhos, enfim, na luta com esperança de um povo frustrado.

O moral dessa comunidade estava em baixa, sendo que a maior parte do povo queria saber por que suas esperanças haviam sido proteladas, outros oravam pedindo a intervenção de Deus já, e também havia aqueles que estavam desanimados. Naturalmente, somam-se a isso os problemas econômicos oriundos da luta pela terra, inevitáveis no contexto da repatriação. Sempre há os insatisfeitos e há os espertos querendo tirar proveito da situação em benefício próprio, em detrimento do ideal comunitário.

Ainda destacamos que, no aspecto religioso, havia uma divisão clara: de um lado aqueles que estavam conservando a religião e a tradição de seus pais, que também eram os porta-vozes dos ideais proféticos; de outro lado, havia aqueles, provavelmente a maioria da população, que tinham absorvido as reli¬giões pagãs e já não adoravam somente Javé. As frustrações e desesperanças eram um verdadeiro estímulo ao sincretismo. Esses dois grupos relacionavam-se com dificuldade. É nesse contexto que localizamos a nossa perícope na perspectiva da Epifania.

3. Reflexões em torno do texto

O texto anterior, todo o cap. 59, apresenta o povo examinando seus atos, assumindo-os, reconhecendo seus pecados e pedindo perdão a Deus. O braço do Senhor não ficou curto para salvar, nem os ouvidos ficaram surdos para ouvir. Ao contrário, foram as culpas de vocês que acabaram se transformando num abismo que os separa de seu Deus. (Is 59. 1-2.) Deus não é responsável pelos erros do povo. Ele é bom e justo, defende o direito e a justiça (v. 9) e de Sião vem um redentor, a fim de apagar os crimes cometidos.

Também destaco que o texto posterior (Is 61) anuncia a libertação dos cativos e a restauração do país. Para entender o nosso texto, precisamos estar atentos para Is 61 e observar a forma como ocorrerá essa restauração. O profeta anuncia que eles serão elevados à condição de cidadãos e serão eles os artesãos dessa justiça e dessa restauração. Os subcidadãos reconstruirão ruínas, erguerão velhos escombros e renovarão cidades.

Espremido nesse contexto está o nosso texto. Ele é um cântico que manifesta a esperança da restauração completa de Jerusalém. De todos os lados vêm povos para adorar a Javé no templo reconstruído. Depois da responsabilidade/ culpa, devidamente assumida pelo povo, é restabelecida a aliança de Deus com seu povo. Este último vem de longe trazendo suas oferendas e seu louvor. Tudo isso ocorre em clima de paz, gratidão e emoção.

4. Atualizações do texto

Este cântico de esperança anima para a caminhada. Fala para um povo que caminha triste, desanimado e até revoltado. Caminha com medo do amanhã. Sobram dores e tristezas. Nós hoje também caminhamos com um peso nos ombros, reclamamos do governo, da pouca assistência à criança, ao idoso, ao despreparado para enfrentar o mercado de trabalho e por isso destituído da cidadania e da dignidade inerentes ao ser humano.

Somos convidados a caminhar com esse povo, a ser parte dele, a repartir o pão e alimentar a esperança. Somos desafiados a escutar a dor e a história desse povo; a usar a palavra certa na hora certa e do jeito certo. Esse é o elemento decisivo para a pregação. É necessário ler o texto anterior e o posterior e então usar a palavra certa dita no tom certo. O contexto do texto nos exorta a não jogarmos a nossa responsabilidade nos ombros de Deus e também a não esperarmos abnegação e desprendimento dos políticos quando nós não fazemos nada, mesmo quando está ao nosso alcance.

Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo, edição de 12/04/98, questiona essa inércia comunitária na qual estamos mergulhados. Ele questiona em vista daquelas vozes que sofrem com o desemprego, com a injusta política econômica, com a falta de acesso à escola e com o nível escolar e esvaziamento curricular. No entanto, essas mesmas vozes se erguem para reclamar, mas não para participar. Qual é a autoridade moral dessas pessoas? Oriundas do pós-exílio ou vítimas do neoliberalismo precisam da palavra certa na hora certa. Ânimo? Sim. Consolo? Sim. Criatividade? Sim. Reação e participação? Também.

Seria menos complicado se Deus não insistisse em usar nossas mãos para realizar o trabalho; se ele não usasse nossa boca para anunciar e denunciar; se não insistisse em nos congregar na comunhão dos santos. Mas ele insiste porque faz parte do seu projeto para nós. No entanto, muitas vezes, nós ficamos à espera de um salvador…

Sugiro que a prédica esteja permeada pela luz que brilha para nós hoje, luz esta identificada no texto de leitura de Mt 2.1-12. Que essa luz seja identificada com o amor de Deus por nós e sua misericórdia transformadora. O amor de Deus, além de nos tornar filhos e filhas de Deus, também nos converte em cidadãos do mundo. Sendo assim, devemos nos fortalecer com este cântico de esperança e reagir frente à inércia e à acomodação. Cito ainda as palavras de Gilberto Dimenstein: Quem não participa de algum tipo de atividade em sua comunidade é, em essência, um subcidadão, por achar que tem direitos e não deveres. Participar de atividades comunitárias é, portanto, um privilégio e não uma obrigação.

Levante-se Jerusalém! Brilhe, pois chegou a sua luz, a glória do Senhor brilha sobre você. (Is 60.1.)

Uma bênção:

Que a luz de Cristo brilhe,
nos envolva em amor,
c que o seu poder nos venha proteger.
Que a luz de Cristo brilhe,
nos envolva em amor,
e que o seu poder nos venha proteger pra sempre,
e sempre, e sempre, amém.

Bibliografia consultada

BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo : Paulinas, 1978.
CROATO, J. Severino. Isaías: vol. I: 1-39 : o profeta da justiça e da fidelidade. Petrópolis : Vozes, 1989.
LOHFINK, Gerhard. Como Jesus queria as comunidades. São Paulo : Paulinas, 1987.
PIXLEY, Jorge. A história de Israel a partir dos pobres. Petrópolis : Vozes, 1990.

Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia