Prédica: Marcos 6.1-6
Leituras: Ezequiel 2.1-5 e II Coríntios 12.7-10
Autor: Odemir Simon
Data Litúrgica: 7º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/07/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema:
1.Introdução
O Evangelho de Marcos, conforme amplo consenso, é aceito cronologicamente como o primeiro dos quatro evangelhos. Acredita-se que tenha sido escrito entre 64 e 70 d. C., possivelmente em Roma. Característica de Mc é o tema do segredo messiânico. Jesus cura enfermos, opera milagres, sendo reconhecido até mesmo por espíritos imundos; porém, associado a isto sempre está a ordem de não o revelar. A perspectiva da cruz está presente desde o início do evangelho. Já no princípio de sua atuação está selado o destino de Jesus (Mc 3.6).
2. O texto
O contexto maior em que se encontra o texto de Mc 6.1-6 relata a atuação de Jesus na Galiléia. Este estende-se de 1.14 a 7.23. O contexto menor é constituído de relatos isolados, os quais estão contidos em 6.1-33. A passagem que serve de base para o nosso estudo dá início a esta série de relatos, seguido do envio dos discípulos e seu retorno, entremeados por uma palavra de Herodes sobre Jesus e pela história de João Batista (6.14-16, 17-29).
3. Resumo
O texto apresenta Jesus retornando à sua terra natal. No sábado, a exemplo dos demais moradores da aldeia, Jesus dirige-se à sinagoga. Ele passa a ensinar. Dos ouvintes que ali estão, alguns ficam admirados, outros o rejeitam. Jesus cita-lhes o provérbio segundo o qual não há profeta sem honra senão na sua terra, ou: Santo de casa não faz milagre. Jesus não pôde realizar ali nenhum milagre, devido à incredulidade reinante. Por isso, ele decide deixar sua terra e segue adi-a ensinar em outras aldeias.
4. Analise da perícope
Após haver ressuscitado a filha do chefe da sinagoga (Mc 5.35-43), Jesus parte para Nazaré em companhia de seus discípulos. O evangelista diz que Jesus foi para a sua pátria, o local de seu nascimento, a sua terra natal. Ele retorna para a sua terra, para sua gente, pura o lugar onde havia passado sua infância, retorna para encontrar amigos e familiares, vizinhos, pessoas com as quais havia convivido. Eis aí um aspecto bem humano deste Deus. Ele tem raízes, sabe-se libado a pessoas e lugares. Alegria, ansiedade e pressa por chegar certamente marcam este retorno. Após um período de ausência, Jesus Volta para matar saudades.
V. 2: fiel às tradições de seu povo, no sábado, Jesus dirige-se, segundo o costume, para a sinagoga. A exemplo do que ainda acontece em muitas de nossas comunidades no interior por ocasião da celebração de cultos, o encontro semanal na sinagoga reveste-se de grande Importância. É a oportunidade para encontrar pessoas, para conversar, para inteirar-se das novidades. Certamente ali Jesus encontra conhecidos e lhes apresenta seus discípulos.
Jesus passa então a ensinar. Diferentemente de Lc, Mc não faz referência ao conteúdo de seu ensino, nem mesmo cita o livro lido. Seu ensino causa admiração entre os presentes, que se perguntam: de onde lhe vem esta sabedoria? Em Mt 7.29, o evangelista afirma que: Ele ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas.
V. 3: mas quem ele pensa que é? Não é o carpinteiro, o filho de Maria? Nós conhecemos seus irmãos e irmãs, que moram aqui entre nós. Assim reage um segundo grupo de pessoas. Perguntam pela legitimidade de sua pregação. Um simples carpinteiro, filho de carpinteiro, que aprendera o ofício com o pai e que certamente prestava serviços às pessoas do lugar, arroga-se o direito de ensinar na sinagoga.
V. 4: frente às indagações, Jesus não permanece calado e cita um provérbio popular. Entre os seus ele não é aceito, nem reconhecido. Entre nós, o dito se expressa assim: santo de casa não faz milagre.
V. 5: em sua terra natal, Jesus não pôde realizar grandes milagres, mas apenas curar alguns enfermos mediante a imposição das mãos. Temos aí dois aspectos a observar: a) na compreensão de Mc, parece que a cura de enfermos não é algo tão extraordinário, pelo menos para a sua época, ao contrário do que acontece nos dias atuais, em que se enfatiza e superestima este aspecto; b) Jesus cura mediante a imposição das mãos. Eis aí um aspecto a ser considerado e recuperado, por exemplo, em visitas a enfermos. Impor as mãos significa contato, proximidade do próprio Deus, que se achega e nos toca. É, sem dúvida, uma prática que precisamos revalorizar também em nossas celebrações comunitárias.
V 6: Jesus surpreende-se com a incredulidade de seus conterrâneos A incredulidade de sua gente contrasta com a fé encontrada fora de sua terra natal, p. ex., na cura da mulher enferma e na ressurreição da filha de Jairo. A impossibilidade de realizar milagres está diretamente relacionada com a incredulidade constatada. Incredulidade esta que Jesus percebe em seus discípulos (Mc 4.40). Fé não se refere a uma relação psicológica, como se a confiança do enfermo condicionasse a cura. Fora do contexto da fé, o milagre não tem sentido.
A palavra chegara àquela comunidade. No entanto, a sua mensagem foi rejeitada, assim como a própria pessoa do Filho de Deus. Agora Jesus deixa sua terra e parte para as aldeias vizinhas, onde dá continuidade ao seu ministério de anunciar a proximidade do reino de Deus.
5. Meditação
No Evangelho proposto para este domingo, encontramos Jesus a caminho de sua terra natal (com relação a este dado, suscita-se a discussão quanto ao local do nascimento de Jesus, cf. Uwe Wegner, Estudos Teológicos, n. l, 1995). Esta informação é significativa, pois nos mostra um Jesus que se sabe ligado a um determinado lugar, a pessoas. Também nós temos este sentimento em relação ao lugar onde nascemos, onde passamos nossa infância e ao qual de tempos em tempos gostamos de retornar para rever amigos e familiares. Este aspecto revela um Jesus muito humano. Por outro lado, o fato de Jesus e seus discípulos porem-se a caminho mostra que o seu ministério é dinâmico. Ele vai ao encontro das pessoas, vai para onde o povo está, busca o contato, a proximidade.
O encontro na sinagoga: também neste ponto temos algo a aprender. Muitas vezes desvalorizamos práticas e costumes por considerados ultrapassados ou tradicionais. Jesus não despreza, nem abandona os costumes e tradições de sua gente. Ele vai à sinagoga, sabe que o encontro da comunidade é importante, pois ali ela se reúne para a comunhão, para receber instrução. Talvez este aspecto deva ser considerado com mais carinho e atenção, principalmente por parte daquelas pessoas que são responsáveis por preparar, organizar esse encontro. O preparo do culto deve preocupar-nos, deve receber atenção especial, pois, sem dúvida, é um momento fundamental na vida de fé da comunidade cristã.
A rejeição de Jesus: ser rejeitado e sentir-se rejeitado certamente imo são experiências agradáveis. Quem já passou por elas sabe muito bem o sentimento que provocam. Jesus passou por essas experiências, sentiu-se rejeitado por sua gente, por sua própria comunidade. Na sinagoga, reúnem-se duas comunidades. A primeira fica maravilhada, alegra-se com a presença, com o retorno do filho da terra que ensina com sabedoria e autoridade. Porém, há uma segunda comunidade que se escandaliza, que não o aceita. Ela o rejeita, faz com que se afaste. Também esse aspecto pode e precisa ser trabalhado ainda mais em muitas de nossas comunidades, pois certamente e infelizmente, em muitas oportunidades, pessoas sentiram-se não-aceitas, não-acolhidas em nossas comunidades. Precisamos trabalhar com grande afinco na edificação de comunidades acolhedoras, receptivas e integradoras. Trata-se de um aspecto missionário que deve ser considerado. Neste sentido, organizar um grupo de recepcionistas pode auxiliar para que as pessoas, ao chegarem, sintam-se realmente acolhidas e aceitas. A comunidade cristã, que foi acolhida por Cristo, é enviada, desafiada a tornar-se acolhedora.
A incredulidade: constata-se que a comunidade reunida na sinagoga é uma comunidade de incrédulos, a tal ponto de Jesus não poder realizar ali nenhum milagre. Esta observação é assustadora e questionadora. A Apologia da Confissão de Augsburgo, ao tratar do sétimo e oitavo artigos do Credo Apostólico, afirma que, na igreja, estão misturados bons e maus e, ainda que hipócritas e maus sejam membros dessa igreja segundo os ritos externos, é necessário, contudo, quando se define a igreja, definir a que é o corpo vivo de Cristo, esta que é nominal e realmente a igreja. Se bons e maus estão misturados na igreja, então também na comunidade haverá os crentes e os incrédulos. Não se trata de querer proceder a uma separação, ou formar uma comunidade dos verdadeiramente crentes, mas é um aspecto que deve ser considerado. O Cristo ressuscitado, ao aparecer para os discípulos, desafia Tomé: Não sejas incrédulo, mas crente. Também a comunidade deve ser desafiada a crer no Cristo vivo.
6. Pregação
Penso que a pregação poderia abordar os aspectos sugeridos na meditação. O texto poderia, ademais, ser dramatizado. Se a comunida¬de reunida possibilitar, poderia ser aplicada a seguinte dinâmica bastante conhecida e apropriada ao tema: forma-se um grupo em círculo, ficando uma pessoa fora do mesmo, que deve tentar entrar no grupo. Este, por sua vez, deve tentar impedir que a pessoa atinja o seu objetivo. A partir desta dinâmica, pode-se iniciar um diálogo com a comunidade, que certamente trará bons resultados e boas reflexões. Trabalhei este texto com um grupo de jovens, e a reflexão realizada foi muito boa. Jovens experimentam esse sentimento de rejeição, às vezes, até mesmo devido à sua fé, que os leva a ter valores e princípios que frequentemente não combinam com os da vida no mundo.
7. As leituras
Na leitura de 2 Co, o apóstolo fala do espinho que lhe foi posto na carne. No v. 10, Paulo afirma sentir prazer nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor a Cristo. Também o apóstolo sentiu rejeição e sofreu perseguição por causa de Cristo. Não nos esqueçamos de que a mensagem do evangelho nem sempre é bem aceita, principalmente quando questiona ações e valores. A leitura de Ezequiel contém o relato de sua vocação; especialmente no contexto da prega cão, é significativo o v. 5: Quer ouçam, quer deixem de ouvir, hão de saber que esteve entre eles um profeta. Talvez seja interessante acrescentar ainda os versículos 6 e 7, que reforçam o aspecto da rebeldia c da rejeição. Jesus enquanto profeta é rejeitado em sua terra natal.
Bibliografia
DELORME, J. Leitura do Evangelho Segundo Marcos. São Paulo: Paulinas, 1982 (Cadernos bíblicos, 11)
SCHLATTER, Adolf. Die Evangelien nach Markus und Lukas. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1954. Bd. 2.
SCHNIEWIND, Julius. Das Evangelium nach Markus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1958. (Das Neue Testament Deutsch, Teilband 1)
Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia