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Esperanças, desejos, temores, raiva, preocupações, saudades, o que acorda em nós, lembranças boas e ruins, quando lemos ou ouvimos a simples palavra “Família”?

Não gostaríamos de viver sozinhos e provavelmente, com o passar do tempo, nem o conseguiríamos. Necessitamos de pessoas do nosso lado nas quais confiamos e com as quais podemos nos abrir; pessoas que nos acompanham, nos apóiam e que, de vez em quando, literalmente nos carregam; pessoas que estão presentes, sem grandes questionamentos; pessoas que nos compreendem, que conhecem nossas histórias de vida. Fundar ou ter uma família é o maior, senão um dos maiores anseios, que jovens expressam quando questionados sobre seu futuro.

A realidade, no entanto, é muitas vezes bem diferente do que as expectativas em nossos altos sonhos. Não poucos abandonam suas famílias biológicas e tentam sua sorte em uma nova família. Decepções, esperanças destruídas, confianças que não podem ser readquiridas nas pessoas. A lista das experiências negativas com a “Família” é tão longa quanto à dos desejos e esperanças.

Como cristãos, nos atrevemos então, de forma bem geral, a comparar a comunidade com uma família. E em cada batismo dizemos: “você será recebido na grande família dos filhos de Deus!”

Por um lado, posso compreender que isto nem sempre é um atrativo para todas as pessoas. Experiências ruins, uso da força, castigo, desconfiança, aborrecimento com os pais e/ou irmãos, relações destruídas, “guerrinhas” do dia-a-dia para saber quem tem razão. Existem experiências que fazem com que a nossa vida em família, e também em Comunidade, se torne desagradável.

Por outro lado, a (con)vivência em uma família tem infindáveis vantagens, que não são conquistadas em nenhuma outra coletividade de forma tão evidente como é o caso em uma família, ou que pelo menos poderiam ser.

Na família me sinto em casa, faço parte, tenho meu lugar para viver e posso me desenvolver com minhas habilidades e dons. Sou filho dos meus pais e assim permanecerei, mesmo quando eu envelhecer e eles já tiverem falecido. Recebo subsídio para viver, sou aceito, amado, tenho um porto seguro, coisas que em outras coletividades têm de ser construídas conscientemente e com muito esforço.

Acredito que é esta filiação firme e imperdível que faz com que a família seja tão atrativa, possibilitando liberdades que nós valorizamos, mas que, de vez em quando, também nos fazem sofrer. Filhos saem de casa, trilham seus próprios caminhos, muitas vezes não aqueles que os pais desejaram para eles, mas permanecem filhos; eles continuam pertencendo àquela família, mesmo quando, de forma consciente e decidida, eles negam esta filiação.

No que diz respeito à família cristã, isto pode significar que nem sempre ficamos assustados quando pessoas se afastam e tentam “sua sorte” em outros lugares, ou quando surgem idéias que ainda não haviam sido pensadas ou colocadas em prática. Faz parte da vida que ela não seja estagnada, que seja dinâmica, também na vida comunitária.

Mas como é expresso no batismo, a filiação na grande família dos filhos de Deus não se perde e, muitas vezes, as pessoas, após um período de procura, reencontram seu lugar e se enquadram, com um entusiasmo ainda maior, e não imaginado anteriormente, na sua Comunidade.

A Comunidade Cristã: uma Família! Para mim significa ter um lugar para onde eu possa ir sempre; encontrar pessoas que estão a caminho, na mesma direção; estar em conjunto à procura do sentido da vida e do melhor caminho para toda a sociedade. Que não se saiba desde o início “para onde é a viagem”, faz com que ela se torne emocionante e desafiadora. Em uma família também, nem todos são da mesma opinião, o que é bom e positivo.

A Comunidade Cristã como uma família significa, antes de tudo, que existe esta grande e indestrutível coletividade que ajuda a transpor as tensões existentes, a filiação e a fé em Deus.

Bom, que tudo isso não deva apenas ser dito e em que devemos apenas acreditar, mas que, como em famílias normais, exista um lugar da certificação da filiação: a Santa Ceia.

Assim como o tamanho e a diversidade de uma família se mostra ao redor da mesa posta de forma festiva, experimentamos a filiação à família dos filhos de Deus no grande circulo em volta do altar. Ali todos se reúnem, sejam idosos, jovens, negros ou brancos, marrons ou amarelos; tristes ou felizes.

“Vocês são minha família!” diz Jesus, olhando seus discípulos (Marcos 3.31-35), e convida desta forma a coletividade instituída pelo próprio Deus a preenchê-la com vida.

Vamos simplesmente tentar sempre de novo: Ser uma Comunidade de pessoas que, mesmo com toda a diversidade e contrastes, se aceita e se compreende.

P. Gert Müller