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O político e filósofo alemão Carl. F. von Weizsaecker, identificado com os fundamentos da fé cristã, afirmou com muita propriedade que a mais profunda experiência do homem não é o homem, mas Deus..

Face ao momento conjuntural em nosso País, onde se misturam a realidade miserável cotidiana e os sonhos de uma nova sociedade somado ao quadro desumano de uma injusta e cruel Guerra pondo em perigo milhares de vidas humanas, além dos frutos de uma cultura milenar na antiga Mesopotâmia, hoje Iraque, sentimo-nos desafiados a refletir sobre o perfil antropológico. Em meio às muitas vertentes culturais, filosóficas e religiosas, seguimos em busca de definição a respeito do valor da pessoa humana.

A diversidade de perfis que a sociedade desenhou sobre a existência do humano impede que elaboremos definições precipitadas no tocante ao valor compatível com o ser humano. Há dificuldade para consensuarmos critérios que possam determinar, com exatidão, a postura ética humana, tratando-se de relacionamentos, liberdade e sexualidade, do desempenho da autoridade e da organização política e econômica. Na sociedade atual, a dignidade humana é fundamentada nas qualidades que lhe são inerentes, tais como a razão, seu potencial de comunicação e de linguagem, seus interesses, sua produtividade e seu senso de responsabilidade.

Conforme o jeito luterano de pensar, destacamos que o Evangelho de Jesus Cristo atribui dignidade humana, exclusivamente, à graça de Deus. A minha graça te basta, assim foi o anúncio que o apóstolo Paulo ouviu em razão das suas lamúrias perante Deus.

Os momentos mais extremados e preocupantes da vida, por exemplo, no sofrimento, nas dores, assim como as experiências de derrotas, tornam a vida especialmente vulnerável. Sucumbindo diante das próprias limitações, os humanos indagam o que ainda se pode esperar da vida. A convicção de que a valorização da vida é concessão da graça divina nos anima ao inverso. O poder da graça nos faz perguntar: O que a vida, símbolo da criatividade de Deus, espera da pessoa humana? O ser humano ambiciona a autoglorificação. No tempo da Quaresma, espaço de lembrança da paixão e da fragilidade do Filho de Deus, é colocada a descoberto toda a nossa insuficiência e carência. A ajuda verdadeira vem de fora. O caminho da salvação é iniciativa de Deus, é graça, é oferta de reconciliação, peça fundamental no mosaico salvífico de Deus.

O grande valor humano não é direito conquistado ou merecido. A nova identidade é atribuída, oferta gratuita do autor da salvação, Jesus Cristo. A imagem de Deus, perdida no Jardim do Éden, foi devolvida na cruz e na Páscoa. A grande novidade do Evangelho é esta: todo o desejo de auto-suficiência, a necessidade de vivermos a qualidade de super-homens capazes de atos heróicos se tornam inviáveis face à história que Deus faz conosco. Essa história, tão adversa às tentações humanas na sociedade moderna, nos ensina que vida realizada é a existência aberta à história de Deus, encarnada em Jesus Cristo. Um presente que nos deixa muito à vontade para colocarmos em prática o bem e a solidariedade neste mundo, onde o pecado individual e social gera desumanidade, e a dignidade humana é pisoteada com tanto desrespeito.

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal ANotícia – 11/04/2003