Fortalecendo razões Cristãos não vivem no mundo etéreo, no mundo da Lua. A existência do/a cristão/ã acontece aqui, no chão deste mundo, onde se vive a humanidade na dimensão do pecado e da justificação. É para dentro dessa realidade de mundo que Deus constrói pontes para superar todo o tipo de distância. É neste mundo concreto que se tem fome de pão e também fome de Deus. Senhor, tu és o meu Deus, há muito que te procuro com grande ansiedade, assim exclama o autor do Salmo 63..
A constatação se repete. Vivemos em tempo de incertezas em toda a parte. A mutação na sociedade é constante e grande. O efeito dos temporais diante da ausência de critérios no mundo moderno se faz sentir. A carência de fundamentos estáveis e referenciais verdadeiros tem gerado sérios prejuízos à qualidade de vida e tem trazido desorientação tanto para as vidas individuais como à vida comunitária. O relacionamento do homem com seu Deus e o relacionamento entre as pessoas tem experimentado toda sorte de desacertos.
O ciclone, quando se abate em determinada área geográfica, deixa rastros de destruição, permanecem casas arrasadas, placas atiradas no chão, folhas espalhadas pelo vento, árvores derrubadas, deitadas sobre a terra, raízes à vista.
Jardineiros ficam extremamente preocupados com as raízes da árvore arrancada pelo vento forte, raízes expostas à flor da terra, retorcidas e machucadas. Será que resistirão? O tronco ameaçado permanecerá com vida? Voltará à árvore semidestruída o efeito da sombra que traz alento ao migrante e descanso ao caminheiro fatigado? Os pássaros em revoada poderão aninhar-se de novo nos galhos da árvore frondosa?
Observamos que os valores da vida e do convívio humano colocados em xeque, a vaidade e as ambições, a ausência de um norte orientador na vida, a queda de balizas que dão segurança e indicam o bom caminho sinalizam a complexidade e a superficialidade da existência humana. Diante dos temporais, o ser humano almeja caminhos seguros, estáveis, de base sólida. Como a terra seca do sertão à espera da chuva, todo o meu ser anseia por ti, Senhor, sublinha a confissão de fé no Salmo 63.
Numa das suas falas, em figuras, Jesus Cristo previne do perigo vivido pela semente que brota rápido, mas seca logo, sufocada pelo inço e por causa da falta de raízes. A escola da fé é atual. É como a árvore; árvore que estende as suas raízes na obscuridade até a fonte das águas. Busca ali, no encontro com o lençol de água, a umidade e o alimento necessário para expandir-se, crescer, produzir frutos.
Criar raízes é trabalho bem humilde. Em latim a palavra humilis, humilde, vem de humus, terra. Relacionamos o termo homo, homem sendo criatura nascida de terra. Sua relação íntima com a terra vem desde o testemunho da criação: o ser humano, barro, que se torna alma vivente (Gênesis 2).
Tirar lições para a vida: eis uma atitude responsável. Desenvolvemos tecnologias avançadas, criamos sistemas sócio-econômicos complexos, mas afugentamos do mundo moderno a sabedoria. Como aquelas palavras sábias que encontramos na escola do profeta Isaías, cap. 50. 4-5: Todas as manhãs Deus me desperta, desperta-me o ouvido para que eu ouça como os eruditos e o ouça como se ouve a um mestre.
A fé não se assemelha ao sentimentalismo medíocre e superficial. A fé das pessoas cristãs é simples e sem complexidade. Aliás, o Deus dos cristãos é infinitamente simples. A simplicidade da fé fundamenta a existência fraterna, repleta de sentido, liberta-a para que seja vida rica em frutos, motiva-a a ser fé prática e ativa.
Cabe ao cristianismo interpretar melhor qual é a missão de Deus e compreender melhor o mundo sendo lugar da missão.
A clareza no tocante à identidade do ser humano não decorre de comparações efetuadas entre os humanos e as criaturas existentes no mundo animal ou vegetal. A essência da nossa identidade cristã remonta à vocação divina. Fomos chamados por Deus. Através do ato batismal, Deus nos concedeu uma nova identidade. A vocação divina faz com que o ser humano se diferencie de todas as demais criações.
O Evangelho de Jesus Cristo capacita-nos a olharmos a realidade com outros olhos. Somos instrumentos da reconciliação profundamente enraizados no amor de Deus. Enfim, é preciso fortalecer raízes a serviço da saúde da árvore da fé, neste mundo que é de Deus!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal ANotícia – 19/07/2002