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Prédica: Lucas 24.44-53
Leituras: Salmo 110 e I João 3.1-2
Autor: Erní Walter Seibert
Data Litúrgica: Ascensão de Nosso Senhor
Data da Pregação: 29/05/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema: Ascensão

l. Introdução

A ascensão de Jesus é uma das histórias bíblicas cada vez menos conhecidas do grande público. Num passado não tão distante, em cidades com forte influência protestante, a ascensão de Jesus era comemorada como feriado. Hoje, é rara a menção da data em algum lugar de destaque.

Mesmo na Igreja, muitos não sabem exatamente o que celebrar neste dia. Por que celebrar a ascensão de Jesus? Que significado tem este dia para a fé cristã? O estudo do texto bíblico em foco pode nos ajudar a dar uma resposta a estas perguntas.

O relato da ascensão de Jesus, além de constar no Evangelho de Lucas, aparece no Evangelho de Marcos 16.19 e no livro de Atos 1.9-11. Lucas utiliza o mesmo evento da ascensão para concluir o seu Evangelho – em que conta a vida de Jesus – e para iniciar o livro de Atos – em que conta o início da história da Igreja. Este dado fornece-nos a perspectiva com que o evangelista aborda este evento. Encerra-se a missão de Jesus na terra e inicia-se o trabalho de Jesus no céu e a missão da Igreja, numa nova perspectiva, na terra.

Também o Evangelho de João faz menção à ascensão de Jesus. Neste Evangelho, a ascensão é apresentada sempre de forma profética – como algo que estava previsto acontecer com Jesus (João 6.62; 14.2, 12; 16.5, 10, 17, 28; 20.17).

2. O texto e seu contexto

O evangelista Lucas interpreta a ascensão como sendo um evento que distingue dois momentos da história da salvação. Até a ascensão, uma série de eventos deveria acontecer com Jesus para que se cumprissem as Escrituras. Após a ascensão, a ação de Jesus no mundo se daria de outra maneira. Ele estaria no céu, junto ao Pai, intercedendo pelos cristãos. O Espírito Santo estaria acompanhando a Igreja na terra em sua atividade de testemunho.

O autor de Hebreus menciona a ascensão para encorajar e animar seus leitores quando estes estiverem desfalecidos (Hebreus l.3; 4.14; 9.24). O fato de Cristo ter subido aos céus é garantia de que temos um Salvador que pode e quer nos ajudar. Podemos confiar naquele que está assentado à destra do Pai.

Portanto, o episódio da ascensão, na Bíblia, é utilizado para encorajar os cristãos na sua atividade de testemunho e para consolá-los nos momentos difíceis. Crer que Jesus subiu ao céu serve para animar as pessoas cristãs a falarem do Salvador e para dar-lhes a certeza de que a vitória foi definitivamente conquistada por Jesus Cristo.

3. O texto do Evangelho

O texto do evangelho deste dia pode ser subdivido nitidamente em duas partes. Os versículos 44 a 49 apresentam a fala de Jesus, na qual ele abre o entendimento dos discípulos sobre todos os acontecimentos que envolvem sua vida, paixão, morte e ressurreição. Os versículos 50 a 53 apresentam o evento da ascensão propriamente dito. A primeira parte do texto é uma breve interpretação da vida de Jesus numa perspectiva de continuidade da história. A segunda parte apresenta os acontecimentos que fazem a transição entre o fim da presença física de Jesus entre os discípulos e o começo da história da Igreja como anunciadora do Jesus Cristo, Salvador da humanidade.

A fala de Jesus é densamente teológica. As palavras utilizadas são ricas em conteúdo. Ele apresenta resumidamente o cânone do Antigo Testamento (Lei de Moisés, Profetas e Salmos – as Escrituras). Além disso, mostra a perspectiva da história da salvação ao falar no Cristo – Messias. Dá uma ideia da missão da Igreja como pregadora do arrependimento para remissão de pecados a todas as nações em nome de Jesus. Fala na promessa do Pai e no poder que seriam enviados sobre os discípulos. Todos estes termos são ricos em conteú¬do teológico.

A descrição da ascensão em si não recebe tanta atenção. Ela é o acontecimento central da segunda parte do texto. A ascensão é descrita como um momento de enlevo para os discípulos. Não há nada que descreva espanto, desorientação ou medo. A reação dos discípulos é de alegria e louvor a Deus. Eles pareciam compreender perfeitamente o que estava acontecendo.

4. O objetivo do texto

A intenção de Lucas, ao colocar a narrativa da ascensão como conclusão do texto de seu Evangelho, é bem clara. Ele apresenta a razão da vinda de Cristo e a perspectiva para a vida dos discípulos a partir da sua subida aos céus. Os discípulos podem se dedicar com alegria e confiança à obra que Deus lhes confiou, pois a salvação que o Messias veio trazer foi concluída com êxito e as promessas de Deus cumpriram-se e continuarão se cumprindo. Em resumo, o que Lucas diz é o seguinte: o que Deus disse que o Messias faria foi cumprido por Jesus. Podemos dispor-nos a ser testemunhas, pois Deus, que foi fiel em suas promessas, continuará conosco na tarefa de testemunhar essa mensagem ao mundo. Ele continuará a honrar a sua promessa e nos dará o seu poder.

Mais do que uma ação, Lucas quer criar em seus leitores a atitude de confiança e disposição para a tarefa de testemunhar. A ascensão é o acontecimento histórico que mostra aos discípulos, com toda a clareza, que a paixão, morte e ressurreição de Jesus não foram meros episódios sem sentido. O plano de Deus continua em andamento.

5. Os demais textos do domingo

O Salmo 110 é considerado messiânico. Em Marcos 12.35-37 (e textos paralelos), o próprio Senhor Jesus faz referência a este Salmo, interpretando-o com referência ao Messias. O Salmo originalmente composto para a coroação do rei apresenta o Messias como um sacerdote especial (segundo a ordem de Melquisedeque), que terá domínio sobre tudo e sobre todos. Esta é a imagem exata do Cristo que subiu ao céu. Ele está sentado à direita do Pai, foi vitorioso sobre o mal e tem poder sobre todas as coisas. Ele, que tem todo o poder, agora derrama seu poder sobre o seu povo para que ele testemunhe isto ao mundo.

A leitura de l João 3.1-2 chama a atenção para o fato de que os que confiam em Jesus Cristo são filhos de Deus e recebem dele bênçãos especiais. Jesus, ao subir aos céus, abençoou os seus discípulos. Estas bênçãos continuam sendo derramadas sobre eles.

6. Lei e Evangelho

O texto do evangelho do dia da ascensão chama a nossa atenção para dois aspectos em que o ser humano tem dificuldades e falha em relação a Deus. O primeiro é a falta de compreensão dos acontecimentos ao seu redor. Os discípulos de Jesus não conseguiam compreendei porque estavam acontecendo as coisas que eles vivenciaram. Quando Jesus foi preso, os discípulos o abandonaram. Pedro pensou que era preciso sacar a espada para defender a Jesus. Quando Jesus morreu e foi sepultado, alguns pensaram que era o fim, que suas esperanças tinham sido em vão.

Até hoje é difícil entender os acontecimentos ao nosso redor. Quando houve o atentado terrorista às torres em Nova Iorque, em setembro de 2001, alguns diziam que foi castigo contra a injustiça imperialista americana e outros diziam que foi um ato contra a humanidade. Quando aconteceu a guerra do Afeganistão, as interpretações dos fatos também foram contraditórias. Da mesma forma, temos dificuldade de entender as crises da Argentina, da Colômbia e de tantos outros países. Na nossa vida particular, temos dificuldade de entender por que certas coisas acontecem.

A história da ascensão mostra com clareza que, se Jesus não ajudasse os discípulos a interpretar os acontecimentos, eles não os entenderiam. Há um plano de Deus para este mundo e este passa por Jesus Cristo. Ele é o centro da história. Ele é o Senhor da história. Nele podemos confiar. Se, às vezes, não conseguimos entender os fatos, podemos continuar confiando em Jesus Cristo. Ele venceu os poderes do mal. Ele subiu ao céu e está sentado à direita do Pai. Ele tem todo o poder e nos abençoa, mesmo quando não entendemos o que está acontecendo.

O segundo aspecto para o qual o texto chama nossa atenção é a necessidade de pregar arrependimento para remissão dos pecados. Arrependimento faz parte da vida cristã. Ninguém acerta todas. Ninguém acerta sempre. Arrependimento significa reconhecer que há coisas erradas em nossa vida que precisam ser confessadas e acertadas. Deus, em Cristo, perdoa. Deus, em Cristo, dá nova oportunidade. Pessoas precisam se arrepender. Nações precisam se arrepender. A justiça que Cristo restaurou precisa ser o padrão de vida. Só em Cristo isso é possível. Por isso, a tarefa dos cristãos é ser testemunha, pregando o arrependimento para remissão dos pecados.

7. Esboço

Tendo isto como pano de fundo na pregação da ascensão, o tema poderá propiciar aos ouvintes uma palavra de ânimo e inspiração para a vida. Sugerimos como esboço o seguinte:

Tema: A subida de Cristo ao céu nos enche de alegria
1. Pois ela nos faz entender a vida
2. Pois ela nos dá um propósito (testemunhar)

8. Sugestões litúrgicas

Como este é um dia festivo da Igreja, sugerimos que sejam feitas duas breves encenações com crianças ou jovens, tentando mostrar as dificuldades de entender as situações da vida. As encenações devem mostrar a dificuldade de entender a vida. Não visam julgar as pessoas envolvidas. Na verdade, todos temos essas dificuldades. Pode ser discutido com o grupo se as encenações propostas são as que melhor ilustram a mensagem ou se devem ser desenvolvidas outras.

Na primeira encenação, uma pessoa numa cadeira de rodas ou numa poltrona com panos e com cara de doente se queixa da vida e diz que não tem sentido viver. Ela não sabe para que está no mundo. Ela não compreende o que Deus quer dela.

Na segunda encenação, uma pessoa muito pobre convida uma criança faminta para ir até a casa dela comer uma fatia de pão e tomar um copo de água. Mesmo em meio a dificuldades, ela sabe que pode fazer algo para o bem de outras pessoas. Sua vida, em Cristo, tem sentido.

Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia