Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá
(Apocalipse 21.4)
Estamos a todo momento convivendo com a morte. Ela é sofrida por pessoas comuns e por gente importante, que já galgou degraus na pirâmide da fama. Cruel em todos os casos, ela é mais sentida quando resulta da violência urbana do dia-a-dia, especialmente a das grandes metrópoles, ou na forma de doenças fatais, desenvolvidas a partir da fragilidade física de quem está exposto ao estresse, acentuado em épocas de crise econômica aguda, como a atual.
Na maior parte das circunstâncias isso acontece com outras pessoas, desconhecidos a respeito de quem apenas lemos as notícias. Outras vezes, a insensibilidade natural de quem vive no Grande Rio – uma megalópole de mais de quase 10 milhões de habitantes – é quebrada com a perda de pessoas queridas, da nossa família, de amigos próximos e de famílias da nossa comunidade, provocando além de dor, sofrimento e saudade, a surpresa de que a morte atinja também a nós.
Abalados, tristes e sem respostas que aplaquem nossa dor, nos sentimos num vale de lágrimas, uma situação de sofrimento contínuo que por vezes nos leva ao desespero. Essa também foi a situação vivida pelas comunidades da Ásia Menor, às quais João dirigiu o seu “Apocalipse”, procurando aliviar seu sofrimento com uma palavra de consolo e esperança em meio à dor.
Essa palavra consola porque chorar a perda de um pai, um irmão ou uma filha é profundamente sofrido. Já ouvi mães dizendo que não tinham mais lágrimas para chorar. Diante da dor não valem as explicações lógicas, apenas o calor humano que ajuda a enfrentar a perda do ser amado. Só assim nos sentimos irmãos uns dos outros e filhos do mesmo Pai. “O coração conhece razões que a própria razão desconhece. E é o coração que conhece a Deus”, disse o matemático Blaise Pascal.
Embora a promessa de João diga respeito a uma esperança a ser construída, como um tecido, fio a fio, o esforço para testemunhar em meio ao drama urbano é ao mesmo tempo um desafio, especialmente para uma Igreja tímida, cujo espaço que ocupa na mídia por vezes se resume a uma linha de catálogo telefônico gratuito. Isso exige tanta energia para apenas subsistir, que por vezes nos tira a visão do conjunto. Vivemos o dilema de a um só tempo ser comunidades com pessoas que sofrem e que precisam se abrir cada vez mais às pessoas que buscam comunidades que lhes enxuguem as lágrimas.
Essa promessa, dirigida a comunidades débeis cuja esperança se baseava num fundamento frágil, Jesus Cristo, lhes deu condições de enfrentar a perseguição atroz, sobretudo a do imperador Domiciano, e inspirou os primeiros teólogos cristãos, chamados Pais da Igreja, a buscarem um fio que amarrasse a esperança a partir de coração quebrantados pela dor. Foi Tertuliano, um dos que primeiro pensou a fé do povo do caminho, que disse: “o sangue dos cristãos é como semente. Quanto mais é derramado, mais cristãos aparecem”.
O sofrimento do nosso povo é um bom motivo para insistirmos em ser Igreja na Cidade. Pela fé no Senhor que nos chamou a viver a vocação de nosso chamado como cristãos, não desistamos de nutrir essa “comunhão dos santos”, que o terceiro artigo do Credo Apostólico diz que surge pela força do Espírito Santo e que se chama Igreja. Faremos isso ao assumir e enfrentar as dificuldades que temos de acolher as pessoas, especialmente os diferentes, que nos assustam, com quem não queremos estreitar laços.
A promessa de enxugar lágrimas, atribuída a Deus, não diz respeito apenas às nossas lágrimas, mas a de toda uma gente. Nossa tarefa, que o evangelho nos impõe, é ser comunidade que acolhe o que é diferente de nós, de outra etnia, cultura e situação sócio-econômica. Quando a população das cidades do Grande Rio descobrirem que as comunidades evangélico-luteranas abrem suas portas aos que têm lágrimas a chorar, nosso sofrimento será menor e a palavra do evangelho como serviço ao seu povo será maior. Que assim seja!
P. Antônio Carlos Ribeiro