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Prédica: Mateus 14.22-33
Leituras: I Reis 19.9-13a e Romanos 9.1-5
Autor: Teobaldo Witter
Data Litúrgica: 12º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 15/08/1999
Proclamar Libertação – Volume: XXIV
Tema:

1. Mateus 14.22-33

Este é o texto indicado para a pregação neste 12° Domingo após Pentecostes. Sobre este texto de Mateus há uma exegese elaborada pelo colega Valdemar Lückemeyer que encontramos em Proclamar Libertação, vol. VI. Apesar de ser um exílio elaborado para 1980, ele é atual. Por isso recomendo a sua leitura. Como complementação, coloco algumas reflexões a seguir.

O texto relata o envio dos discípulos com o barco para o alto mar a fim de chegar ao outro lado do lago. Jesus não vai junto, porque está ocupado com a multidão e se retira para orar sozinho. No diálogo entre Jesus e os discípulos, percebemos claramente a ordem (compeliu) de seguir. Os discípulos não seguem seus próprios caminhos. Jesus chama e envia. Aí não há mais duas vias, dois caminhos. Duvidar significa afundar no mar.

Em alto mar, o barco passa por dificuldades. Ventos fortes e ondas impõem pânico. Já é noite escura, altas horas da madrugada. O barco segue o caminho para o outro lado, apesar de todas as dificuldades. Afinal, ele é lugar da comunhão cristã. Fora dele, Pedro sucumbe. É arrastado pelo medo, vento e afobação Jesus envia sua Igreja para o mundo. Nela a comunhão é uma realidade. Na sensação de estar sozinha, sem comunhão cristã, a nossa fé morre. Somos gente de pequena fé que sucumbe no mar, isoladamente.

O confronto não é entre Jesus, o barco e os ventos. O confronto é entre Jesus e os homens de pequena fé. Em meio às ondas perigosas e ao mar profundo, Jesus dá o ensino confirmatório aos discípulos. Tudo o que acontece vai ao encontro da educação na fé dos discípulos. Esta é a missão de Jesus nesse alto mar. Apesar da ameaça externa que representam o mar, o vento e a noite que parece arrastar os discípulos, o principal problema é interno. É a dúvida e a pequena fé. Jesus, com sua ação, é o provocador da fé. Ele qualifica a fé dos discípulos e das discípulas. Esta é missão de sua Igreja.

A oração de Pedro: Salva-me, Senhor é o grito tio povo do Deus. li a oração dos discípulos e da Igreja fraca e pequena, também hoje. Na falia de horizontes, ela luta contra ventos de doutrinas, ondas de modismo e obras da escuridão (trevas). A Igreja séria de Jesus Cristo, desde sua origem, conta com esses problemas. A questão é: os discípulos de Jesus têm, de fato, fé, vontade, confiança e disposição para entrar no barco e ir até o outro lado? Ou eles e elas se acomodaram no lado de cá? Estão saciados com as coisas que vêem ou vão ao encontro de novos horizontes, ao encontro das coisas que ainda não vêem? Contam com a força e presença de Jesus ou não?

2. Leitura do Antigo Testamento: l Reis 19.9-13a

Elias é uma pessoa de fé e espiritualidade comprometida com Deus e o povo. Debate-se com a idolatria do reinado, dos reis e das rainhas. Enfrenta Acabe e Jezabel que tramaram a morte do agricultor Nabote.

É perseguido. Vive a solidariedade da mulher de Serepta que reparte o resto da comida de sua casa, em tempos de muita fome e sede. Elias é alimentado por corvos. Passa por crises. Ora. Pede que Deus tire a sua vida. Sente-se incompreendido e abandonado por todos. Deixa-se vencer. Nesta situação, percebe o encontro de Deus consigo. É alimentado com pão e água para a longa caminhada de 40 dias e 40 noites até ao monte Horebe, o monte de Deus.

Perde o horizonte da vida. Adormece. Mas é acordado pelos enviados de Deus.

No monte Horebe é interpelado por Deus: O que fazes aqui, Elias? Elias deveria estar em outro lugar, lá no meio do povo.

Elias reclama. Fala de seu zelo e de sua espiritualidade comprometida. Reclama do seu povo que deixou a aliança, derrubou altares e matou os profetas de Deus. Reclama que está só e que procuram tirar-lhe a vida.

Vê fenômenos da natureza. Neles quer ver Deus. Vê um temporal. Mas Deus não está nele. Vê um terremoto. Mas Deus não fala pelo terremoto. Vê um fogo arrasador, mas Deus não fala pelo fogo. Sente-se frustrado. Então, uma brisa suave sinaliza a presença de Deus. Começa, novamente, um ensino confirmatório para Elias. É evangelizado, novamente. Aí, conforme o contexto bíblico, é enviado de volta para o meio da sociedade, onde continua na missão de Deus.
Como os discípulos no barco, assim também Elias é confortado e evangelizado.

3. Leitura da Epístola: Romanos 9.1-5

Paulo se sente triste, com dor no coração, porque percebe a miséria espiritual do povo que é portador da história da salvação conforme o Antigo Testamento. Os israelitas são o povo chamado por Deus, o povo da antiga aliança, o povo libertado do Egito pela mão maravilhosa de Deus. É o povo dos patriarcas, dos pais da fé. É o povo de Paulo. Ele expressa seu profundo amor por sua gente. Sente compaixão, porque o povo da antiga aliança não quer a salvação por graça, fé e confiança em Jesus Cristo, mas vai em busca da salvação pelas obras da lei. Esta é a miséria espiritual do povo de Israel.

Seu povo é cego e insensível diante da realidade das obras de Jesus em nosso favor e da presença de Deus. Em Jesus, a salvação já começou. Dela participamos pela fé e confiança nele. O discipulado é consequência.

4. Na vida: vemos o céu, a terra e o horizonte

Quando era criança, meus irmãos e eu tínhamos um estranho hábito de olhar para o céu. Muitas vezes deitávamos no gramado verde, na sombra, e olhávamos as figuras que as nuvens faziam. Ali, no tempo dos intervalos entre trabalho e estudo, passávamos horas observando o céu e o movimento que nele havia. Num dia de muito frio e céu límpido, ao meio-dia, conseguimos ver uma estrela. Para nós, isso foi uma grande sensação. Corremos para contar o fato aos pais. Eles nos explicaram que isso poderia ser um satélite. A limpidez do céu permite ver mais longe e com mais transparência.

Quando crianças, fomos ensinados que nosso Deus é Deus do céu. No céu vemos figuras nas nuvens, chuva, sol, estrelas lindas à noite e, de repente, até de dia. No fundo, também queríamos ver nossa vó e nosso vô que já haviam morrido. Queríamos ver, também, Deus. Mas nossos avós e Deus não eram visíveis. Aprendemos, contudo, a olhar longe e observar o que se passa nesse local não atingível para nós. Muitas vezes me inspirei nas figuras formadas nas nuvens para ter ânimo para estudar. O estudo no tempo do ensino confirmatório teve mais graça e mais gosto por causa da beleza dessas figuras e seu movimento.

Quando íamos à escola, meio tímidos, enfiávamos nossos olhos no caderno e no livro. Quando acompanhávamos nossos pais na roça, passávamos horas de cabeça baixa, arrancando tiririca, guanchumba e outras ervas que atrapalhavam o crescimento das plantas, na roça. Como na nossa roça havia pedras, o trabalho se tornava duro. A enxada não funcionava, e as mãos eram, muitas vezes, a melhor ferramenta. Trabalhávamos, quase sempre, de cabeça baixa, olhando para baixo. Tínhamos pouco prazer e pouca alegria nessa tarefa. Faltava-nos um horizonte.

As vezes, olhávamos para o horizonte. Ao pôr do sol ou ao amanhecer, o céu era lindo. As vezes, víamos os dois quando estávamos na roça ou a caminho da escola. Quando o vento e a chuva se aproximavam, nossos olhos se erguiam para o horizonte. Na noite bem escura, o brilho das estrelas e a luz da cidade formavam um espetáculo no céu. Mas também no tempo da colheita a gente olhava para o horizonte. Quebrávamos as espigas de milho. Nós as reuníamos num monte, jogando-as até a altura do horizonte. Quando voavam, pareciam o voo dos gansos.

Em relação ao voo em V dos gansos, ficávamos admirados. For que o voo em V? As linhas retas e a insistência em voar no horizonte nos fi/eram pensar na vida na roça e no olhar no céu, ambos sem horizonte. No fundo, também nós queríamos um horizonte. Queríamos voar longe, livres e felizes como os gansos.

Só depois de adulto, compreendi que o voo em V dos gansos rende mais, exige confiança mútua, dá força e segurança ao grupo. O revezamento no árduo serviço de voar na ponta é uma forma de encorajar uns aos outros a serem solidários nos momentos de dificuldade. Há o que aprender do voo dos gansos em V, no horizonte!

5. O céu, o chão e o horizonte são realidades da vida humana

Olhemos para os textos bíblicos indicados para hoje. As figuras do céu, da terra e do horizonte estão presentes.

Elias vê o monte, no horizonte. Entra na caverna, onde passa a noite. Sai. Vê um temporal arrasador. Vê um terremoto. Depois vê o fogo arrasador. Todos fenômenos violentos na natureza. Depois percebe uma brisa. Não tem visão clara sobre o caminho a seguir. O horizonte está limitado. Elias precisa de consolo e novos desafios para poder prosseguir seu ministério. Deus o conduz para fora como fez com Abraão, a quem pediu para olhar para o céu e contar as estrelas. É como dizer: levante a cabeça, confie em Deus e siga o caminho.

Paulo, conforme o texto de Rm 9.1-5, encontra-se em crise existencial pelo fato de o povo da aliança insistir na sua separação da comunhão de Cristo e seu povo. Talvez o povo escolhido olhe somente para o céu, e tropece na pedra de tropeço (Rm 9.32). Esta é a pedra posta em Sião, como diz Deus: Ponho em Sião uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, e aquele que nela crê não será confundido (Rm 9.33). O povo da antiga aliança olha somente para o céu, para a lei e as obras da lei. Por não querer olhar para Deus que se revela no horizonte da vida humana, tropeça, cai e não vive a realidade da nova aliança em Cristo Jesus. Todos nós vivemos nesse desencontro com Deus, às vezes.

Vemos, também, Jesus dando ordem aos seus discípulos para embarcarem e passarem para o outro lado do lago. Enquanto eles viajam, vemos Jesus com o povo e vemo-lo sozinho, no monte, em oração, na solidão.

Na viagem pelo mar, vemos os discípulos de Jesus em apuros. A escuridão, os fortes ventos e as ondas violentas contra o barco parece que vão levá-lo a pique. Altas horas da madrugada, vemos Jesus ir em direção ao barco (comunidade), andando sobre o mar (Império Romano). Vemos, mais uma vez, os discípulos em pânico, por entenderem que Jesus seria o acusador, o fantasma. Gritaria, medo, conflito de fé, ausência de confiança são a realidade. Jesus vê a situação miserável e o apuro dos passageiros. Não fica neutro.

Vemos e ouvimos Jesus dar a boa notícia, identificando-se e pedindo calma e confiança. Os discípulos vêem Jesus no horizonte, transformando o mar e enchendo tudo de vida. Restabelecem-se a confiança e a fé em Jesus Cristo.

Os discípulos olham para Jesus. Têm os olhos fitos nele. Nessa situação, Pedro vai ao seu encontro. Sob a ordem de Jesus, vai ao encontro dele por sobre o mar. Mas Pedro vê o mar e o vento. Olha o mundo ao seu redor, fora do barco. Tem medo e submerge. Vento e mar têm poder sobre Pedro. Fora da comunidade, acabam sua fé e sua confiança em Deus. Tem medo. É tragado pelas ondas do vento de doutrinas. Sozinho, o corajoso discípulo é arrastado pelo poder do mar, isto é, pelo poder da morte, poder da injustiça, poder de seu egoísmo, poder do mundo ao redor e poder do diabo. Mas vemos, também, que esse pobre ser humano grita: Salva-me, Senhor. Nisto ele é exemplo para nós. Esta é, também, nossa oração na anualidade.

Nós, no entanto, vemos Jesus indignado com a dúvida de Pedro. O texto traz a confrontação entre o barco (a comunidade de Jesus onde estão os discípulos) e o mar (Império Romano, Satanás). O mar e o vento de suas doutrinas têm poder: quem manda é o Império com sua religião, economia, política. Mas o barco e os discípulos têm uma força escondida. É Jesus que anda por sobre o mar. Ele já venceu todas as forças contrárias à vida e à salvação. Vemos, apesar disso, Pedro afundar e sucumbir diante da força do mar. Está sendo arrastado. Tem dúvidas. Diante dos dois caminhos (a comunidade de Jesus e o Império Romano), por momentos não sabe seguir. Aí a oração tem um sentido muito profundo. Salva-me, Senhor! Esta é também a oração da Igreja e a oração dos seus membros.

Vemos a bondosa mão de Jesus que salva Pedro. Em Jesus, por sobre as ondas, Pedro encontrou o horizonte que seus olhos viram. Esse horizonte devolveu-lhe o sentido da vida.

Jesus aproveita toda essa confusão em alto mar para fazer o ensino confirmatório para os discípulos. Ele não enfrenta, primeiramente, o vento e as ondas. Mas enfrenta, inicialmente, os discípulos em sua pequena fé. O problema é a pequena fé e confiança. A confrontação não é entre barco e mar, mas entre Jesus e os discípulos que devem estar firmes na fé. O objetivo da ação de Jesus é formar seguidores, exortando-os a permanecer firmes na fé. O seguimento de Jesus é uma ordem (Senhor, manda-me ir ter contigo) e oração (Salva-me, Senhor).
No fim, vemos todos no barco. A adoração dos discípulos é confissão de fé: Verdadeiramente, és Filho de Deus.

Há cristãos que só olham para o céu. Tropeçam e se machucam nas pedras. lama e buracos no chão. Outros há que só olham para o chão. Não levantam a cabeça. Machucam-se, batendo a cabeça nos postes e nos problemas.

Entre o olhar para o céu e para a terra está o horizonte. No horizonte vemos Jesus crucificado. No horizonte vemos Jesus andando por sobre as ondas do mar, uma analogia clara de que ele vence os poderes da morte e tem a chave da morte e do inferno'' (Ap l. 18b). A ele pedimos, como Pedro: Salva-nos, Senhor!

Certamente, com a sua mão bondosa, podemos perceber o sol do amanhecer, o voo das espigas de milho do pão diário voando como aves em direção aos famintos e o voo solidário dos gansos nó horizonte da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Pedimos que Deus nos eduque na fé e confiança nele.

Bibliografia

LÜCKEMEYER, Valdemar. Auxílio homilético sobre Mt 14.22-33. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1980. vol. VI, p. 109ss.
LUTERO, Martim. Catecismo menor. 1. ed. atualizada. São Leopoldo : Sinodal, 1995. SCHWANTES, Milton. Os sinóticos. Síntese do seminário realizado pelo CEBI na Faculdade Metodista em São Bernardo do Campo (SP), em 1988.
VV. AA. Leitura do Evangelho segundo Mateus. 2. ed. São Paulo : Paulinas, 1985. (Cadernos bíblicos, 12).

Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia