Enriquecendo a esperança
Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: 2 Coríntios 4.13-5.1
Leituras: Gênesis 3.8-15 e Marcos 3.20-35
Autoria: Renato Küntzer
Data Litúrgica: 1º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 10/06/2018
1. Introdução
Gênesis 3.8-15 está no contexto da desobediência do ser humano à ordem de Deus. É a tentativa de um olhar retrospectivo à humanidade e, assim, descobrir e afirmar qual é a condição humana diante de Deus. O ser humano se esconde de Deus e, ao seu chamado, receia responder e se apresentar diante de seu Criador. Sua condição está envolta em vergonha e medo. Necessita se esconder por causa de sua nudez e, ao se confrontar com Deus, o ser humano está cheio de desculpas e dubiedade ao transferir sempre aos outros a culpa e esquivar-se de sua própria responsabilidade. E isso tem consequências para a vida.
O texto do evangelho apresenta Jesus em contato com a humanidade sofrida e colocada à margem. Ao lidar com as demandas desse público, Jesus enfrenta dois conflitos. Um com a sua família que considera Jesus fora de si. O outro conflito é com os representantes da tradição religiosa, que o acusam de servir ao demônio por curar, perdoar e expulsar demônios. Por suas ações e pelo público que atende, ou se reconhece Jesus como o Messias ou se rotula ele de estar possuído pelo demônio. Não reconhecer a opção de Deus em Jesus pelos que estão à margem é pecar contra o Espírito Santo.
Entender o ser humano em sua condição de pecador e as consequências que isso provoca no âmbito pessoal, familiar e social é o fio vermelho que pretendemos seguir neste estudo.
2. Exegese
O texto está dentro de um contexto maior (2.14-7.4), que tematiza a defesa de Paulo da autoridade e veracidade de seu ministério apostólico. Alguém “casou tristeza” não somente a Paulo, mas a toda a comunidade (2.5ss). Por isso ele escreve à comunidade afirmando que seu ministério se fundamenta na delegação divina (2.14-4.6), sendo ministério do Espírito Santo que provoca consequências concretas, no presente tempo, de sofrimento, perseguição e tribulação (4.7-5.10) e que identifica o seu ministério com as marcas da morte de Cristo. É o que se vê e isso é passageiro. O que não se vê, a promessa de Deus, isso é eterno.
Paulo cumpre o seu ministério com fidelidade. Um ministério que lhe foi dado por misericórdia, pelo qual não age com astúcia nem adultera a palavra de Deus. Prega intensamente Cristo como Senhor e entende a comunidade como serva por amor de Cristo. O centro dessa pregação é a afirmação de Paulo: Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós (4.7). Paulo escreve à comunidade afirmando que seu evangelho é claro e o faz de maneira afi rmativa.
Temos o mesmo espírito de fé. Significa que há elementos da fé comuns entre Paulo e o salmista, a quem recorre para tornar compreensível o seu ministério tão questionado. O mesmo espírito significa o espírito que habitava no salmista.
Eu cri, por isso é que falei. Paulo recorre ao Salmo 116.10: Eu cria, ainda que disse. O contexto das palavras expressas no Salmo está em harmonia com os sentimentos que o apóstolo também vivencia no seu ministério. Paulo se identifica com o sofrimento do salmista: Laços da morte me cercaram; angústias do inferno me cercaram; caí em tribulação e tristeza (Sl 116.3). O salmista estava perturbado, mas sua fé permitiu-lhe triunfar sobre a aflição e declarar a bondade amorosa do Senhor. Uma fé semelhante permitiu que Paulo e seus colegas de trabalho declarassem as boas novas de Cristo, embora envoltas em sofrimentos e problemas. Sua experiência pessoal é idêntica à do salmista. E reforça isso com a afirmação: também nós cremos, por isso também falamos. O apóstolo não tem nada mais, mas também nada menos que a fé. E quem crê fala do que crê.
O conteúdo e a centralidade da fé estão na afirmação seguinte: Deus ressuscitou Jesus e nos ressuscitará com ele e nos levará junto com vocês até a presença dele (v. 14). Traz à memória o poder de Deus que se revelou na fraqueza extrema da morte. E é aí que reside a esperança sustentada na fé. A ressurreição é a esperança. Aqui reside a clareza da fé e a autoridade da fala. O que para os adversários de Paulo parece uma situação absurda, que conduziu o apostolo à ignorância, é justamente o essencial da vida cristã. Quem tem fé pode e deve falar. Há um fundamento comum de fé e esse é comunitário. Não poderia haver motivos para controvérsias e conflitos. A fé em comum não justificaria isso. Aquele que ressuscitou ao Senhor Jesus, também nos ressuscitará, e nos apresentará convosco (v. 14). E isso se realiza em favor da comunidade para que a graça, multiplicando-se entre muitos (da comunidade), transborde a ação de graças para a glória de Deus. Ou seja, o ministério de Paulo é para o bem da comunidade e visa ao maior número de pessoas. Todos vão ressuscitar em virtude de Cristo.
Paulo está em Cristo pela fé. “A união futura que é esperança, já se vive na fé. Porque ele tem tanta fé, pode falar como se tivesse visto. Pode falar com tanta confiança. Sua vida apostólica está inteiramente fundada na fé. Ele não apela para nenhuma experiência sensível ou mística presente. Tudo é fé. Ora essa fé é tão forte que chega a ser uma verdadeira vida em Cristo ressuscitado” (Comblin, 1991).
Paulo demonstra entusiasmo. Por isso não desanimamos: pelo contrário, mesmo que o nosso corpo vá se gastando, o nosso espírito vai se renovando dia a dia. A afirmação pode induzir a um dualismo (corpo x espírito), vindo a contrapor-se a uma visão de complementaridade do ser humano. O que Paulo quer afirmar, sem dúvida, é o aspecto passageiro e frágil do corpo humano, sujeito aos efeitos do tempo. Em contraposição, o ser humano pode assumir uma postura de humildade, acolhendo a proximidade de Deus por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Carregamos naturalmente os sinais da morte no corpo, mas podemos nos revestir de nova vida pela fé em Cristo. A primeira é leve e momentânea. A segunda experiência é de um peso inimaginável e eterna.
Paulo descreve de maneira efusiva a esperança de estar com Cristo. Nossa tribulação é momentânea e leve em relação à glória eterna que nos espera. As coisas visíveis duram um momento e por isso não as procuramos, enquanto as invisíveis duram para sempre. Nossa morada terrestre/casa e tenda/tabernáculo serão desfeitas e receberemos de Deus uma morada no céu/casa eterna, não construída por mãos humanas. O que é inimaginável é descrito por meio de uma comparação: morada terrestre e morada celeste. A ressurreição futura significa deixar a nossa morada terrestre (corpo) e receber uma morada celeste (corpo espiritual – 1Co 15). A morte será vencida pela vida. Há algo no futuro que supera a temporalidade e a fragilidade dos bens de agora. A morada terrestre vai ser revestida por outra melhor e que vai acabar com a condição passageira, frágil e temporal da atual. Isso ainda não ocorreu, mas há de ocorrer no futuro. Essa esperança é o fundamento que Paulo tem para animar o seu ministério e os seus leitores.
3. Meditação
Paulo tenta enriquecer a sua esperança e a da comunidade para a qual escreve. Ele o faz a partir de uma esperança bem precisa: a ressurreição. Ela está presente na comunidade por meio do Credo. É a esperança na qual deposita o seu futuro. A esperança na ressurreição não é pessoal, mas comunitária. Deus ressuscitou Jesus e nos ressuscitará com Jesus. É a fé dos cristãos à qual ele recorre para se animar, animar os que o seguem e aqueles aos quais escreve.
Paulo fala a partir do que crê. E o que Paulo crê é fruto da esperança comunitária. A autoridade do falar vem do seu conteúdo, da mensagem, não do mensageiro. A ressurreição de Jesus e a fé nesse acontecimento autorizam o falar. Por essa razão, não ficamos desanimados. Mesmo a fragilidade do corpo, as tribulações, o tempo não impedem a esperança que brota da certeza da ressurreição.
Em virtude da ressurreição, o corpo frágil e passageiro, sujeito aos efeitos do tempo, sofre e colhe sofrimentos e limitações. Como agir em relação a essa condição humana e não perder a esperança ou desistir do ministério? Paulo recomenda que se assuma nesta vida uma atitude de humildade e de exercício da fé. Não se submeter aos desejos da carne, nem as exigências duras da lei, mas revestir-se, pela fé em Cristo, da proposta de vida do evangelho de Jesus Cristo, que inclui o caminho da cruz. Os sofrimentos continuarão fazendo parte da vida, mas não definirão o conteúdo da vida. O que define a vida é a ressurreição. Confiança e ânimo não brotam exclusiva e unicamente do que se vive e vê atualmente. A fé permite olhar para além da realidade atual, orientando-se nas promessas de Deus. A gente vive antecipadamente, pela fé, o que espera com a ressurreição.
Para a pregação, percebo três tarefas essenciais: enriquecer a esperança das pessoas; falar do que se crê porque se crê; a esperança da ressurreição define o conteúdo da vida. Procuremos perceber esses três pontos da pregação no fato da vida que relato. Pode ser este ou outro semelhante.
4. Imagens para a prédica
A Assembleia da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) de 2017 teve um momento muito significativo. Ela iniciou com uma visitação a um dos projetos apoiados pela CESE. Os participantes da assembleia se uniram aos pescadores e pescadoras da Ilha de Maré, em Salvador/BA, para realizar um ato ecumênico na região conhecida como Prainha. O local, utilizado pelos moradores de Ilha de Maré e turistas para pesca e também lazer, corre o risco de ser destruída para a ampliação do Porto de Aratu. Se aprovada, a obra causará perdas inimagináveis para o meio ambiente, manutenção da vida marinha e, consequentemente, para a população que tira o sustento do mar. Durante o ato, os pescadores e as pescadoras presentes contaram sobre as mobilizações que já realizaram contra a poluição na região, como o Estado e as indústrias não se responsabilizam pela destruição ambiental das áreas e o risco de morte da população em virtude da poluição química proveniente de indústrias mantidas pela Braskem e Petrobrás. Nesse contexto, foi importante a fala de protesto e pedido de apoio de uma pescadora quilombola e líder comunitária: “Esse ato é para mostrar nossa indignação. Fazemos o que estamos fazendo porque estamos indignados da forma com que nos tratam. A nossa terra é chamada pelas grandes empresas e pelos políticos como ‘área de sacrifício’. Ela está destinada à morte. E assim também nós. O que nos dá esperança é que a injustiça não pode prevalecer. Por isso queremos que vocês participem dessa esperança e divulguem a nossa luta para tentar barrar essa construção. Os pescadores tiram o sustento das atividades que exercem na Prainha. A gente não é contra o progresso, mas somos contra o progresso que extermina a vida da gente”.
5. Subsídios litúrgicos
Oração
Cria um coração novo
Cria em mim, ó Deus, um coração puro,
e dá-me um espírito novo e reto (Sl 51.12)
Quando eu estiver solitário, cria em mim um coração alegre
que sinta a tua presença.
Quando estiver esgotado, cria em mim um coração esperançoso
que me lembre do sentido de minha vida.
Quando estiver sofrendo, cria em mim um coração paciente
que carregue o seu fardo em quietude.
Quando estiver sendo tentado, cria em mim um coração firme
que lute contra a tentação.
Quando tiver caído, cria em mim um coração crente que receba teu perdão.
Quando tiver sido abençoado com bens, cria em mim um coração generoso
que reparta com os pobres as tuas dádivas.
Quando estiver reunido com amigos, cria em mim um coração sensível
que lhes passe adiante o Evangelho. Amém!
(Johnson Gnanabaranam)
Bibliografia
COMBLIN, Jose. Segunda epístola aos Coríntios. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal; São Bernardo do Campo: Metodista, 1991.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).