Prédica: Marcos 4.26-34
Leituras: Ezequiel 17.22-24 e II Coríntios 5.6-10
Autor: Teobaldo Witter
Data Litúrgica: 4º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 06/07/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema
1. Cruz e discipulado
Em todos os tempos e lugares, a humanidade ficou fascinada com espetáculos. Teve e tem a ideia genial de dar o golpe em Deus, conforme Gênesis 3. Emocionou-se com a epopéia da competição de fazei subir ou não subir a fumaça do sacrifício e, contrariada, foi ao extremo de praticar homicídio, conforme Gênesis 4. Construiu a torre de Babel para chegar ao céu, conforme Gênesis 11. Num grande espetáculo, matou Jesus Cristo, o homem Filho de Deus. Mata e chacina diariamente, para diversão de carrascos de todas as classes e categorias A morte faz a festa. Há os numerosos acontecimentos que quebram a rotina do cotidiano até mesmo em nossos dias. Shows e espetáculos seduzem.
O ser humano quer show. O show deixa todos de boca aberta. Ele seduz, faz perder a racionalidade e revela o sentido cruel do ser que e simultaneamente justo e pecador (Rm 5.19), carregando consigo a natureza pecadora. Diante do show e do espetáculo, cai a máscara humana. No fundo, eles revelam o lado cruel e carrasco da humanidade.
Jesus, conforme o Evangelho de Marcos, fugiu do espetáculo. Por um lado, a sua ação foi espetacular. Ele expulsou demônios, caminhou sobre as águas, fez vários milagres. Ele venceu tudo. O título que mais corresponde à ação e ao ensino de Jesus é Messias. Sua ação e seu ensino correspondem à expectativa do povo, isto é, são messiânicas Porém, este título aparece poucas vezes no evangelho (Mc 1.1; 8.29; 15.61). Quanto mais se expande a sua ação e seu ensino, tanto mais oposições encontra: da família, dos concidadãos, dos demônios, dos líderes, dos oficiais, etc. As demonstrações de poder, os milagres, os espetáculos, os shows não levam à fé em Jesus Cristo, mas criam oposições. O poder é ambivalente. Aparece a cruz. Jesus só pode ser entendido como Messias sob a condição dele ser visto a partir do caminho da cruz, e não da perspectiva do show. Em Marcos, Jesus proíbe que o chamem de Messias. Jesus proibiu (…) de dizerem quem ele Dra (Mc 3.20). Então Jesus ordenou que de jeito nenhum espalhassem a notícia dessa cura (Mc 6.43).
Jesus não pode ser revelado como Messias à parte da cruz. Do contrário, ele se tornaria o Messias que jamais quis ser: triunfalista e dominador, semelhante aos líderes de sua época. Estes queriam ser chamados de messias, cristos, salvadores, milagreiros. E levaram o povo pura as catástrofes no confronto com o exército romano. Jesus só utilizou o título de Messias referindo-se a si mesmo quando não havia mais possibilidade de ser confundido, isto é, quando a cruz estava diante dele (Mc 15.2). Quando Jesus morre, ninguém contesta o título: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus(Mc 15.39), diz o centurião romano. Nessa situação não há show. Então, ninguém contesta o testemunho. Jesus já passou pela cruz. O texto não apresenta contestação de proclamação, porque o Messias já passou pela cruz. Mas durante todo o Evangelho de Marcos, Jesus proíbe que o anunciem publicamente como o Messias. Por fim, quando dá a ordem às mulheres de fazê-lo, elas ficam com medo (Mc 16.8). Assim como os milagres, tampouco a ressurreição resolveu o problema do discipulado de Jesus. O evangelho quer mostrar que aquilo que aconteceu com as mulheres e os homens é o que sempre aconteceu com os discípulos, isto é, Incompreensão generalizada sobre a proposta de Jesus.
O Evangelho de Marcos mostra que os discípulos de Jesus não estavam dispostos a assumir a cruz. O cotidiano de Jesus não é de milagres, privilégios e triunfos, mas de cruz. Nesta, Jesus carrega as dores da humanidade. Sem este princípio do amor de Deus, não haveria chance. A humanidade se afogaria e estaria perdida em seus próprios shows e espetáculos.
Todos fazem e querem milagres, tanto ontem como hoje. Milagres são privilégios, mas eles criam desigualdades. Um milagre aqui, outro ali e pronto. Está feita a perpetuação de privilégios. Jesus deixou-se constranger pelo grito dos sofredores. Ele tem coração de mãe. E coração de mãe não pode ver sofrimentos e dores. A cruz é diferente. Jesus fez alguns milagres, sim, mas penso que ele sentia muita compaixão das pessoas que não eram atingidas pelos milagres. Ele poderia ter resolvido os problemas de todas as pessoas, mas elas não seriam transformadas. Tudo ficaria como sempre era, com privilégios para alguns e desigualdades e direitos negados para a maioria. A questão é que tudo precisava ser modificado. Era preciso mais que milagres. Era preciso criar uma nova humanidade. Esta nova humanidade só pode ser criada a partir da ação de Jesus, o Filho de Deus, na cruz.
A nova humanidade só poderia ser criada a partir da cruz. A cruz apaga a condenação. Ela muda tudo. E a partir da cruz acontece a distribuição de direitos iguais para todas as pessoas. É na força oculta no barco que está o poder de mudança (Mc 4.39). Esta força é Jesus, que é capaz de vencer o mar, Satanás, a natureza pecadora do ser humano Dessa força escondida vem o poder de fazer crescer a semente lançada na terra e de transformar uma pequena semente em grande árvore (Mc 4.26-24).
Conforme Marcos, é necessária a fé para entender e viver o que Jesus ensina, testemunha e pede. E Jesus teve muitos problemas com os seus discípulos nesta área. Por que vocês são tímidos? Por que vocês não têm fé? (Mc 4.40), ele pergunta. Diante da exigência, do poder e do amor de Jesus, os discípulos exclamam com lágrimas com as palavras daquele pai: Eu creio; ajuda-me na minha falta de fé! (Mc 9.24). Este é o grito de todos.
Após lançada pelo semeador e sem o esforço dele, a pequena semente cresce em segredo e transforma-se em grande árvore, acolheu do até as aves do céu. Estes são elementos que nos ajudam a entendei o segredo messiânico de Jesus (Mc 4.26-24), mas não os shows e espetáculos.
2. Segredo, paciência, poder e curiosidade
Marcos 4 é um capítulo de muitas parábolas. São quatro ao todo: do semeador, da candeia, da semente e do grão de mostarda. O autor juntou tradições e agrupou essas parábolas. As parábolas da semente e do grão de mostarda falam do mesmo tema, isto é, o reino de Deus. As duas possuem ideias diferentes do reino: a primeira é de alguém que lança a semente na terra, passam os dias, nasce a planta sem que a pessoa perceba, e logo é chegada a colheita. Nesse sentido, o reino de Deus não depende do esforço do ser humano. A outra já mostra um contraste: o menor grão produz a maior das hortaliças. A ideia é de crescimento bem-sucedido. E, nos versículos finais, temos as palavras de Jesus explicando por que ele ensina por parábolas. As parábolas refletem o modo como os primeiros cristãos se entendiam. Somente compreendiam essas palavras aqueles que estavam nesse movimento de Jesus. Para compreendê-las, era preciso ter comunhão participativa com Jesus.
A parábola é uma realidade comparada. O narrador quer tornar visível uma realidade incompreensível através de uma figura ou acontecimento, analisando o conjunto. Assim, devemos buscar interpretai as parábolas como um todo e não ir de palavra em palavra. Outro aspecto importante é que as parábolas têm dois momentos: aquele em que Jesus viveu, ou seja, o propriamente histórico, e o das comunidades primitivas, onde a parábola foi ampliada. Usaremos os dois lugares, porque assim poderemos compreender a prática de Jesus e também qual foi o uso que a comunidade fez desses ditos.
Na primeira parábola (4.26-29), Jesus usa a figura da planta que nasce, cresce e chega à colheita sem que o ser humano se esforce para que isso aconteça, nem saiba como sucede. Menciona a inatividade do agricultor que joga a semente e continua a sua vida, passando o dia e a noite sem que possa apressar o crescimento, sem que possa fazer algo. O crescimento e o amadurecimento acontecem sem a sua ação. E chego a hora da colheita, que é uma figura do juízo. Durante o tempo todo entre semeadura, nascimento, crescimento e amadurecimento, o agricultor acompanha o processo atentamente, mas não muda a ação da semente e da planta que cresce e amadurece na terra..
Nas primeiras comunidades, havia certa ansiedade quanto ao tempo e ao que se faria para apressar a chegada do reino de Deus. A pará¬bola dá a entender que o reino de Deus vem assim como a colheita, após longa espera, e acontece por conta de uma força invisível. A comunidade, conforme Marcos, não queria entender e assumir que os sofrimentos e perseguições eram por causa do discipulado e que, cedo ou tarde, o reino de Deus aconteceria. A questão era ter paciência quanto a essa chegada. Enquanto isso, vamos fazendo a nossa parte, continuando a nossa vida, porque a semente já foi lançada, o reino já iniciou em Jesus Cristo e chegará em definitivo, ou seja, a colheita inevitavelmente virá. Ao agricultor cabe semear e confiar. Jesus diz: crede no Evangelho (Mc 1.15d), o reino de Deus está próximo (Mc 1.15c). É necessário perceber o reino de Deus no discipulado sob o caminho da cruz, no contexto do segredo messiânico.
As duas parábolas estão marcadas por um contraste e um final opostos: plantar e colher, pequeno grão e grande planta. O começo garante o fim, a colheita. A questão é não querer antecipar-se a Deus, não querer forçar a chegada do reino com as próprias mãos. No tempo de Jesus, havia líderes populares que diziam que tinham o poder de apressar a chegada espetacular do reino de Deus ou, pelo menos, a construção da sociedade santa e pura, expulsando os romanos. Muitos dos líderes poderosos em espetáculos foram mortos junto com seus seguidores pelo exército romano.
A preocupação pelo fim é uma realidade dos seres humanos. Deve-se, no entanto, confiar em Deus. Em suas mãos, nada se perde. O fim dos tempos será alegria e júbilo para o povo de Deus. Em Jesus Cristo, o ser humano encontra esperança e paciência. A comunidade de Roma vê nesta parábola a força para superar o momento difícil, pois adquire a confiança de que esse reino virá, como Jesus havia prometido. A comunidade pode continuar com seu trabalho missionário, confiando que virá o dia do juízo. Todo dia é dia de vida sob a graça de Deus. Deve sei usado para continuar o discipulado.
A parábola do grão de mostarda (4.30-32) apresenta outro contraste bem bonito, criativo e ilustrativo. Ela fala do menor e do maior. O reino começa pequeno, mas cresce e se torna um reino espaçoso e poderoso em acolhida e promoção de vida e salvação. A imagem de que as aves do céu se aninham nos galhos e na sombra da planta é de um reino criado pelo poder recriador (Ez 17.23; 31.6; Dn 4.12). É reino que acolhe, integra, reconcilia, mantém a comunhão e se estende por toda a terra. É a planta que cresce a partir de uma pequena semente ou de um broto pequeno. E o reino de Deus do qual fala Jesus e pelo qual ele deu a sua vida para integrar a nova humanidade reconciliada. Chamou para o discipulado, inicialmente, gente de uma região sem renome Assim começa o reino de Deus, de uma forma pequena, talvez a mais pequena de todas as expressões religiosas da sua época. Contudo, ele tem uma força escondida e uma visão universal em sua mensagem de inclusão; todos têm lugar embaixo da árvore e podem tranquilamente armar a sua rede e continuar a sua vida. Novamente observamos que a comunidade de Roma, possível local de redação do evangelho, espelha se neste texto, porque é pequena frente à cidade com grandezas, shows, milagres, espetáculos e fascínios que seduziam o mundo da época Ouvindo e celebrando essa parábola, a pequena comunidade sentia-se fortalecida. Há a esperança e a promessa do reino de Deus crescer e atingir grandes proporções. Nele todas as pessoas podem ter a dignidade de vida abundante que o Filho de Deus oferece.
O reino de Deus está oculto para aqueles que não assumem a cruz no discipulado de Jesus (Mc 8.34-38). Por isso, somente os que tinham a capacidade de escutar e entender (os que estavam em sintonia com Jesus) poderiam compreender o que ele estava dizendo. Boa parte dos judeus não via que Jesus era o próprio Messias, porque queria sinais, milagres, leis e espetáculos (Mc 8.11-12). Nem os romanos reconheceram que o Jesus ressurreto era a grande força dessas pequenas comunidades. Somente os que se deixam informar ou já conhecem a proposta de Jesus podem perceber o reino de Deus. Quem confia em Deus e está no discipulado pode dizer: Vamos semear a pequena semente, porque Deus vai fazer nascer e crescer dela uma grande hortaliça onde há lugar para todos.
3. Por trás das duas parábolas
A parábola que encontramos em Marcos 4.26-29 vem do mundo do lavrador. Trata-se de um agricultor, provavelmente de um homem livre. Ele planta, dorme sossegado, colhe. Há liberdade na produção. O texto não fala do consumo do produto. O reino de Deus passa pela produção livre.
Já a parábola seguinte, conforme Marcos 4.30-32, muda de ambiente. É o mundo da casa, da horta, do espaço feminino. O v. 31, sendo a menor de todas as sementes da terra, vincula-a com a parábola anterior. Aquele é o mundo do campo, o âmbito masculino. Este o da casa. A menor semente dá mais ninho. A parábola chega até o consumo, ao uso do produto. Isso não aconteceu na anterior. O âmbito da casa, da comunidade é que dá maior abrigo.
Por trás das duas parábolas estão agricultores e mulheres. Ambas querem explicar que o reino de Deus é um processo. Para explicá-lo, Jesus usa exemplos da casa e da roça. Mas há o poder escondido que faz crescer. Aí estamos falando da força, criatividade, surpresa de Deus.
4. Ideias para a pregação
Menciono algumas ideias que podem ser usadas na pregação. É bom, no entanto, falar ao coração, à mente e à vida concreta das pessoas que estão aí, no culto ou outro encontro comunitário.
a) Há momentos em que nos deixamos envolver por espetáculos. Eles fazem aumentar a adrenalina. Emocionam. Fazem rir ou chorar. São coisas que nos tiram da vida cotidiana. Movimentam o povo. Estão incluídos nesta agitação atividades religiosas. Gritos, brados, choros, chutes, expulsões, batalhas, fogo, catástrofes são algumas características de tais espetáculos.
b) Jesus, em Marcos, vence tudo. Não há poder que possa superá-lo. No entanto, ele foge dos espetáculos. Hoje ele nos propõe duas parábolas.
* A da semente lançada na terra. Ela germina, nasce, desenvolve-se, floresce e amadurece em silêncio, no secreto, sem ativismo do plantador. O que ele faz é semear.
* A pequena semente de mostarda, a menor de todas, é lançada na terra. A hortaliça germina, nasce, desenvolve-se e se torna frondosa árvore. Ezequiel 17.22-24 também diz que o Senhor escolheu um broto novo, fraco, pequeno, plantou-o e o fez crescei-. Ele terá muitos galhos, dará frutas, será árvore linda. As aves encontrarão abrigo nela. O Senhor faz crescer as árvores pequenas e verdejar as secas.
Nosso desafio é perceber e encontrar esperança em meio às pequenas coisas. É o que nos testemunha Paulo, conforme 2 Coríntios 5.7: Vivemos pela fé e não pelo que vemos. Mas também a fé e a confiança em Jesus Cristo fazem com que a gente possa ver além das aparências, fazem com que a comunidade possa ver a raiz, a fonte da vida e da esperança que é Deus criador e libertador e se deixar consolar e alimentar por ele.
c) Em Jesus Cristo, o reino de Deus já começou. Ainda não está visível em sua plenitude, mas sua semente está por aí, germinando e crescendo. Ele considera o que fazemos. Os encontros da comunidade, os espaços que oferece, o povo que encontra acolhida, reconciliação, perdão, vida e salvação (Lutero). Somos chamados a perceber os pequenos serviços. Um ditado popular diz: De grão em grão a galinha enche o papo. De pequenas sementes lançadas, o reino de Deus germina e cresce. Enche toda a terra. Enche todo universo.
d) No entanto, estamos sendo desafiados a sujar nossas mãos com pequenas sementes e com o barro na comunidade e a partir dela. O reino de Deus não passa pelo espetáculo, mas pela cruz. Negar a cruz significa negar Jesus Cristo que assumiu a cruz. Somente o que ressurge das cinzas traz e produz esperança, vida e dignidade. Somente a fé e a vida plena que nascem da cruz de Jesus Cristo promovem o reino de Deus. Sem cruz não há ressurreição.
Muitas coisas precisam mudar. A semente e a terra têm o podei de fazer nascer, crescer e amadurecer. A pequena semente vira hortaliça grande. Há o desejo cristão de viver com o Senhor, em plenitude. Galhos secos brotam. A espiga amadurece. Vem o tempo da colheita, l nós seremos apresentados diante do tribunal de Jesus Cristo (2 Coríntios 5.10).
e) Certamente, as pequenas tarefas na comunidade trazem grandes preocupações. Elas não dão visibilidade. Por isso, muitas pessoas não as querem assumir. Poucas pessoas as notam. Quando feitas, poucos percebem a trabalheira que deram e as noites de sono que tiraram. O reconhecimento humano faz bem, mas o que importa e decide é o reconhecimento de Jesus Cristo. Este sim, é o que decide no tempo da colheita, do tribunal e da acolhida. Tenhamos esperança, porque ao Senhor pertence a comunidade, o passado, o presente e o futuro.
Bibliografia
JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1980.
SCHWEICKARDT, Júlio C. 4° Domingo após Pentecoste: Marcos 4.2(5-34. In: SCHNEIDER, Nélio; DEIFELT, Wanda (Eds.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1996. v. 22, p. 175-181.
WEGNER, Uwe. O Evangelho de Marcos: síntese do curso realizado pelo CEBI, na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, em São Bernardo do Campo, SP, 1988.
Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia