O cristão deve segurar numa das suas mãos um jornal e na outra a Bíblia!
Esta frase é atribuída a Karl Barth, um teólogo conhecido pela profundidade reflexiva e por causa do labor teológico. A influência do pensamento barthiano na reflexão teológica ecumênica é notória. Jornal e Bíblia orientam a vida do ser humano, se enriquecem mutuamente, trilham juntos o mesmo caminho..
No cotidiano da vida, toda a pessoa precisa viver o dia-a-dia com os pés no chão da realidade e fixar seus olhos no horizonte que se abre a sua frente determinado pelo contexto social.
A riqueza da informação articulada pela imprensa escrita é grande e aponta à realidade que cerca a sociedade humana em geral e a família cristã, de modo especial. É significativo o que o conteúdo de uma poesia cantada nas comunidades luteranas coloca. Trata-se de um desafio ao serviço em meio ao mundo a clamar por mais justiça e mais amor. Diz o poema: Dá-nos olhos claros que vêem o irmão, dá, Senhor, ouvidos que dão atenção! Mãos que aprenderam dores a aliviar, pés que não hesitam na hora de ajudar!
O exercício da cidadania responsável exige aprendizado permanente em busca da educação voltada ao saber, fazer e ao saber conviver. O espírito crítico, aliado a posições éticas conscientes diante dos grandes problemas que afligem a sociedade, será fruto dessa aprendizagem. Nesse particular, o jornal, na qualidade de veículo a serviço do processo da história, condensa a realidade, os progressos e os fracassos e desentendimentos humanos. Revela um potencial capaz de cooperar na construção de pessoas cidadãs engajadas por um mundo mais humano e transformado.
Realidades humanas, políticas e sociais insustentáveis indicam a provisoriedade do mundo e dos conceitos humanos.
Os recursos comunicativos veiculados, por exemplo, através do instrumento jornalístico, nos permitem observar o quanto a sociedade moderna optou por um sistema social calcado sob os pilares do dinheiro, da política dos lucros e sobre os fundamentos da força e do potencial das armas. Sistema assim gera enorme vazio existencial, amedronta, cria injustiças e conduz à morte, reconstrói uma babel confusa.
Seres humanos famintos da verdade e da vida carecem de sensibilidade teológica. O novo cidadão revestido da verdade evangélica poderá enxergar e compreender, mediante novos critérios, o vazio que se abate na vida e na sociedade humana. A Bíblia que acolhe a palavra de Deus e cristaliza a verdade, o caminho e a vida consiste na vertente teológica a qual recorrer.
A Escritura Sagrada é fonte que preenche o vazio da vida instalado na sociedade humana. A oferta do Evangelho de Cristo promove vida plena não corroída por traças e ferrugem. É vida nova que favorece a convivência reconciliada e rica em termos de relacionamentos fraternos. Na ótica da fé cristã, somos eternos aprendizes do Evangelho do amor e da graça de Deus. A palavra eterna nos engaja nas lutas que temos aqui e agora em nossa missão de amor a Deus, através de nossa fé responsável e amor em serviço ao próximo com quem nos relacionamos diariamente. Em razão de seu espírito criador, soprou no ser humano o fôlego da vida.
Jesus Cristo, o sacramento de Deus, neste mundo, trouxe libertação à criação e às criaturas. Libertou a humanidade da pobreza, cujo poder marginaliza da vida digna e superou em razão de seu espírito solidário, o vazio que se apossou da existência humana, vazio este que gera egoísmo e é fonte da opressão e da morte. A vocação dos filhos e das filhas de Deus é serem instrumentos da vida em sua plenitude. É vida nova que vence o egoísmo humano, cujo prazer está na desgraça alheia. Somos chamados a vivermos não a riqueza do ter mais ou do poder mais, mas vocacionados à riqueza do relacionamento fraterno.
Através da leitura diária do jornal, abre-se a janela que dá acesso à realidade do mundo, uma necessidade do cotidiano. É o mundo onde Deus se encarnou, para amá-lo e salvá-lo. É o mundo onde somos colocados no caminho de esperança. A palavra de Deus redimensiona toda a vida, dando-lhe a marca da dignidade voltada à felicidade de todos os irmãos e de todas as irmãs. Essa é a nova paisagem que se descortina a partir da proposta da Bíblia e da teologia. Nas palavras do profeta Isaías, serás então como um jardim regado e como uma fonte cujas águas jamais faltam (Is. 58.11).
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal ANotícia – 01/08/2003