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Na Inglaterra, numa grande cidade, foi realizada pesquisa para avaliar o comportamento dos pássaros. Com esse trabalho constatou-se, com espanto, que os pássaros naquela região metropolitana do Reino Unido estavam desaprendendo a cantar. O barulho em excesso invadiu o habitat natural dos passarinhos. Se anteriormente, a tranqüilidade e a paz eram seus aliados, agora esses mesmos passarinhos se sentiram ameaçados em seus lugares naturais. O ambiente de sossego que lhes era familiar, nos parques e jardins, espaço onde voavam, descansavam e cantavam, foi substituído pelo barulho irritante e nada agradável a seu jeito natural de ser e de conviver. Sirenes de alarme, buzinas, apitos das fábricas, o atrito barulhento dos automóveis nas pistas do asfalto, os sons insistentes das chamadas telefônicas, celulares etc., em meio a tantos outros instrumentos sonoros, se sobrepunham ao cântico fino e alegre tão peculiar dos pequenos animais voadores. Os pássaros, impedidos de ouvir o cantarolar dos demais pássaros, desaprenderam a cantar. O resultado de pesquisa dessa ordem é motivo de espanto e de tristeza ao mesmo tempo. No seu jeito alegre, comportamento irriquieto, saltitando, voando com liberdade, os pássaros simplesmente mudaram de comportamento, deixaram de cantar, qualidade essa que lhes é tão natural e própria..

Reconto esse episódio numa época em que comunidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) organizam seus cultos de ação de graças. No calendário litúrgico, celebrações comunitárias assim são motivadas pelo espírito de gratidão face às múltiplas dádivas bondosas do Deus criador e senhor do universo. O jeito de vida estressante e nervosa, por causa das ações rápidas e eficientes que determinam o comportamento das pessoas, revela enormes dificuldades para a expressão de gratidão. Será que nós, humanos e humanas, não estamos perdendo um hábito bem peculiar e próprio, ou seja, o agradecimento?

Os caminhos confusos e contraditórios na vida, somados à busca da produtividade, incentivada por sua vez pela necessidade do desenvolvimento e pelo espírito do sucesso pessoal e pela política do lucro, se sobrepõem à vontade de parar, para agradecer com humildade! O monopólio da sociedade produtiva medido pela escala do crescimento ilimitado, que induz ao consumo desenfreado, gera pessoas desumanas, insensíveis e obcecadas pela hegemonia em relação a tudo e a todos os que as cercam. Pessoas orgulhosas avaliam de forma egoísta as virtudes próprias e enaltecem suas capacidades e potencialidades como se fossem propriedades particulares, frutos de mérito próprio. Os dons e as habilidades inerentes às pessoas são identificadas com a ideologia da naturalidade. Quando humanos enxergam somente a partir da perspectiva de que tudo na vida tem o sabor da naturalidade, o milagre da vida e dos carismas, sendo presentes da bondade de Deus, caem por terra. Abrem-se, então, as portas aos ídolos e se mergulha nas águas da auto-idolatria.

Agradecer, um jeito humano que parece cair em desuso. Esquecemos que a gratidão abre espaços criativos neste mundo de Deus e fortalece o espírito criador do ser humano em benefício das criaturas e de toda a criação.

Cantar é algo próprio da natureza dos pássaros. Na ótica da fé, o agradecimento deve ser, também, a prática bem própria da pessoa humana. É a maneira essencialmente cristã para honrar a Deus pela sua graça, com a qual ele nos habilita para toda boa obra. A graça e a bondade de Deus fomentam a humildade e constroem a vida que é humana e especialmente solidária.

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal ANotícia – 18/07/2003