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Na quarta-feira de cinzas, iniciou-se o período da Quaresma. De onde vem esse costume de um período de quarentena (40 dias) antes de Páscoa? Desde o século IV d.C., era costume batizar as/os cristãs/ãos no domingo de Páscoa, domingo da ressureição. Para o batismo, as/os aspirantes ao cristianismo passavam por um período de preparação de 40 dias, contados a partir do domingo de Páscoa. Durante esse tempo, elas/eles meditavam, oravam, jejuava, abstinham-se de festas, etc. Era um tempo de preparação para as/os primeiras/os cristãs/ãos.

Jesus também retirou-se para o deserto por 40 dias e 40 noites, ainda que depois do batismo (Lc 4.1-13). Também Jesus teve sua quarentena, sua quaresma. Nessa história de Jesus, ficamos sabendo que, no deserto, Jesus passou por tentações. Ele foi provado. Quaresma, então, é também tempo de provação.

Provação, por um lado, é deixar-se provar, deixar-se conhecer, ouvir a voz interior, ouvir o som do silêncio. Provação, por outro lado, é deixar-se provar, é conhecer e distinguir as vozes do mundo e suas propostas. Provação é expor-se à tentação e resistir. Provação é, na verdade, ter coragem de enfrentar as tentações que vêm do nosso íntimo e do mundo exterior.

Temos de dificuldade em silenciar, ouvir nossos próprios pensamentos. No fundo, temos medo dos nossos pensamentos, pois nos mostram como somos. As vozes do mundo, com certeza ouvimos. As vozes do mundo soam tão sutis, sedutoras, suaves aos nossos ouvidos que nos parecem tremendamente verdadeiras. Normalmente, as vozes do mundo soam tão doces ao nossos ouvidos porque já não se distinguem dos nossos pensamentos. Ouvimos as vozes do mundo, mas não sabemos distinguir pois, de uma forma diabólica, ela também já não se distingue mais da voz dos pensamentos. Por isso, Jesus ensinou a orar: não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal (Mt 6.13

A Quaresma é, então, tempo oportuno para encontrarmos nossa voz interior, nosso equilíbirio, nossa orientação. A essa voz interior damos o nome de CORAÇÃO. Para nós o coração é o centro das emoções. As emoções mais profundas de ódio ou amor passam por ele. Ele é uma espécie de filtro do que vai nas nossas mentes, nas nossas intenções. Entretanto, nosso coração nem sempre consegue cumprir seu papel de ser um ponto de equilíbrio de nossas intenções. Nem sempre ele consegue trazer com pureza a nossa VOZ INTERIOR.

Há comportamentos nossos que já estão tão enraizados que nosso coração não consegue mais detê-los. O coração vai ficando tolerante com esses comportamentos. Aprendemos com o tempo a silenciá-lo. Ele torna-se tão submisso que simplesmente aprova tudo o que fazemos. Nosso coração não nos condena mais, não nos questiona mais. Não sentimos mais aquele tremor diante de uma pessoa em sofrimento, diante de uma situação de desgraça. Nesse caso é comum que se diga que temos coração de pedra. O coração não reage mais diante dos sofrimentos alheios. Quando isso acontece, perdemos parte de nossa humanidade, perdemos algo daquilo que nos faz imagem de Deus (1 Jo 3.17). Nesse caso, só nos resta pedir incessantemente a Deus: Ó Deus, cria em mim um coração puro (Sl 51.10).

Outras vezes nosso coração nos condena em tudo. Nosso coração não nos dá paz. Nós nos tornamos pessoas insatisfeitas, pois ele está nos cobrando a todo momento uma atitude, uma posição diante das coisas e dos fatos. Ele exige que nossas ações seja norteadas por uma pureza total. É possível que nesse caso nosso coração assimilou tanto a lei que, em vez de nos ajudar e nos orientar, nosso coração torna-se um carrasco legalista. Ele não é mais movido por sentimentos e intenções verdadeiras, mas por leis rígidas que lhe foram impostas. Ele funciona como uma máquina de calcular: isso é certo e isso é errado; faça isso e não faça aquilo. Nosso coração parece cobrar de nós uma perfeição que não podemos alcançar. Ele não nos orienta mais a agir por amor, mas nos torna escravos de preceitos, de normas, regras, de leis.

Nosso coração é nosso ponto de orientação no amor a Deus e ao próximo. Se ele está tão relaxado que não nos faz mais ouvir a nossa voz interior ou está tão enrijecido pela lei que não cessa de impor comportamentos, ele não nos orienta mais.

Que o período de Quaresma seja uma oportunidade para essa preparação que envolve a provação. Que nos deixemos provar para recuperarmos nossa voz interior, nosso coração. Se porém, sairmos dessa experiência pesados ou carregados de culpa ou condenação, vale lembrar aqui o que encontramos em 1 Jo 3.20: Se nosso coração nos condena, sabemos que Deus é maior do que o nosso coração. Não sucumbiremos na provação nem na tentação do tempo de Quaresma. Esse é sentido do domingo de Páscoa para onde a Quaresma aponta: DEUS É MAIOR QUE O NOSSO CORAÇÃO.

P. Dr. Valério G. Schaper

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