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Não existe coisa mais bela do que gente alegre e feliz. Mais bonito ainda é quando pessoas se sentem livres para expressar sua alegria. E tem pessoas assim: conseguem envolver todo o seu corpo numa bela demonstração de sua alegria. A alegria sai pelo rosto, pelas mãos, pelos pés. Todo o corpo esbanja alegria. Mas há também quem reprima a sua alegria, quem acha que é proibido expressar felicidade com o corpo. E aí tudo fica mecânico e sem graça. As crianças, em geral, são mais espontâneas e soltas para expressar suas alegrias. Quando estão felizes, dão gargalhadas à vontade, gritam, pulam, dançam e se mexem. Envolvem todo o seu ser na expressão desta sua alegria. Isto, é claro, se algum adulto idiota não as reprime. O mundo seria bem mais divertido, a vida seria bem mais legal, se todas as pessoas se sentissem livres para expressar sua felicidade. A vida seria bem mais abundante se ninguém aprisionasse a sua própria alegria ou a alegria dos outros.

O Salmo 114 nos conta que certo dia a natureza toda ficou feliz. Ninguém conseguiu aprisioná-la nem reprimí-la na expressão desta sua alegria. A natureza deu vazão à sua felicidade. Ficou como uma criança bem sapeca e faceira.

(Leia o Salmo 114)

Nada segura, nada impede a natureza de expressar a sua alegria.

– O que deu no mar? Diante da maravilha que está acontecendo, ele dá uma olhada e foge de tanta alegria.
– O que aconteceu com o rio Jordão? Como uma criança bem sapeca, dá meia volta e corre para trás.
– O que sucedeu com as montanhas? De tão faceiras, pulam como carneirinhos.
– Que “doideira” deu nos montes? De tanta felicidade saltam como cabritinhos.
– E as rochas e as pedras? Diante do que acontece, derretem-se em água.
– E os desertos? Transformam-se em lagoas.

Por que toda essa agitação faceira na natureza? É porque está chegando um povo. A natureza acolhe alegremente um povo. Um “povinho de nada” na visão dos poderosos, mas para Deus um povo querido. São os hebreus que estão chegando lá do Egito. Um povo que traz consigo uma história de escravidão e de libertação: “Arameu prestes a perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios nos maltrataram, e nos impuseram dura servidão. Clamamos ao Senhor, Deus de nossos pais; e o Senhor ouviu a nossa voz e atentou para a nossa angústia, para o nosso trabalho e para a nossa opressão; e o Senhor nos tirou do Egito com poderosa mão, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres; e nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra que mana leite e mel” (Deuteronômio 26.5-9).

Depois de uma longa jornada pelo deserto afora, enfrentando barreiras e provações de todos os tipos, os hebreus agora estão chegando. Mulheres, homens, jovens, idosos e crianças com seus pés calejados, com seus corpos emagrecidos e queimados pelo sol, ainda com as marcas das chicotadas dos capatazes do faraó. Estão chegando para ocupar o pedaço de chão que Deus lhes reservou. Terão, agora, um espaço onde poderão armar as suas tendas, cuidar de suas ovelhas, plantar os seus trigais e cuidar de suas videiras. Este povo está chegando. E a terra de Canaã fica toda faceira. A terra se estremece e balança porque pode receber um povo liberto e conduzido pelo Deus de Abraão e de Sara, pelo Deus de Israel. As águas, os montes e as pedras se movimentam de tanta alegria, por poderem receber um povo faminto de plantar e de colher. Se a natureza pula e dança alegremente, imaginem a alegria daqueles peregrinos e daquelas peregrinas ao poderem pisar o chão da terra prometida!

A terra é dádiva divina para quem dela precisa para garantir o seu sustento. Por isso ela se alegra quando pode acolher em seu seio a quem está sedento de plantar e de colher. Quem recebe a terra como dádiva de Deus, percebe nela todo este movimento faceiro. A natureza dá vazão à sua alegria quando faz com que as sementes incham, rompam a sua própria casaca, estendam raízes e brotos que quebram a crosta dura do chão, alcançando a superfície. A natureza se balança de felicidade ao fazer soprar ventos faceiros que espalham sementes e auxiliam na fecundação. A natureza se agita de alegria quando a chuva cai lentamente, refazendo as fontes, dando um cheiro bom à terra, apagando a poeira e oferecendo as condições para que o chão possa cobrir-se do verde. O agito alegre da natureza acontece quando a terra desenvolve em seu seio uma enorme força de vida, fazendo surgir micro-organismos e micro-nutrientes que alimentam as plantas, dando-lhes a força da produção. Os saltos, os pulos, o corre-corre e a dança da alegria estão nos insetos, aves e animais que fazem a sua parte nesta harmoniosa orquestra que executa a mais bela de todas as canções: a canção da vida. O mar foge, o rio corre para trás, os montes saltam como carneirinhos, as rochas se derretem quando pessoas e famílias pisam o chão prometido para dele tirarem o seu sustento. A terra canta e rejubila quando chegam pessoas que sabem respeitá-la, preservá-la e recuperá-la, resgatando as divinas palavras: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém” (Salmo 24).

Mas a terra também chora. Derrete-se em lágrimas. É como o choro amargo do Getsêmani: protesto, revolta, amargura, angústia, desespero. Um “Eli, Eli lamá sabactani” (Mateus 27.46) ecoa também das entranhas da terra quando está nas mãos de quem dela não precisa; quando é vista como simples objeto que gera lucros; quando mais um de seus filhos ou de suas filhas é arrancada de seu seio; quando suas florestas são devastadas; quando ela própria e suas águas são contaminadas por venenos mortais.

Existe um sonho que não é só um sonho. Existe um esperança. Existe uma luta que acontece aqui e acolá: a terra volta a bater palma, a sorrir e a cantar. É quando ela volta a ser tratada como dádiva divina. É quando seus filhos e suas filhas voltam ao seu chão querido e nele saciam sua sede de plantar e de colher. É aí que a terra fica faceira.

P. Valdemar Gaede