Prédica: Mateus 3.13-17
Leituras: Isaías 42.1-7 e Atos 10.34-38
Autor: Vânia Moreira Klen
Data Litúrgica: 1º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 10/01/1999
Proclamar Libertação – Volume: XXIV
Tema:
Esta perícope nos mostra que, nos primórdios das comunidades, o Batismo como marco essencial para a vida cristã levou tempo para se unificar. Isto se deve ao fato de o lavar regenerador e purificador através das águas não ser um simbolismo exclusivo do cristianismo. Antropologicamente, na maioria das culturas mundiais podemos achar um sentido sagrado para a água, que contém, simultaneamente, poder de destruição, de fertilização, fonte de vida, alívio das dores, beleza, etc…
Analisando, a grosso modo, podemos descrever três aspectos essenciais de influência no Batismo cristão:
a) a purificação através de banhos prescrita na lei veterotestamentária a pessoas e objetos que haviam contraído impurezas legais — Lv 11-16;
b) a iniciação de prosélitos no judaísmo através de batismos de imersão, sendo que esta prática aparece em época posterior ao surgimento do cristianismo;
c) o batismo realizado por João Batista, no qual encontramos características muito próprias, não exigidas em outros rituais de purificação ou iniciação de sua época, como, por exemplo, a conversão absoluta e penitenciai como preparação para os tempos messiânicos e o caráter provisório, já que aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu (…) Ele vos balizará com o Espírito Santo e fogo.
Certamente estas, entre outras práticas batismais, ainda não haviam sido uniformizadas na comunidade de Mateus, que tinha uma origem judaico-cristã. Talvez por isso podemos notar que, redacionalmente, há uma intenção de nos fazer compreender que o Batismo foi essencial para o início do ministério de Jesus. Ele nos mostra também a diferença entre o ministério profético de João Batista, cuja ação batismal tem como propósito a mudança de conduta, preparando o povo para aquele que inaugurará um mundo novo, e o ministério de Jesus, onde se evidencia a solidariedade com as pessoas oprimidas pelo pecado.
Alguns aspectos do texto
Vv. 13-15: Na história do batismo de Jesus encontramos uma complexa narrativa de oposição entre Jesus e João. A primeira reação de João Batista é de espanto: como pode ser por ele batizado aquele sobre o qual pregava que era superior, que não tinha pecado? Apesar de João reconhecer a autoridade de Jesus preconizada desde o início do capítulo, há algo errado em sua identificação do Messias. Por que Jesus deseja ser batizado? Não é Ele que inaugurará urna nova forma de ser? Que resgatará a dignidade e o poder político de seu povo?
Vv. 14-15: A percepção de João Batista a respeito do papel presente do Messias é equivocada. Por isso não consegue ter clareza sobre o que deve ser feito: batizar ou ser batizado? Jesus, ao contrário, tem bem claro que convém cumprir toda a justiça. João analisa a situação a partir de sua própria necessidade, de seu próprio julgamento de justiça: Eu é que preciso ser batizado por ti. Em contraste, para Jesus, a ação correia está baseada na avaliação da situação do que deve ser feito ou do que é conveniente para o cumprimento da justiça (termo um tanto indefinido em Mateus; na Bíblia na linguagem de hoje encontramos: pois assim faremos o que Deus quer) naquele momento. Logo, cumprir toda a justiça significa fazer algo que havia sido estabelecido como comportamento correio na avaliação da situação em termos de tempo. Cumprir a justiça em um determinado tempo histórico pode vir a não ser o mesmo em outro. Na crise de João Batista percebemos uma distinção clara entre o tempo presente (aquilo que ele acha que deve ser feito) e o futuro escatológico (aquele que inaugurará um novo tempo). Há uma diferença entre o que o ministério de Jesus propõe e a expectativa daqueles que esperam o Messias.
Vv. 16-17: Nestes versículos a oposição termina. Mateus conta com o conhecimento de sua/seu leitora/or quando ressalta o significado da oposição ao batismo de Jesus e o que é cumprir toda a justiça: ele pressupõe que saibamos que Jesus é o Filho amado (v. 17). Toda a simbologia utilizada nos w. 16 e 17 mostra o reconhecimento de Jesus como o Filho amado de Deus. Para Mateus é essencial que entendamos que o Filho amado é alguém que cumpre toda a justiça, alguém que está submetido à autoridade de Deus e que, ao mesmo tempo, tem autoridade comparável a Deus. A voz que diz: Este é o meu Filho amado declara publicamente a autoridade de Jesus.
Reflexão
Obviamente o texto nos conduz a uma reflexão sobre o Batismo. Podemos nos perguntar se também hoje em dia não estamos confusas/os sobre este sacramento em nossas comunidades. Por que balizamos? Qual o valor do nosso Batismo? Como estamos vivendo o nosso Batismo?
O Batismo está profundamente ligado ao desejo de Deus em relação ao ser humano: salvação e vida eterna. Porém cabe-nos o compromisso de assumirmos, a partir daí, o nosso papel junto ao ministério de Jesus. O batismo de Jesus no início de sua vida pública marca o seu ministério de libertação e salvação que culminará na cruz. Assim, o Batismo que recebemos também nos introduz na missão solidária de Jesus para com aquelas pessoas que sofrem, que pecam, que necessitam de outro horizonte de libertação.
O batismo de Jesus desarma os desejos do eu, nos colocando a serviço do nós. O nosso Batismo nos inclui na família de Deus, fazendo contraste dentro deste mundo que exclui, segrega e discrimina. A ação de Deus em nosso favor nos capacita para a vida comunitária.
O batismo de Jesus inaugura o significado do nascer de novo: o de estar apta para se colocar no meio deste mundo vivendo o perdão, o compromisso com o próximo empobrecimento, a comunhão, a indignação com as estruturas opressivas de poder, e buscando, cada vez mais, um sentido concreto para este termo indefinido: justiça. Qual o significado deste termo para nós? O que caracteriza a ' 'justiça'' a partir da perspectiva evangélica? — Cabe a nós, filhas e filhos de Deus, unidas em Cristo através do Batismo, cumprir Ioda a justiça na época em que vivemos, nas comunidades das quais participamos.
Bibliografia
BRAND, Eugene L. Baptism : A Pastoral Perspective. Minneapolis : Ausgburg, 1975.
CAMACHO, Juan Mateos F. O Evangelho de Mateus. São Paulo : Paulinas, 1993.
GODERT, Valter M. Teologia do Batismo. São Paulo : Paulinas, 1988.
KAVANAGH, Aidan. Batismo : rito da iniciação cristã. São Paulo : Paulinas, 1987.
Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia