Ser de “verdade”!
Proclamar Libertação – Volume 45
Prédica: 2 Coríntios 5.20b-6.10
Leituras: Joel 2.1-2,12-17 e Mateus 6.1-6,16-21
Autoria: Bianca Daiane Ücker Weber e Eder Alan Ferreira Weber
Data Litúrgica: Quarta-Feira de Cinzas
Data da Pregação: 17/02/2021
1. Introdução
A perícope destinada à pregação de hoje está dentro do contexto do apelo do apóstolo Paulo à reconciliação com Deus. Os versículos em questão fazem uma comparação entre a honra e responsabilidade versus os sofrimentos e as dificuldades dessa tarefa. Fica claro na teologia de Paulo que a reconciliação é um processo de constante testemunho. A pessoa reconciliada precisa compreender-se responsável pela continuação da divulgação dessa graça. E, conforme Paulo, ela o faz na condição de embaixadora de Cristo, título que carrega grande responsabilidade, demonstra importância e relevância, e requer um zelo “diferenciado”. Pessoa cristã precisa ser de “verdade”, acertando, errando, pedindo perdão, recomeçando.
Do Antigo Testamento, a perícope de Joel 2.1-2,12-17 está inserida no contexto da iminente chegada de um bando de gafanhotos. Nos v. 1-2, o profeta alerta para o perigo e o tamanho (quantidade) dos inimigos que se aproximam: Um povo grande e poderoso, como nunca houve igual desde os tempos antigos, nem haverá outro depois dele pelos anos seguintes, de geração em geração (v. 2b NAA). Na segunda parte da perícope, Joel exorta o povo a converter-se ao Senhor. Mesmo diante de tão grande perigo, Deus pode escutar sua oração e mudar seus planos com relação a eles. Joel enfatiza que a conversão deve acontecer no coração, e não superficialmente. Rasgar as vestes demonstrava tristeza e arrependimento, mas era um sinal externo. A verdadeira mudança precisa começar por dentro, pelo coração!
Mateus 6.1-6,16-21 aponta para a necessidade da naturalidade da pessoa cristã nas suas obras em favor dos necessitados e diante de Deus. Obras de justiça, esmolas, orações e jejuns não devem ser utilizados para autopromoção. Sua realização deve ser discreta. Não é necessário (nem aconselhável!) fazer alarde, porque Deus as vê e nos recompensará por cada uma delas. Por fim, Mateus, assim como Joel, mostra a importância do nosso “coração”, daquilo que é verdadeiro para nossa vida de fé.
2. Exegese
Os v. 20-21 de 2 Coríntios 5 encerram o último bloco deste capítulo apresentando um tema central: Paulo afirma a convicção cristã de que no “evento” Cristo um novo mundo havia nascido e uma nova era estava sobrevindo na história deste mundo (MARTIN, 1986, p. 158). Assim, o ministério da reconciliação com Deus acontece a partir de uma nova possibilidade de vida e de mundo. Mesmo que ainda envoltos em pecado, Jesus nos abre as portas do amor de Deus e oferece uma nova chance de vida!
No capítulo 6 Paulo continua expondo o tema do seu ministério apresentado em 5.20 (embaixadores em nome de Cristo). Os v. 1 e 2 são a continuação do final do capítulo 5. Para reforçar seu apelo, ele chama a comunidade de Corinto a uma verdadeira conversão (v. 1: não recebam em vão a graça de Deus). E ele acentua esse pedido citando as Escrituras Sagradas: No tempo aceitável escutei você e no dia da salvação eu o socorri (Is 49.8). Paulo indica que o presente é tanto “o tempo correto para o agir de Deus” como “o tempo correto para Deus agir”.
Após o v. 2, contudo, percebemos uma quebra no seu raciocínio, pois Paulo sai do tema “reconciliação” e passa a recomendar-se aos coríntios como sendo alguém digno do seu ministério e do amor daquela comunidade. Acredita-se que Paulo tenha usado um texto preexistente (v. 4 a 10). O paralelo mais próximo que se encontra está no Apócrifo de Enoque 66.6 (7). É possível que Paulo tenha retrabalhado um texto conhecido, pois nota-se que alguns dos termos são polêmicos, provavelmente com a intenção de direcioná-los a alguns opositores. Contudo, também se percebem alguns traços autobiográficos de Paulo. Em resumo, Paulo provavelmente pegou um texto de natureza estoica e o editou de acordo com o seu propósito.
A reconciliação com Deus torna-nos embaixadores da sua palavra e cooperadores com Cristo. O embaixador (a forma verbal prebeuomai é aqui usada, a qual significa “ser enviado como embaixador”, “trabalhar como embaixador”, “ir como representante”) (CHAMPLIN, 2014, p. 445) tem diversas atribuições, das quais destacamos: ser um “construtor de pontes” e “representar aquele que o envia”, sendo um reflexo do mesmo. Ele ou ela está investido de grande honra, pela qual deve zelar. Assim, não pode envolver-se em atos errados e diferentes do que aqueles pelos quais fora enviado, para não comprometer o padrão de conduta de quem o enviou. Além disso, precisa ser uma pessoa distinta, respeitosa, habilidosa para conciliar e portadora de um espírito diplomático.
Já a pessoa cooperadora é aquela que trabalha em conformidade com a graça que está representando. Essa graça a prepara, inspira e anima para propagar a mensagem divina. Ela pode até não carregar o glamour do status de embaixador, mas o chamado à fé cristã é, em primeiro lugar, um chamado à cooperação.
É interessante notar que as diferenças entre ser uma pessoa embaixadora e cooperadora não atrapalham aqui, pelo contrário, elas se somam para formar o caráter do testemunho cristão: uma grande responsabilidade em vários sentidos, mas que não nos joga à própria sorte. Quando embaixadores estão representando seus países, estão longe de sua gente e da sua terra. Contudo, os embaixadores/cooperadores cristãos assumem uma parceria com o próprio Cristo, que caminha junto com eles por meio do Espírito Santo.
O primeiro mandato concernente à cooperação pede que a graça de Deus não seja recebida em vão. No grego, kenos significa “sem conteúdo”, “sem base”, “sem poder”, “sem resultado”, “sem proveito”, “sem efeito”. No contexto de 2 Coríntios 6, essa exortação de Paulo pode significar que ele provavelmente estava se dirigindo a crentes fracos, pessoas susceptíveis a serem desviadas ao paganismo, possivelmente por tentarem inadequadamente atingir o padrão cristão de santidade. Paulo alertava ao erro de se receber essa graça de forma leviana e sem propósito. A graça de Deus é gratuita, mas não sem valor. Aceitá-la não nos é um custo, mas um compromisso: é necessária nossa resposta positiva, uma resposta que não nos deixe apenas contemplando, mas que nos leve à ação de viver essa graça.
Outro ponto que pode ser explorado na pregação encontra-se no v. 3: não dar motivo de escândalo para não ser censurado. O termo “escândalo”, proskopē no texto original, utilizado apenas no grego bíblico, tem seu sentido e uso igual ao do vocábulo proskomma, “tropeço”, “ofensa” ou razão para um mau passo ou ofensa. “Escândalo”, então, assume o significado de “obstáculo”, onde alguém pode tropeçar. Se optar por trabalhar mais esse versículo, pode-se ressaltar a preocupação de Paulo com relação ao testemunho no todo do seu ministério. Paulo queria evitar o “façam o que eu falo, mas não o que eu faço”. Além de ser articulado com suas palavras, o apóstolo também demonstrava ser cuidadoso com o todo do seu ministério.
Paulo deixa claro o alto preço que o sacerdócio cristão cobra, independentemente se somos ministros ou ministras ou se fazemos parte da comunidade cristã. As pessoas naturalmente se esforçam e buscam posições de honra na sociedade, trabalho e família, mas dificilmente irão competir para serem servos e servas da pessoa próxima. Ser cristão significa estar disposto a servir sempre, mesmo quando tudo for desfavorável. É nesse sentido que “funciona” a parceria de cooperação com Deus.
3. Meditação
Na meditação, convide a comunidade a refletir sobre as aparências. Há um ditado, bastante conhecido, que diz: “As aparências enganam”. Certamente você já experimentou a concretude disso. Você já se encantou com a beleza de um doce, imaginou um sabor e, quando provou, teve uma profunda decepção? Ou então achou incrível o título de um livro, comprou, e quando leu, não achou tão interessante assim? Ou quem sabe, comprou um calçado imaginando grande conforto e durabilidade, mas na verdade apertou o pé e não durou? Sim, muitas coisas aparentam ser algo que não são. Mas quando se trata do mundo das “coisas”, tudo bem! O problema é quando se trata do mundo das “pessoas”: viver de aparência não cria relacionamentos saudáveis, verdadeiros, confiáveis. É só aparência.
Falar de aparências no mundo da fé requer muito cuidado, pois não se trata apenas de “camuflar” a essência de uma pessoa, mas também de tomar cuidado para que a imagem de Deus seja vista na essência, como um Deus que ama, perdoa e acolhe todas as pessoas. A aparência no mundo da fé atrapalha, como bem apontam os textos bíblicos propostos para este culto. Tais textos sublinham a importância daquilo que é verdadeiro.
O período da Quaresma convida a comunidade a exercitar a fé, deixando as amarras da aparência de lado, pois elas oprimem, afastam de Deus e do convívio saudável com as pessoas. O texto de 2 Coríntios mostra a “vida como ela é”, com altos e baixos, alegrias e tristezas, apontando sempre para a verdade e não para a aparência. O texto fala de não atrapalhar outras pessoas na jornada de fé, mas sim mostrar que Deus oferece graça e salvação a todas as pessoas e que ele estará ao lado de quem se alegra, sofre, trabalha, fala, é pobre ou rico. A fé convida a testemunhar este Deus que transforma o ser, que liberta e salva com a sua graça. A fé não convida as pessoas a serem “impostoras”, anunciando um Deus de aparência, mas sim um Deus encarnado em Jesus, que se sacrificou pela humanidade.
Há outro ditado que diz: “Não basta apenas ser honesto, precisa parecer honesto”. Na lógica de Deus, não basta apenas parecer honesto, mas é necessária uma honestidade que brota do coração e que transforma todo o nosso ser. Uma honestidade que é capaz de reconhecer os próprios erros, pedir perdão e recomeçar. A pessoa cristã não precisa aparentar que não tem sofrimentos e dificuldades. Paulo mostrou com honestidade a realidade de ser servo de Deus. Isso está presente em todo o texto. Desafie a comunidade a pensar que é melhor se esforçar para ser verdadeiro, honesto, do que se esforçar para aparentar alguma coisa que não se é. Isso revelará humanidade e a necessidade da ação amorosa de Deus.
4. Imagens para a prédica
Quaresma convida para a busca das coisas verdadeiras. Sugere-se que sejam espalhados, em algumas cadeiras, alguns objetos que aparentam ser algo, mas que não são. Por exemplo: garrafa de água com gás, substituindo a água com gás por água da torneira; lata de achocolatado, com açúcar; garrafa de guaraná, com chá; embalagem de MM com passas de uva etc. No início da pregação, solicitar que as pessoas descubram o que está no interior das embalagens próximas. Será um momento de surpresa e frustração. Reflita sobre a importância de ser verdadeiro, utilizando a frase de autoria desconhecida que diz: “Em um mundo feito de aparência, feliz é aquele que é feito de verdades”.
5. Subsídios litúrgicos
Utilizar o texto de Joel 2.12-17 como motivação para a confissão de pecados.
Sugestões do Livro de Canto da IECLB: 21 – Um grande anseio; 41 – Conforme a tua infinita graça; 43 – Das profundezas clamo a ti; 587 – Tal qual estou.
Poema “As aparências enganam”, de Braulio Bessa.
Bibliografia
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Hagnos, 2014. v. 4.
CHANFIN, Kenneth L. The Communicator´s Commentary. Waco (Texas): Word Books, 1985.
MARTIN, Ralph P. Word Biblical Commentary. Waco (Texas): Word Books, 1986. v. 40.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).