Eis aí um tema fundamental a direcionar o testemunho e a ação que identificam a confissão cristã luterana. Na realidade, um assunto polêmico, repleto de expectativas, um tema incômodo, comprometedor e muitas vezes indesejado por aqueles setores e representantes da sociedade que não suportam viver num mundo livre, garantido pela justiça e fraternidade. No continente latino-americano esse tema continua sendo centro de atenções para quem acredita numa vida e num convívio sem dominação, sem exploração e sem perseguição. Tanto na sociedade como na instituição Igreja o eixo da liberdade está desajustado e distante..
A Aliança da Liberdade é promovida pelo Evangelho de Jesus Cristo. Para pessoas cristãs, a liberdade não é nenhum dilema – é antes uma oferta especial que condiz com a atitude de Deus. O Deus dos cristãos não conflitua com a liberdade. Nosso Deus e a liberdade se integram. Ser livre é valor fundamental que identifica todos/as os/as cristãos/ãs e norteia as ações da fé e da ação cristã. A linguagem da liberdade é a linguagem da comunidade cristã. O apóstolo Paulo vê na manifestação do poder da lei uma grandeza que nos faz descobrir o peso do pecado humano, tanto os desacertos na vida particular como no relacionamento interpessoal. Assevera o apóstolo que a lei põe a descoberto o poder do pecado e a realidade da morte como sua conseqüência. O apóstolo Paulo insiste que o poder da lei, a serviço da dominação, não está com a última palavra.
A ressurreição de Jesus Cristo efetuada por Deus nos traz uma nova esperança. A Páscoa torna-se o grande referencial do Evangelho à prática da liberdade. Se fizermos uma verificação para avaliar o que é ser cristão e o que dele se espera, obtemos, tantas vezes, respostas que indicam negações e apontam para atitudes legalistas. Diz-se que o cristão não tem vícios, não protesta, não é rebelde, não se conduz inconvenientemente; ele não desperdiça o dinheiro e nem o seu tempo. Em suma, cristãos deixam de fazer aquilo que talvez gostariam de fazer, mas que por força da lei não fazem. No mundo eclesial não é difícil observar que listas com regrinhas do tipo tu deves ou não deves obtém preferências e ouvidos atentos.
Essa visão do exercício da fé cristã, pela via da negação, impede que cristãos sejam considerados pessoas livres. No mundo moderno, os movimentos de libertação querem promover a liberdade frente a todo o tipo de jugo e opressão, por isso exigem também liberdade frente à religião. À medida que pessoas descobrem a presença do seu Eu e das próprias potencialidades, elas jogam fora o manto religioso da obediência cega, manto que até então lhes dava proteção. Tornam-se pessoas motivadas a desfazer-se das correntes que atrapalham o caminho rumo à liberdade e à verdadeira alegria do ser humano. Liberdade cristã nada tem a ver com o anseio de se ver livre de algo ou de alguém, não é sinônimo de libertinagem nem de desordem. Para o Evangelho, a liberdade não é só um desfazer-se das correntes que aprisionam o ser humano. O apóstolo Paulo interpreta a fé em Jesus Cristo sendo atitude fundamental no exercício da liberdade cristã. Para ele, o Evangelho, na sua totalidade, é mensagem de liberdade. Na carta aos Gálatas, no capítulo 5, o apóstolo assim se expressa: Para liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão.
A comunhão que Deus cria, a partir da fé, semeia dentro dos seus filhos e das suas filhas a semente da liberdade. É preciso aprender a linguagem da liberdade. Ela encoraja outras pessoas à fé e liberta à prática do amor. Verdadeira liberdade acontece na comunhão com o próximo onde se desfaz a suspeita de que o outro é o eterno inimigo que precisa ser derrotado. É liberdade que se concretiza através do serviço mútuo, da capacidade de ouvir, aceitar e de debater em conjunto. É vida nova que gera alegria. É nova criação comprometida com a aceitação do/a pequenino/a irmão/ã, compromisso que se traduz mediante o perdão, o amor e a solidariedade. O caminho da liberdade cristã, sinal da nova criação, passa pela cruz de Jesus Cristo. É liberdade que não passa pelo poder daqueles que dominam o mundo e tendem a olhar de cima.
Martin Luther, o reformador da Igreja no século 16, definiu o conceito de liberdade cristã da seguinte forma: o cristão é livre senhor sobre todas as coisas e não está submisso a ninguém pela fé. O cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos pelo amor. No mundo moderno, onde a escravidão do individualismo e do egoísmo continua bem presente, é tarefa da Igreja cristã testemunhar a Aliança da Liberdade baseada no Evangelho.
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal ANotícia – 30/08/2002