Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: 2 Coríntios 8.7-15
Leituras: Lamentações 3.22-33; Marcos 5.21-43
Autor: Odete Líber de Almeida
Data Litúrgica: 4º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 28/06/2009
1. Introdução
O apóstolo Paulo discute vários assuntos em 2 Coríntios. Entre eles destaca-se o tema dos capítulos 8 e 9, conhecido como a coleta para a comunidade de Jerusalém (1 Co 16.1-4). Paulo introduz o tema, chamado por ele de “diaconia” (2 Co 9.1), em 2 Coríntios 8.1-5, procurando despertar o interesse dos coríntios ao mencionar a generosidade das comunidades da Macedônia no serviço aos pobres (2Co 8.1-2). A coleta é expressão da própria graça de Deus. Os macedônios eram pobres, mas sua generosidade era maior e visava o bem-estar do próximo (2Co 8.3-5). Sua generosidade consistia na disposição de pôr os bens materiais a serviço dos necessitados (v. 4). A declaração do v. 6 – “o que nos levou a recomendar a Tito que, como começou, assim também complete esta graça entre vós” – espera que Tito consiga completar essa graça entre os coríntios. Em 2 Coríntios 7.8-15, Paulo procura mobilizar os coríntios a ser generosos e a participar dessa diaconia.
2. Considerações exegéticas
2 Coríntios 8.7-8 é uma propositio, seguida pela probatio dos v. 9-15, que introduz uma nova seção no argumento que Paulo desenvolve, no qual adverte os coríntios sobre o que deveriam fazer no futuro: “Como, porém, em tudo, manifestais superabundância, tanto na fé e na palavra, como no saber, e em todo cuidado, e em nosso amor para convosco, assim também abundeis nesta graça. Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar, pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor”. Nesses versos, a declaração “em tudo, manifestais superabundância” é seguida por uma lista de virtudes, arrumadas em dois grupos de três: “fé”, “palavra”, “saber” e “cuidado”, “amor”, “graça”, estabelecendo uma conexão com 1 Coríntios, onde esses temas são apresentados, sendo, algumas vezes, pontos de controvérsia.
A probatio, v. 9-15, apresenta argumentos a serem considerados: o primeiro, o exemplo de Jesus Cristo; o segundo, o útil ou convincente; o terceiro, a igualdade.
2.1 – O exemplo de Cristo
O primeiro argumento – “Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que pela sua pobreza fôsseis enriquecidos” (v. 9) – contém uma declaração cristológica e suas consequências. Cristo tornou-se pobre, ou seja, tornou-se humano e abdicou de sua riqueza divina para nos enriquecer com a dádiva da salvação. O evento da encarnação é explicado: Cristo tornou-se pobre. No centro dessa invocação está a “graça de nosso Senhor Jesus Cristo”. Com isso a pobreza, que culmina com seu sacrifício na cruz, torna-se o marco da missão de Cristo (Fp 2.5-11). O uso da palavra mostra que um termo teológico tão importante como graça é aplicado à esfera da economia (nas dezoito vezes em que 2 Coríntios usa a palavra graça, dez estão no contexto da coleta).
Paulo usa a palavra graça para designar salvação e diaconia. Salvação está ligada ao “pão nosso de cada dia”; os dois termos estão interligados. A diaconia, na verdade, atinge o ser cristão da comunidade. É a prática do amor a partir da fé, que leva à salvação, a qual provém da graça de Deus. A diaconia é a gratidão pela graça recebida.
2.2 – O útil ou convincente
No segundo argumento, em vez do apelo a uma declaração cristológica, Paulo parte da consideração do bom senso. A pressuposição básica do argumento demonstra que é mais prudente acabar uma obra começada: “E nisto dou minha opinião; pois a vós outros, que, desde o ano passado, principiastes não só a prática, mas também o querer, convém isto. Completai, agora, a obra começada, para que, assim como revelastes prontidão no querer, assim leveis a termo, segundo as vossas posses” (v. 10-12).
Por alguma razão, a coleta começada no ano anterior havia sido interrompida. O que teria acontecido? Com certeza foi a grande crise acontecida. No contexto da crise, Paulo escreveu uma carta apologética (2Co 2.14-6, 13; 7.2-4), que ficou sem efeito. Então ele mandou uma segunda carta (10-13), que também ficou sem efeito. Então houve uma segunda visita de Tito a Corinto. Tito conseguiu a reconciliação (2Co 1.1-2,13; 7.5-16). Paulo pede agora que eles continuem o que haviam começado a fazer. A carta produziu efeito, e a coleta foi reiniciada. A carta de Paulo deu resultado, pois Romanos 15.25-32, escrita logo depois, mostra que a coleta foi feita.
2.3 – A igualdade
O terceiro argumento é a igualdade. As comunidades cristãs devem estar dispostas a desprender-se de tudo o que é supérfluo, colocando suas posses a serviço dos necessitados, para que haja igualdade: “Porque não é para que outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade, suprindo a vossa abundância, no presente, a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha a suprir a vossa falta, e, assim, haja igualdade, como está escrito: ‘O que muito colheu não teve demais; e o que pouco, não teve falta’” (v. 13-15).
Os coríntios devem ajudar com seus bens temporais os santos de Jerusalém, os quais os recompensarão no plano espiritual (8.14; 9.12-14). Dessa maneira, poder-se-á realizar a igualdade, a igualdade que deve reinar entre os cristãos. Esse modelo se encontra em Êxodo 16.18: “Nem quem tinha colhido muito tinha de sobra, nem quem recolhera pouco lhe faltava”. O texto de Êxodo refere-se ao maná, que não podia ser acumulado. Apenas se podia colher a cada dia o suficiente para um dia. Isso era feito para garantir a igualdade. A coleta é feita pela comunidade cristã, que crê na ressurreição do corpo, e essa não admite a fome, a pobreza e a desigualdade social.
3. Sugestões para a prédica
Ao seguir o exemplo dos crentes da Macedônia, os crentes de Corinto provam a verdadeira natureza de seu amor (v. 8). Eles são encorajados de forma ainda mais convincente no desenvolvimento da seção, que fala da glória preexistente de Jesus Cristo, “que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que pela sua pobreza fôsseis enriquecidos” (v. 9, conforme Mc 10.45). A expressão “por amor de vós” é enfática. Indica que Cristo deixou sua glória e assumiu as conseqüências aterradoras da humilhação.
O texto enfatiza também alguns princípios de mordomia:
a) Disposição para contribuir (2Co 8.3; 9.5,7). A responsabilidade de Tito (v. 6) é fazer com que os coríntios cumpram o que prometeram antes com respeito à coleta.
b) Oportunidade, expressa pela frase “segundo as vossas posses” (v. 12), um fator importante no que se refere à quantia a ser dada, que não é medida pela quantidade do que se dá, mas pela atitude que se expressa ao contribuir (Mc 12.43-44).
c) Reciprocidade, expressa pela citação de Êxodo 16.18: “Nem quem tinha colhido muito tinha de sobra, nem quem recolhera pouco lhe faltava” (v. 15). Paulo não quer que os santos de Jerusalém “tenham alívio” e os coríntios “sobrecarga” (v. 13). Esse princípio mostra que tanto o que tem como o que não tem recebem a provisão necessária para viver. É um princípio pertinente para nosso mundo, tragicamente dividido entre pessoas com níveis privilegiados de vida econômica, social, cultural e educacional etc. e pessoas sem nenhum acesso aos meios básicos de subsistência.
3.1 – Pistas práticas para a vivência na comunidade
Podemos demonstrar ou praticar o exemplo de Cristo, isto é, concretizar a igualdade e completar a obra que foi começada com atos ou exemplos possíveis:
- Promover uma assistência social que não aconteça somente com campanhas e coloque curativos nos ferimentos, mas vá à raiz dos problemas vividos pelas pessoas em seu dia-a-dia.
- Oferecer apoio à educação para crianças, jovens, adultos e idosos em nossas comunidades. O serviço que se faz presente na caminhada transforma a sociedade.
- Em vez de fazermos festas em nossas igrejas (porque nelas sempre estão as mesmas pessoas), ir às casas e ruas, reunir os vizinhos, os moradores de uma mesma rua, criando laços de amizade, que pode ser conservada na vida diária.
- Devemos incentivar as pessoas que visitamos a também visitar, que é uma forma de doar-se ao outro, como o próprio Cristo fez.
Esses são exemplos da disposição para contribuir; de reciprocidade e oportunidade. Ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar e com nada possa contribuir. Ninguém é tão dono do mundo que não possa ajudar, de um jeito ou de outro, alguém em necessidade. São muitas as formas de mostrar a prática do amor a partir da fé. Cada pessoa deve encontrar a forma de explicar concretamente o amor em favor do outro na comunidade em que vive.
4. Imagem para a prédica
Uma senhora de uma igreja de Recife teve parte de sua casa queimada. O quarto foi o mais atingido. Mas o que mais a chocou foi que sua Bíblia, na qual estava seu envelope de dízimo e o restante de sua aposentadoria (menos de um salário mínimo), acabou completamente queimada. Lágrimas corriam de sua face, não porque não tinha mais dinheiro para passar o resto do mês, mas não poderia pagar a conta de água e luz e não teria dinheiro nem para o alimento. Mas, em especial, o que mais a entristeceu foi o fato de que não poderia entregar o dízimo naquele mês, que era utilizado em sua igreja para beneficiar outras pessoas com maior necessidade. Essa história da vida real, dentre muitas outras, ensina-nos que dar é mais importante do que somente ter.
5. Subsídios litúrgicos
Oração geral da igreja
L: Senhor, remove de nossos olhos o véu para podermos ver-te caminhando entre os desamparados, desalojados, enfermos, desempregados, discriminados, pois todos andam contigo, muitas vezes de mãos dadas, mas não o sentimos.
C: Ajuda-nos a construir um mundo mais justo e igualitário.
L: Infunde em nós a força para gritar por ti, para cantar a ti, para argumentar com a verdade, para desmascarar a maldade, para fortalecer a esperança de que tu és Senhor sobre tudo e todos.
C: Ajuda-nos, Senhor, a lutar por um mundo melhor, para que todas as pessoas tenham acesso aos meios básicos de subsistência: alimento, casa, saúde, educação, lazer. E, acima de tudo, que elas tenham a certeza de teu amor e de teu cuidado.
L: Ajuda-nos, Senhor, a dar mais do que receber, porque somente quando não se poupam as mãos no serviço de amor e de misericórdia na disposição diária de ajudar, a boca pode anunciar com alegria e credibilidade a palavra do amor e da misericórdia de Deus.
C: Ajuda-nos, Senhor!
L: Desperta em nós corações solidários, mentes e ouvidos abertos, para escutarmos permanentemente tua Palavra e torná-la viva em meio ao nosso povo.
C: Ajuda-nos, Senhor! E ajuda-nos a descobrir a doçura de tua presença e a companhia solidária de tua igreja. Porque cremos que tua Palavra é paz, justiça, igualdade, amor, disposição e contribuição. Amém.
Envio e bênção
L: Somos enviados para viver a verdade em função do bem e em amor tornar real o fato de que tanto o que tem como o que não tem recebem a provisão necessária para viver, porque Deus caminha conosco. De mãos dadas digamos:
C: Dá-me tua mão, irmão e irmã, eternos caminhantes, dá-me tua mão, quero acompanhar-te. Dá-me tua mão, irmã, em nosso caminho, dá-me tua mão, irmão, no perigo. Dá-me tua mão, fiquemos bem unidos, até podermos compartilhar com todos a paz. Dá-nos tua mão, irmão e irmã, para que juntos possamos partilhar o muito e o pouco. Dá-nos tua mão, irmão e irmã, para que no amor de Cristo possamos ir ao encontro das pessoas sem nenhum acesso aos meios básicos de subsistência e supri-las. Dá-nos tua mão, ó Deus, e protege nosso andar. Não nos deixe tropeçar. Não permita que nos tornemos mesquinhos, egoístas. Dá-nos tua mão e abençoa-nos, nosso Deus – Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
L: Que teus dias tenham paz e tuas noites merecido repouso; que não morram tuas esperanças nem se apaguem tuas ilusões; que sempre brilhe em teu céu a luz de mil sóis; que teus passos sejam firmes e tua mão sempre generosa para dar, que sejam claros teus pensamentos e nobres teus sentimentos; que possas sempre beber água fresca da fonte do amor de Deus e que nunca te falte o pão diário da imensa graça de Deus. Amém.
Bibliografia
BETZ, Hans Dieter. 2 Corinthians 8 and 9. Philadelphia: Fortress Press, 1985.
COMBLIN, José. Segunda Epístola aos Coríntios. Petrópolis: Vozes, 1991.
KISTEMAKER, Simon J. Segunda Epístola aos Coríntios. São Paulo: Ed.Cultura Cristã, 2004.
MARTIN, Ralph P. 2 Corinthians. Word Biblical Commentary. Waco (Dallas): Word Book Publisher, 1986.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).