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Prédica: Mateus 2.1-12
Leituras: Isaías 60.1-5 e Efésios 3.2-12
Autor: Sisi Blind
Data Litúrgica: Epifania
Data da Pregação: 06/01/2002
Proclamar Libertação – Volume: XXVII
Tema: Epifania

1. A caminho

O caminho se faz em forma de via. Caminho é estrada. Caminho é trilho e pode ser vereda. Caminho é o ato de transitar por espaços e lugares. Ir de um lugar para outro. Caminho é trilho para seguir um rumo. Falar de caminho exige verbo de ação: significa pôr-se em movimento. Caminho é espaço percorrido em direção a uma direção, com vistas a uma tendência.

Em nossa vida, passamos muitas vezes no mesmo caminho. No mesmo lugar. As mesmas paisagens, as mesmas ruas, as mesmas casas. Na repetição de caminhos cotidianos (o refazer de trilhos e veredas ), nossos olhos, nossa mente, nossos corações ocupam-se com diferentes dimensões. Mas, o que nos move pelos caminhos é a história que faz parte de nossa construção, de nosso contexto. O caminho de nossa história se faz ao caminhar.

Neste momento, tenho ao meu lado quatro exemplares do Proclamar Libertação, que já trabalharam o texto em questão, Mt 2.1-12 (Volume X, p. 193ss, Volume XVIII, p. 49ss, Volume XXI, p. 46ss, e o Volume XXV, p.74ss). Cada volume do PL contém um olhar diferenciado sobre o mesmo texto. Trata-se de descrições que enveredaram por caminhos distintos para dar fio e sentido a uma mesma história. Cada volume tem uma contribuição específica a respeito da viagem dos magos do Oriente e do caminho que vivenciaram até Jerusalém. Cada autor nos traz diferentes olhares, sentimentos, impressões e expressões, experimentados pela viagem por esse trilho. Essas contribuições também são dimensionadas pelo próprio e específico de cada autor no momento de sua vida e da bagagem de seus caminhos. É bom perceber que só houve reflexão porque alguém se pôs a caminho e porque no seu caminho aconteceram vivências que determinaram a forma de caminhar.

Assim se pode dizer que só houve Epifania/Revelação porque Deus se colocou a caminho. Porque no rumo de Deus outras pessoas também se colocaram a caminhar, enfrentando as incertezas, as alegrias e as agruras que apareceram. Convido para que passemos mais uma vez pelo caminho que os magos percorreram até Jerusalém. Proponho essa viagem no contexto de experiências e possibilidades que as caminhadas, com suas marcas do tempo, oferecem.

2. Por onde passa o caminho

O caminho que os magos trilharam sai do Oriente e vai para Jerusalém. Nesta viagem, analisaremos essa via, considerando o fio da história que marcou esse caminho. Durante mais de meio milênio, a terra de Israel viveu relativa autonomia política, inicialmente em forma de organização tribal, seguida pelo reinado. Foi sob o reinado de Davi que Israel atingiu seu auge, adquirindo a sua maior autonomia e extensão geográfica. Mesmo depois da divisão entre norte e sul, essa autonomia perdurou. Em 722 a.C., o reino do Norte é conquistado pelo Império Assírio. Os assírios vieram pelo caminho do Oriente para tomar posse da terra. Os mesmos assírios levaram – pelo caminho do Oriente – os desapossados israelitas. Desses exilados não sobraram notícias. Na seqüência histórica, depois de derrubarem os assírios, os babilônios também vêm com força total pelo caminho do Oriente e tomam o reino do Sul. Jerusalém é sitiada em 587 a.C. pelos babilônios. A população é levada para o exílio pelo caminho do Oriente. A sorte desses exilados do sul difere da sorte dos grupos deportados pelos assírios. Eles puderam permanecer em grupos, mantendo assim sua identidade religiosa e nacional.

Depois do domínio dos babilônios vem, do caminho do Oriente, o domínio persa e com ele a possibilidade de o povo voltar pela via do Oriente. Além de dar a possibilidade de voltar à pátria, o império persa concedeu a tolerância para a prática do culto/religião ao povo. Como nenhum império durou para sempre, também os persas foram perdendo forças. Assim, no fim do quarto século a.C., o Império Persa não teve recursos para resistir à força eruptiva do Ocidente. Assim, o Ocidente ocupou a via do Oriente, levando influências de cultura e forma de entendimento do mundo. Foi sob o comando de Alexandre Magno que a Palestina viveu as influências da cultura grega, entre os anos de 332 até 142 a.C. A morte de Alexandre, em 323, delimita a força desse governo, criando a possibilidade para outros grupos assumirem o poder nessa terra. Segue-se, pois, um período de divisão do reinado. Diferentes grupos assumem as diferentes áreas da Palestina. Destacamos: os ptolomeus, os selêucidas, os asmoneus… Entre os grupos ocorrem muitas batalhas pelo poder e domínio, estabelecendo-se sempre a lei do mais forte.

Em 63 a.C., é o Império Romano que estende a mão e toma posse, transformando a Palestina numa província romana. Não é pacífico o domínio romano, mas é sob esse império ao comando de Herodes que Jesus nasceu.

Este rei é conhecido por sua ambição, crueldade e maldade. Segundo o testemunho de Mateus e Lucas (cf. Mt 2.1 e Lc 1.5), Jesus nasceu nos dias do rei Herodes. O mando, a direção, portanto, vem do Ocidente no tempo do nascimento de Jesus.

Voltamos ao nosso caminho, que é a via do Oriente para Jerusalém e vice-versa. Por esse caminho passaram olhos fartos das riquezas tomadas e olhos inundados pela dor da derrota, da perda e da separação. Porém, antes do nascimento de Cristo, o caminho do Oriente não é mais a via por onde passam o poder e o domínio. A direção é outra. A via do poder vem agora do Ocidente.

Nos dias do nascimento de Jesus, na contramão da via do poder, o caminho do Oriente é novamente usado. Agora vem, como diz Mateus, “uns magos do Oriente para Jerusalém”. Eles passam por esse caminho que, ao longo da história, foi percorrido por tantos fatos. O propósito dessa caminhada é visitar o rei notificado pela estrela. O objetivo é a homenagem e reverência à promessa do Salvador.


3. Quem são os do caminho?

O texto de Mateus nos diz que são “uns magos”. Mago é o nome dado pelos babilônios, medos, persas aos sábios mestres, astrólogos (W. C. Taylor, Dicionário do NT grego). O texto não nos informa quantos são, mas nos dá certeza de que eles se colocam a caminho. O caminho que eles percorrem vem do Oriente. O que os leva a iniciar a jornada é uma esperança: desde o lugar em que estavam, os sábios astrólogos viram uma nova estrela. Esta estrela é carregada de significados, manifestando neles uma esperança. Para eles, a estrela é sinal de um evento novo. A estrela tem um significado especial, porque ela está ligada a uma história. Pela concepção histórica da época, as novas estrelas sinalizam o nascimento de novos reis. Nesse caso, a história, com certeza, estava ligada ao caminho de Jerusalém para o Oriente.

Os magos que se colocam a caminho atrás da nova estrela, em nossa opinião, podem ser da genealogia dos deportados. Sob esta hipótese, eles podem ser descendentes do povo israelita, que foi deportado para o Oriente sob o domínio dos babilônios. Justificamos nossa hipótese, lembrando que os babilônios permitiram que o povo de Israel vivesse em grupo. Com certeza, isso possibilitou a divulgação e a afirmação das crenças e esperanças desse povo, que, por sua vez, foram difundidas entre a descendência que fixou residência no Oriente. Essas esperanças têm “cheiro” e “cor” do passado. São vivências saudosas de quem vive longe de sua terra natal e tem lembranças de um passado glorioso. Essa nostalgia, portanto, está ligada à lembrança da glória de Israel sob o domínio do rei Davi. É preciso nascer alguém da linhagem desse rei, para que Israel seja restaurado.

Os magos que se colocaram a caminho eram conhecedores das crenças e esperanças messiânicas do povo de Israel. Quando surgiu a nova estrela, sua luz os remeteu ao rei iluminado. Essa luz é a nova esperança para Israel, pois ela está na linhagem da dinastia de Davi. Assim eles, os magos, são gente de esperança que se coloca a caminho. Um caminho despossuído de poder, mas que é carregado de esperança e de renovo.

Como estudiosos da astrologia, eles percebem a nova estrela. Ela é quem dá direção à caminhada. A nova estrela os guia pelo caminho. A via é do Oriente para Jerusalém. O caminho é correto, mas os magos erram o endereço, ao supor que o palácio é o berço do nascimento. Talvez esse erro manifeste-nos o desejo e a esperança deles. Eles vieram atrás de um grande rei. Porém, no palácio, quem manda não é da terra. Portanto, lá não está o rei que eles buscam. O poder está na mão de estranhos à terra; o rei é romano. A linhagem vem do Ocidente. No palácio está um rei ambicioso e cruel.

Os magos erraram o endereço. Mas não desistiram. Ao sair do palácio, a estrela os espera. É como se os seus olhos fossem abertos para a realidade da história. Dentro do palácio a estrela some, pois o poder a ofusca. Mas quando eles alcançam a saída, eles percebem que a estrela indica outra direção.

É importante ressaltar que a esperança daqueles caminhantes não se dissipou diante do erro. Eles sabiam que havia um rei. Era preciso procurá-lo. O fato de não tê-lo encontrado no palácio não os faz perder a esperança; pelo contrário, parece que foi um impulso para a perseverança na busca. Se Raul Seixas fosse contemporâneo dos magos, com certeza eles fariam coro cantando junto: Tente outra vez. Não diga que a canção está perdida, tenha fé em Deus, tenha fé na vida. Tente outra vez…


4. Perseverança no caminho

Havia palácio, mas lá não havia nascido nenhuma criança. Poderiam os magos ter desistido. Poderiam ter dado meia-volta e regressado ao caminho do Oriente, mas eles não se deixaram cegar pelas luzes do palácio. A esperança deles foi maior. Havia uma estrela. Havia, portanto, uma criança. Havia, pois, um rei! A certeza de que havia um rei recém-nascido os fez sair do palácio. Fora do palácio, longe do caminho do poder oficial, eles viram novamente a estrela. A mesma que os trouxera desde o Oriente. Ela os ajudou a chegar até o rei-menino. Agora eles sabiam que a direção dada pela estrela se contrapunha à direção do palácio. A direção dada pela estrela era avessa ao palácio. Assim, eles vão na direção contrária do poder. Assim como vieram na contramão da linha do poder, eles também seguem a estrela até a pequena Belém, pequena demais para figurar entre os caminhos do poder. É fora da lógica da dinastia humana que esses homens encontram a criança. É no caminho da contramão.


5. O caminho na contramão

Para andar na contramão, é preciso, entre outras coisas, de:
1. perseverança;
2. sabedoria;
3. paciência;
4. conhecimento;
5. coragem;
6. dedicação.


6. A fala para o caminho

É preciso criar com as comunidades a consciência de que o caminho dos magos é o caminho da esperança e do resgate. Por esse caminho passaram não só homens, mulheres e crianças, mas passaram também a resistência, a perseverança e a esperança.

Com os magos esse caminho foi feito pelo desapego e desinteresse. Sim, pois, se os magos fossem apegados ao poder e interessados em sua autopromoção, esse caminho teria como ponto final o palácio do rei Herodes. Como esse não era o objetivo desses caminhantes, eles chegaram até a pequena vila de Belém e alcançaram o lugar até então ignorado pelos cidadãos do mundo.

Só houve revelação para além das fronteiras da pequena Belém, porque alguns homens, peregrinos e desconhecidos colocaram-se a caminho. Um caminho não muito confortável e tampouco seguro, mas muito longo para ser caminhado.

Foram os de longe, consangüíneos ou não, os responsáveis pela visibilidade do novo nascido para além das fronteiras. Os magos, gente de fora dos horizontes religiosos da época, que testemunharam além-fronteiras o nascimento do menino Jesus, rei sem palácio. Esse testemunho manifesta que a vida e o amor são sinais visíveis quando nos apossamos do caminho na contramão.


Bibliografia:

BRAKEMEIER, Gottfried. O mundo contemporâneo do NT. São Leopoldo : Comissão de Publicações – Faculdade de Teologia, 1984.
CHRISTMANN, Nilo Orlando. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: Proclamar Libertação, volume XXV. São Leopoldo : Sinodal, 1999.
DREHER, Carlos. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: Proclamar Libertação, volume X. São Leopoldo : Sinodal, 1984.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao NT. São Paulo : Paulinas, 1982.
STEUER, Aline. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: Proclamar Libertação, volume XVIII. São Leopoldo : Sinodal, 1992.
WACHS, Manfredo. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: Proclamar Libertação, volume XXI. São Leopoldo : Sinodal, 1995.

Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia