Prédica: Êxodo 24.3-11
Leituras: Efésios 4.1-7,11-16 e João 6.1-15
Autor: Acir Raymann
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/08/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema:
1.Contexto
A aliança no Monte Sinai, reafirmada por Deus ao povo de Israel, é, ao lado da nova aliança prometida em Jeremias 31.31-34, uma das duas grandes alianças no Antigo Testamento. O cap. 24 é o que se poderia chamar de sedes da antiga aliança. A cerimônia que aqui se desenrola é da mais alta relevância para o povo de Deus e sua história, pois, pela primeira vez, este povo está em relação peculiar com Javé, uma relação que nenhuma outra nação vivenciou (Ex 19.5-6).
A narração do episódio, interrompida pelo conteúdo do Livro da Aliança (20.22-23.33), é retomada de 20.21, com a expressão sobe ao SENHOR (24.1). O grupo que escala o monte é numeroso: Moisés e Arão, Nadabe e Abiú (filhos de Arão e, como o pai, depois consagrados sumos sacerdotes) e os 70 anciãos – provavelmente representando os 70 descendentes de Jacó (cf. 1.5; Gn 46.27). Estes subiram ao monte após os acontecimentos relatados nos v. 3-8.
A cerimônia (cúltica, pode-se dizer) descrita nos v. 3-11 tem início com Moisés lendo ao povo todas as palavras do SENHOR (cf. 20.22-16) e todos os estatutos (cf. cap. 21-13). O povo, em responso, promete: tudo o que falou o SENHOR faremos. Na empolgação, a resposta é dada em uníssono (v. 3). É fácil responder em grande grupo, porque aí as deficiências ficam camufladas. Com o tempo, entretanto, elas revelam-se e inibem, de sorte que a empolgação diminui (v. 7) e o resultado anticlimático pode generalizar-se em total descompasso (cap. 32). Em razão disso, antes de confiar em nossas próprias promessas e votos, é melhor confiar no poder e na eficácia do sangue da aliança que o SENHOR fez conosco (v. 8).
2.Texto
Na manhã seguinte, Moisés constrói um altar ao pé do monte. O altar é erigido segundo especificações dadas pelo próprio Deus e os sacrifícios ali realizados lembram que o Deus que lhes falou dos céus (…) Virá a eles (…) e os abençoará (20.22-24). Bíblica e liturgicamente, o altar representa a presença de Javé no meio do seu povo (cf. 20.24). As 12 colunas representam as 12 tribos de Israel, ou seja, a congregação. Preparado o ambiente de culto e o local de sacrifícios para a comunhão que Javé estabelece com seu povo, Moisés envia jovens dos filhos de Israel a preparar esses holocaustos. O sacerdócio oficial ainda não havia lido estruturado. Quem eram estes jovens? Não eram, necessariamente, os filhos primogênitos do povo, em antecipação ao ofício levítico, como sugere o Targum de Oncelos. Tampouco seriam os filhos de Arão, como quer Agostinho. Na verdade, é mais indicado tomar estes jovens como o são hoje nas congregações: um grupo juvenil que auxilia nas atividades da congregação. Curiosamente, R. Alan Cole (p. 179) considera a escolha como uma alternativa puramente prática, visto que lidar com gado é tarefa que exige força e agilidade juvenis. Já o ritual que envolve a aspersão do sangue é feito por Moisés, como mediador da aliança.
Como se pode verificar mais tarde, o centro do culto no Antigo Testamento (e também na igreja cristã hoje) é o altar. O altar é tão importante que a Escritura quase o pressupõe. A palavra hebraica mizbeach é puramente funcional no seu sentido, significando simplesmente um local para o sacrifício. Talvez estejam certos os que afirmam que o altar seria pensado como a montanha de Deus em miniatura, Ou seja, um local mais próximo dos céus e, por isso mesmo, um local natural para a comunhão com Deus. .Não se pode falar em altar sem falar em sacrifícios. No texto, dois sacrifícios são mencionados nesse momento cúltico: o holocausto e os sacrifícios pacíficos. No holocausto, todo o animal – depois de lavadas suas partes internas e esfolado – era consumido pelo fogo sobre o altar. Os pacíficos, como o próprio nome indica, não visavam obter paz mas sim prestar o reconhecimento da paz, ou seja, da salvação recebida de Javé. A fumaça que sobe do sacrifício é uma oração sacramental materializada. Frequentemente é descrita como de aroma agradável a Deus – linguagem que poderia ser mal-entendida com a noção pagã de se procurar aplacar ou propiciar a ira divina mas que, no contexto bíblico, deve ser vista na perspectiva da intenção eucarística, ou seja, uma forma agradável a Deus de se expressar ação de graças.
Os v. 6-8 apresentam o ritual envolvendo o derramamento e a aspersão do sangue. O sangue era dividido em duas partes. Uma era lançada (zrq) sobre o altar e a outra colocada em bacias. Após a leitura do Livro da Aliança ao povo e a promessa deste de que seguiria as palavras do SENHOR, esta outra parte do sangue era aspergida (hzh) sobre o povo e sobre o próprio livro (Hb 9.19). Esta dupla separação de sangue tinha conexão com as duas partes envolvidas na aliança, levando-as a uma unidade. Sem qualquer resquício mágico, esta separação do único sangue sacrificial, em que a vida de animais estava envolvida em lugar de vidas humanas, antecipa prolepticamente a união de Deus com seu povo por meio do sangue do cordeiro de Deus. O sangue, pois, não apenas estabelece a comunhão entre Javé e seu povo, mas também ratifica Israel como reino de sacerdotes, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus. Por isso, nem mesmo Deus estou de sua mão sobre eles (v. 11). A ira de Deus não os consome porque, ao aceitar a misericordiosa aliança de Deus, os pecados do povo – causa de sua morte – foram removidos das vistas de Deus (Gn 15.6). Este aspecto particular lembra ao povo de Israel que o Deus que estava pronto a recebê-los era o Santo de Israel, o rei dos reis cujo trono é o céu, e a terra o estrado de seus pés (Is 66.1).
Após a purificação com o sangue da aliança, o povo está habilitado a subir ao monte de Deus, ver a Deus e com Ele celebrar o banquete da aliança. Ali o povo, representado pelos 70 anciãos e os filhos de Arão, viu (chzh) a Deus. Este verbo é normalmente empregado para descrever uma visão no contexto profético. É um ver além do enxergar natural. Pode-se ver a Deus porque Deus deixa-se ver. Apesar de não se saber qual a forma pela qual Deus se revela no monte, ela é uma manifestação que o próprio Deus determina, de sorte que ele possa sei discernido pelos olhos humanos. Embora Moisés tenha visto uma forma (tenumah) de Javé (Nm 12.8), sem contradizer Dt 4.12,15, pode mós afirmar que aquele grupo no alto do monte Sinai viu uma forma de Deus. Talvez a descrição não seja fornecida para que o povo não seja estimulado a tentar reproduzi-la plasticamente.
Ver a Deus era uma antecipação da visão plena de Deus na eternidade. O banquete providenciado por Deus no alto do monte, num ambiente representativo da mansão celeste, e na presença visível de Deus, tipifica a ceia do cordeiro, a quem o SENHOR apresentará a sua Igreja na manifestação plena da sua glória (Ap 19.7-9).
3. Sugestões homiléticas
a) A pregação deve reforçar o fato de que esse povo que está ao pé do monte já é povo de Deus, escolhido por ele e de quem recebe o Decálogo em cujos limites vive, de forma espontânea e natural, uma vida a ele consagrada. Da mesma forma, a congregação que está dominicalmente diante do pastor já é povo de Deus. É o momento do evitar a inclinação fácil e legalista do tudo faremos e focar a ação do Deus pelos meios que ele mesmo dispensou ao seu povo de hoje.
b) A construção do altar, aqui como em todo o Antigo Testamento, não é uma iniciativa de Israel no sentido de aproximar-se de Deus. Antes, o altar é uma instituição de Deus que, como hoje, revela a presença dele no meio do seu povo. Altar está relacionado a sacrifício o, portanto, ao próprio sacrifício de Cristo. Resultando desse fato, nossos sacrifícios hoje são sacrifícios eucarísticos, ações de graças materializadas, que sobem ao céu como aroma agradável ao nosso Deus.
c) Não são os métodos humanos que prescrevem a forma de como do dá a aproximação com Deus. A comunhão com Ele é estabelecida nos moldes que o próprio Deus, em sua misericórdia, estabelece.
d) Só podemos subir até Deus porque ele mesmo desce e só humaniza, encarna-se, torna-se visível em Cristo, o cordeiro de Deus. Pelo sangue aspergido desse cordeiro sobre nós, ele santifica-nos e nos aproxima de si.
e) O comer sacramental na santa ceia, desfrutado pelo povo de Deus dominicalmente diante do altar, é uma antecipação da participação real e escatológica no banquete celeste que Ele nos preparou.
Bibliografia
CHILDS, Brevard S. The Book of Exodus. Philadelphia: Westminster, 1974.
COLE, R[obert] Alan. Êxodo: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1972.
DAVIS, John D. Moses and the Gods of Egypt: Studies in Exodus. 2. ed. Grand Rapids, MI: Baker, 1986.
VAUX, Roland de. Ancient Israel: Religious Institutions. New York: McGraw-Hill, 1965. v. 2.
Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia