Prédica: 1 Coríntios 11.23-26
Leituras: Êxodo 12.1-14 e João 13.1-7
Autor: Sílvia B. Genz
Data Litúrgica: Quinta Feira da Paixão
Data da Pregação: 28/03/2002
Proclamar Libertação – Volume: XXVII
Tema: Quinta-Feira da Paixão
1. Corinto
Em 44 d.C., Corinto foi reconstruída como colônia romana e repovoada com romanos, continuando a presença dos habitantes remanescentes com suas culturas e cultos. Também foram para lá outros povos, por exemplo judeus.
Corinto transformou-se numa das cidades mais importantes do Império Romano. Era muito movimentada, mas não é possível dizer o número exato de habitantes.
A cidade estava próxima de dois portos, que faziam a ligação entre o centro do império e a Ásia. O comércio era intenso, provavelmente localizava-se ali um centro financeiro do comércio antigo. Nos portos, os escravos carregavam mercadorias e empurravam navios. Havia muitos escravos, que nem eram contados como habitantes. A população era classificada entre livres, escravos e libertos. Havia ali todo tipo imaginável de profissões e categorias sociais: comerciantes, marinheiros, latifundiários da Grécia, funcionários públicos, industriais artesãos… libertos (antigos escravos que conseguiram liberdade), pobres e escravos. Podemos afirmar que Corinto estava dividida entre privilegiados e bem-alimentados (ricos) e trabalhadores escravos, esfomeados e cansados (pobres). Havia um abismo imenso entre ricos e pobres.
A religiosidade era muito fértil. Corinto era palco de um número incontável de cultos, religiões e templos. Existiam, lado a lado, divindades e cultos do mundo grego antigo, das religiões mistéricas egípcias e os cultos ao imperador. O Império Romano dominava e explorava em nome da religião; do imperador era considerado um deus.
A cidade tinha má fama. Falava-se em “viver como coríntio” para caracterizar a vida dissoluta que alguns levavam. Paulo fala forte sobre essa situação em 1 Co 6.
2. Comunidade cristã de Corinto
Paulo chega a Corinto pela primeira vez na sua segunda viagem missionária, em 49 ou 50 d.C. A partir de sua presença e com sua pregação nasce a comunidade cristã. Após a sua saída, os cristãos e as cristãs desse lugar, também os recém-convertidos do paganismo, viviam em meio à influência das culturas e religiões ali existentes, que eram numerosas. A comunidade sofria as conseqüências. Também sofria a influência dos adeptos do gnosticismo incipiente, que, entre outras questões, não cria na ressurreição do corpo (1 Co 15). Também o texto indicado para pregação, os versículos anteriores e posteriores, considerado como um todo por vários autores, enfatiza a preocupação de Paulo com o corpo todo, a vida das pessoas.
Os gnósticos viviam no domínio celeste e diziam ter alcançado a perfeição. Parte da comunidade de Corinto vivia sob esta influência e demonstrava sua fé de uma maneira auto-suficiente. Por isso, não havia uma preocupação com a situação social e econômica dos fracos, a forte crítica de Paulo em 1Co 11.17-34, com a celebração relacionada à fome dos empobrecidos. Este tema foi trabalhado pelo P. Dr. Romeu Martini em sua tese de doutorado, onde ele afirma, baseado em pesquisa, o seguinte: “Os acontecimentos da comunidade de Corinto chocavam-se com a posição de Paulo. Enquanto se articulava a expressão da fé de forma cada vez mais individualizada e a estratificação social crescia, as divisões (1 Co 1.10) e a falta de preocupação com os irmãos e irmãs que tinham fome (1 Co 11.21) aumentava. Paulo queria que a vida cristã contribuísse para a ‘edificação’ (1 Co14.12) do corpo comunitário. Para ele, a plenitude do Reino irrompido com Cristo ainda estava por acontecer. Mas a fé precisava ter expressão histórica, na forma da vivência comunitária. O símbolo-chave na resposta de Paulo é o do corpo: o corpo do indivíduo, o corpo de Jesus Cristo e a Igreja. Paulo queria ver a comunidade de Corinto unida, seus membros solidários uns com os outros. Deu ênfase à atenção para com os membros ‘mais fracos’, ‘menos dignos’, ‘que menos tinham’ (1 Co 12.24)”.
3. O texto e seu contexto
A mensagem evangélica anunciada por Paulo era conhecida pela comunidade de Corinto (1 Co 1.9). As celebrações eram participativas, e Paulo elogia a comunidade que lembra de sua mensagem e por conservar as tradições como ele as transmitiu (1 Co 11.2). Mas havia distorções: separava-se a fé da vida diária, não se viviam as conseqüências da fé para a transformação da realidade de opressão de irmãos e irmãs na fé.
O texto para a pregação está num contexto maior, que trata da relação conflituosa da comunidade (1 Co 11.17-34) na Eucaristia. Paulo quer que a comunidade de Corinto se recorde, ao celebrar a Ceia, da vida e da morte de Jesus Cristo (atualização do sacrifício solidário – cordeiro de Deus), esteja disposta a doar-se por inteiro até a morte e como conseqüência passe a praticar a solidariedade no corpo-comunidade. I. Foulkes diz: “A fé cristã permanece arraigada na história humana, ambiente em que Deus atua”. O passado histórico e concreto “na noite que foi entregue” e o futuro escatológico “até que ele venha”.
A comunidade se reunia para celebrar nas casas. Não sabemos quem presidia a celebração, mas era composta de dois momentos distintos, mas não separados. P. Martini afirma: a Ceia do Senhor é uma refeição durante a qual se realiza o ato (sacramental) que Cristo instituiu na Quinta-feira Santa.
A narrativa da ceia em 1 Co 11 é considerada a mais antiga. Paulo cita textualmente uma tradição de Jesus. A instituição da Ceia como ele a recebeu de Jesus. A ceia era uma tradição judaica – festa da páscoa, tradição assumida por Jesus. Ao se referir ao evento da noite da traição e da instituição “na noite em que foi traído”, Paulo reaviva o caráter histórico do Jesus crucificado: o Senhor Jesus tomou o pão – como o anfitrião fazia – e, tendo dado graças – a ação de graças é parte central da celebração judaica e resgatada por Paulo para reforçar o agradecimento por toda a ação de Deus até ali e que manifestou em Jesus Cristo. O Cristo eucarístico “isto (pão) é o meu corpo dado por vós”, “isto (cálice) é a nova aliança no meu sangue”. O pão e o vinho são o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. “Todas as vezes que o fizerdes… em memória de mim” para lembrar e experimentar a comunhão eterna com Deus. Lutero diz: podemos celebrar mais vezes e não estamos presos a um determinado tempo, como o cordeiro pascal dos judeus, mas sim quando e onde quisermos, de acordo com a oportunidade e precisão de cada qual. “Todas as vezes que comerdes e beberdes… anunciais a morte de Cristo até que ele venha.” A Ceia do Senhor é dádiva para o tempo da Igreja que se situa entre a ressurreição e a parúsia de Cristo.
A ceia antecipa a santidade da comunidade reunida = Santa Ceia.
Ela é expressão da comunhão com o crucificado e ressuscitado e a comunhão entre as pessoas como corpo de Cristo.
4. O pão – o corpo
O pão é obtido após um longo processo de trabalho: plantar, semear, colher, moer e prepará-lo. O pão é conseguido pela maioria das pessoas com muito suor, mas ele repõe as forças do corpo para produzir novamente o pão e normalmente mais do que se necessita para si só. Comer o pão refaz a vida do corpo do ser humano. Esta é a ordem natural da vida – tudo é dádiva de Deus. Mas a ordem natural é interrompida não pela falta de trabalho ou dificuldades da natureza ou por falta de sementes, mas pelo pecado. Falta o pão que mata a fome, que repõe as forças do corpo das pessoas, falta o pão para a vida, na realidade alguns tomam o pão de outros. Jesus Cristo, filho de Deus, deu a sua vida para o restabelecimento da ordem natural justa, igualitária. A entrega de Jesus é a passagem da morte para a vida. Na celebração da Quinta-feira Santa, Jesus antecipa a oferta da nova vida. Nós podemos celebrar, alimentando-nos do pão – Cristo, que é vida para mais comunhão entre irmãos e irmãs na comunidade.
5. Pregação – culto – Semana da Páscoa
Tema central: a Ceia do Senhor, última ceia de Jesus com seus discípulos. Ver em PL 24, p. 127-132.
Falta de partilha: pode ser um tema em nossa reflexão; é um tema conflituoso também em nossos dias, tão ou mais como foi para a comunidade de Corinto. Não podemos deixar de perceber a pobreza em nossas comunidades e a celebração lado a lado de pessoas que não querem compartilhar nada mais a não ser este momento da Ceia. O apóstolo Paulo retoma as palavras do rito da celebração, ele as reafirma, mas analisa antes a situação concreta de vida da comunidade. Numa citação em Schrage, Crisóstomo p. 229 diz: O Senhor deu o seu corpo de igual modo por todos, e os coríntios não conseguem fazer isso com o simples pão. A questão é atual para nós.
Podemos também levantar questões que nos separam como cristãos e cristãs na vida do dia-a-dia. Bom seria fazer isso em um grupo como equipe de liturgia, ou grupo de apoio ao trabalho pastoral, ou outro. Não deveria ser como acusação, mas, sim, uma busca de mudança na vida comunitária.
Este tema poderia ser trabalhado para a confissão de pecados.
Evangelho – o culto de Quinta-feira Santa não poderia deixar fora “o lava-pés”; este deixa claro o servir de Jesus. Jesus lava os pés de seus discípulos. O lava-pés como mandamento do amor – serviço. Lavar mutuamente os pés é verdadeira comunidade – comunhão.
Para maior aprofundamento no texto do Evangelho de João podemos ler PL X, p. 277-283.
A leitura do Antigo Testamento relata-nos a celebração da passagem da escravidão para a libertação, da passagem pelo deserto para a terra prometida, festa que acontece anualmente entre judeus. É durante esta que acontece a instituição da Ceia por Jesus Cristo. O texto nos leva à origem da festa da Páscoa.
Os três textos falam do servir em amor de Deus para seu povo.
Indico ainda uma sugestão de celebração para a semana da Páscoa em PL 24, p. 138.
Há uma proposta na revista TEAR, v. 1, nº 3, dezembro de 2000: “Os Três Dias da Páscoa”, p. 5.
O início das celebrações é na Quinta-feira Santa.
Bibliografia
BORTOLINI, José. Como ler a primeira carta aos Coríntios. São Paulo : Paulinas, 1992. (Como ler a Bíblia).
FOULKES, Irene. Problemas Pastorales en Corinto : comentário exegético-pastoral a 1 Coríntios. San José, Costa Rica, 1996.
LANG, Friedrich. Die Briefe an die Korinther. 7. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1994.
SCHRAGE, Wolfgang. Der erste Brief an die Korinther. 7. ed. Benziger / Neukirchener : Zürich/Neukirchen, 1999. (Evangelisch-Katholischer Kommentar).
Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia