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Avante* os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados
(Mt 5.6)

Frei Jacir, pesquisador católico da Bíblia, afirmou numa palestra do Projeto Sexta Cultural, na Igreja da Paz, que a palavra hebraica para esmola tem sua raiz na palavra justiça. Quando, na época de Jesus, um/a empobrecido/a gritava pelas ruas ‘uma esmola, pelo amor de Deus’ todos entendiam ‘façam justiça, pelo amor de Deus’. Na época de Jesus, a cena de um/a empobrecido/a pelas ruas da cidade era um retrato da injustiça da sociedade. ‘Dar uma esmola’ significava, então, reconhecer a parcela pessoal de culpa na injustiça gerada e restaurar justiça na sociedade.

Há, hoje em dia, muita gente que ‘dá esmola’. Há muita gente que de fato se apieda de nossos/as irmãos/ãs empobrecidos/as. Quantos de nós vêem esse/a irmão/ã como um/a injustiçado/a? Quem se vê como promotor/a de justiça na sociedade ao ‘dar uma esmola? Provavelmente nunca pensamos assim! Geralmente entendemos ‘esmola’ como uma bondade nossa, um desencargo de consciência, uma pena pela dor alheia, um temor de perder a salvação se não ajudarmos um/a ‘pobre’, etc., etc. Há mudança, porém, quando a nossa igreja, a IECLB, e a nossa comunidade, através das ações da Instituição Beneficente Martim Lutero (IBML), abraçam o tema ‘diaconia’. Diaconia é ‘serviço ao próximo’ e não significa ‘dar esmola’, mas ‘fazer justiça’ e restaurar as relações na sociedade.

Na recente eleição presidencial, 61% dos/as eleitores/as brasileiros/as elegeu um homem que veio da miséria, da pobreza, do operariado, ‘de baixo’, um ‘da Silva’. Mais que ‘voto de protesto’ é possível que esteja aí um anseio do povo brasileiro: uma vontade de fazer justiça! E certamente não se trata de fazer justiça ao eleito, mas a uma parcela considerável da população brasileira privada da satisfação de necessidades básicas. Elegendo alguém identificado com as demandas represadas de parte expressiva da população, estamos reconhecendo que não é mais suficiente repartir o que nos sobra, os restos, a ‘esmola’. É preciso ir além e fazer justiça. Nós brasileiros estamos dizendo que temos fome e sede de justiça.

Entretanto, como diz o texto do Evangelho de Mateus citado acima, não se trata de uma espera passiva pela justiça. Ao dizer AVANTE**, Jesus nos anima a nos colocarmos ‘em marcha’, ‘em movimento’ em direção à justiça que queremos. Eleger, por exemplo, um presidente identificado com as demandas dos/as empobrecidos/as não transforma automaticamente ou magicamente as relações injustas acumuladas por séculos nesse país. Termos uma IBML não resolve instantaneamente as feridas afetivas abertas no transcorrer de gerações. Nada nos autoriza a cruzarmos os braços e esperarmos que a justiça seja feita. Uma sociedade mais justa é sonho coletivo e não um programa de governo. Nós precisamos ansiar, desejar, ter fome e sede de uma sociedade mais justa para que ela se torne realidade, para que sejamos SACIADOS/AS.

Avante, irmãos e irmãs, e que Deus nos conceda a sua graça.

P. Dr. Valério G. Schaper

* Um pesquisador da Bíblia chamou atenção para o fato de que Jesus, por falar aramaico, teria com grande probabilidade usado uma palavra – como essa acima – que teria mais o sentido de estímulo à ação do que uma – como bem-aventurado – que indicasse uma recepção passiva de uma graça futura