Prédica: João 6.41-51
Leituras: I Reis 19.4-8 e Efésios 4.30-5.2
Autor: Almir dos Santos
Data Litúrgica: 12º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 31/08/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema:
PENTECOSTE: OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
1. Introdução
Hoje se fala muito em batismo do Espírito, dons do Espírito, movimento carismático, etc. Será que o acontecimento de Pentecoste leva-nos a entender melhor tudo isso?
Os evangelhos ensinam-nos reiteradamente que o Jesus glorioso envia o Espírito Santo de junto do Pai. O Evangelho de João narra como, no próprio dia da Páscoa, Jesus entra no lugar em que se encontram os apóstolos e lhes transmite o Espírito Santo, para que exerçam o podei de perdoar pecados; pois Jesus é o cordeiro que tira os pecados tio mundo (Jo 1.29) e os discípulos devem continuar a missão de Jesus.
Lucas distingue Páscoa (ressurreição), Ascensão (entrada na glória) e Pentecoste (manifestação do Espírito Santo). Em Pentecoste, descem sobre os apóstolos como que línguas de fogo para que estes proclamem o evangelho a todos os povos, representados em Jerusalém pelos peregrinos que vieram para a festa, que ouvem a proclama cão cada um em sua própria língua.
Os primeiros cristãos apreciavam muito o dom das línguas, que lhes permitia expressar-se em línguas estranhas. Paulo, porém, adverti-os de que os dons não devem tornar-se fonte de desunião. Os fiéis, com sua diversidade de dons, devem complementar-se, como os membros de um mesmo corpo. Na realidade, o dom das línguas é bem diferente do fenômeno ocorrido em Pentecoste. Neste, um fala e todos entendem (em sua própria língua). Na glossolalia, todos falam e ninguém entende Nós, hoje, devemos renovar o milagre do Pentecoste: falar uma língua que todos entendam, ou seja: a linguagem da justiça e do amor. Esta e a linguagem de Cristo, e é também uma língua de fogo!
Por outro lado, a diversidade dos dons no único corpo da Igreja é realidade. Dons do Espírito Santo são todos os dons que o Espírito de Deus suscita nas pessoas que crêem, para que, na sua diversidade, atuem como membros do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Podem ser dons que pertencem à vida cotidiana, como os diversos serviços na Igreja, ou podem ser também dons extraordinários. Somos capazes de considerar as nossas diferenças (pastorais, ideológicas, etc.) como um mútuo enriquecimento? O diálogo na diversidade pode ser um dom muito atual do Espírito.
Cito, para este 12° domingo de Pentecoste, as palavras de Atenágoras sobre o Espírito da novidade em Cristo: Sem o Espírito Santo, Deus está distante, o Cristo permanece no passado, o evangelho, uma letra morta, a Igreja, uma simples organização, a autoridade, Um poder, a missão, uma propaganda, o culto, um arcaísmo e a ação moral, uma ação de escravos. Mas, no Espírito Santo, o cosmos é enobrecido pela geração do reino, o Cristo ressuscitado se faz presente, o Evangelho se faz força do reino, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, a ação humana se deifica.
2. Jesus, pão de vida: em Cristo, a plenitude de vida do ser humano
Os sinais da presença de Deus ao lado de seu povo a caminho no deserto foram especialmente dois: o pão vindo do céu (maná) e a água que jorrou da rocha; são também os sinais através dos quais Deus faz sentir sua presença eficaz ao profeta fiel (1a leitura). Jesus, sacramento vivo do Pai entre as pessoas, deixa um sinal que indica não só a presença, mas também a eficácia dele.
Em Cristo, plenitude de vida – No capítulo 6 do Evangelho de João, é possível constatar uma perspectiva dupla: a dos ouvintes diretos de Jesus, para quem o discurso fala sobretudo da fé e do acolhimento de Jesus, o verdadeiro pão do céu, e a dos contemporâneos do evangelista, para quem o discurso de Jesus tem um evidente significado eucarístico.
João escreve após ter vivido a primeira experiência das comunidades cristãs, ou seja, depois que já se estabelecera entre os primeiros fiéis o hábito de reunir-se para celebrar a ceia eucarística. A sua perspectiva já é, portanto, um reflexo de uma prática sacramental em uso. Fica claro, então, que as palavras e os acontecimentos da vida de Jesus são lidos com uma plenitude e riqueza de perspectivas que não eram possíveis no dia em que os apóstolos ouviram falar pela primeira vez do pão da vida.
O versículo 35 deste capítulo do Evangelho de João, em que Jesus diz: Eu sou o pão da vida, faz-nos pensar imediatamente na eucaristia. Além disso, o pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo, em sua profunda semelhança com Lucas 22.19 (este é o meu corpo que é dado por vós), tem toda a aparência de ser a forma da instituição eucarística própria de João. No relato de João, a fé em Jesus está sempre em primeiro plano, mas ela é vista em sua relação com os sinais pelos quais torna-se visível. Fé e sacramentos da fé são, dali em diante, inseparáveis. A fé exige o sacramento e o sacramento é incompreensível separado da fé. No centro, está o tema da vida, isto é, o tema da realização plena do ser humano. Cristo veio realizar esta vida é a própria vida do seu pai, vida eterna, plena. O ser humano busca-a, mas não consegue encontrá-la ou só a encontra provisoriamente, e só sacia sua fome por momentos. Só Cristo pode saciar totalmente, porque este é o pão que desce do céu. Quem dele come não morre.
3. Um pão que é carne
O pão eucarístico segue as leis do pão doméstico: ele é oferecido pelo pai de família aos seus. O pão adquire sentido pelo fato de alguém tê-lo fabricado, comprado, e será comido por alguém. Os pais obtêm o pão, o alimento, a roupa com o seu trabalho. Eles são pão de vida para seus filhos, não só porque lhes deram a vida, mas também porque, de certo modo, os filhos continuamente alimentam-se dos pais. Dando o pão, fruto do seu trabalho, o pai e a mãe podem, de certo modo, dizer: Este pão é a minha carne, dada por meus filhos; ao participarem deste pão, os comensais participam, de certa maneira, da própria vida de quem o oferece.
Se pais e filhos podem dar ao pão um significado tão profundo, por que Jesus não poderia dar ao pão um significado e uma realidade totalmente novos, proporcionais à profundidade de todo o seu ser, e fazer dele, assim, a participação na sua vida com o Pai e o sinal eficaz da sua íntima presença e comunhão com os que nele crêem?
A experiência serena da refeição familiar e a descoberta dos profundos significados humanos ocultos nas expressões e nos gestos cotidianos que a família faz, quando se senta à mesa, são o caminho mais simples, e catequeticamente mais válido, para introduzir a uma compreensão rica e autêntica da eucaristia.
No ápice desta ação educativa está a preocupação de dispor os fiéis a fazer do mistério da ceia a fonte e o cume de toda a vida cristã. Todo o bem espiritual da Igreja está encerrado na ceia, onde Cristo, nossa Páscoa, está presente e dá vida aos homens, convidando-os e induzindo-os a oferecer-se com ele e em sua memória, para a salvação do mundo.
Lembremos o antigo e belo hino do Hinário Episcopal que diz:
Pão da vida
1. Ó Cristo! Pão da Vida,
Descido lá dos céus
O pão de nossas almas,
Que o Pai de amor nos deu!
Em ti nos alegramos,
Gozando mesmo aqui
Do alento e da doçura,
Que achamos sempre em ti.
2. Da eterna e santa vida
Da qual tu és o Autor,
Sustento e fortaleza
És tu também, Senhor,
Sem ti não nos assistem
Nem forças nem poder;
De ti, nosso alimento,
Queremos nós viver.
R. H. (melodia do Hymnal 446)
4. Repassando as leituras para este domingo
Primeira leitura – Com a força daquele alimento, Elias caminhou até o monte de Deus.
l Reis 19.4-8
Os heróis, como Elias e Moisés (cf. Nm. 11.15), também sentiram as mesmas fraquezas que nós. Elias, não confiando no resultado do ministério, foge. Já que não se considera melhor que seus pais no tra¬balho pelo reino de Deus, pensa ser melhor reunir-se com eles no túmulo (v. 4). Mas quando o ser humano reconhece sua fraqueza, a força de Deus intervém (2 Co 12.5,9). Com o pão e a água, símbolos do antigo êxodo, Elias realiza o seu êxodo (simbolismo dos quarenta dias: v. 8) e chega ao encontro com Deus.
Segunda leitura – Andai em amor, assim como Cristo.
Efésios 4.30-5.2
As exortações apostólicas entram até nos pormenores, dizendo o que a pessoa cristã deve evitar (aspecto negativo) e o que deve fazer (aspecto positivo). Assim, ela poderá trabalhar na edificação da Igreja e não contristar o Espírito, rompendo a unidade (4.25-32; 4.3). Este modo de viver tem seu fundamento no que Cristo fez ou o Pai realizou em Jesus. Viver como pessoa cristã é viver como Cristo e o Pai (v. l e Mt 5.48). Assim como o Pai perdoa, assim também deve fazer o cristão(v. 32b; Mt 6.12,14-15; Cl 3.13). Assim como Cristo ama e se da em sacrifício, assim também faz a pessoa cristã (v. 2; l Jo 3.16; Gl 2.2(1) A unidade é fruto do sacrifício pessoal.
Evangelho – Eu sou o pão vivo descido do céu.
João 6.41-51
A reação dos judeus à revelação de Jesus não se faz esperar, mas não se trata de uma decisão que parte da fé (v. 41-42). Desta sua atitude, Jesus conclui que eles não lhe pertencem, que o Pai não os deu a ele (6.44). Eles não se deixam ensinar pelo Pai; de fato, não escutam aquele que veio de Deus, o único que pode dar a vida eterna (v. 45-46). Está implícito aí um sentimento de culpa (cf. 3.36; 5.40; 8.21-44). Em seguida, ele ainda revela melhor a si mesmo, repetindo que é o pão da vida e que o ser humano, para ter esta vida – que o maná não foi capaz de dar (v. 49) -, deve comer dele; e isto poderá realizar-se quando ele tiver dado a si mesmo (a sua carne) em sacrifício pela vida do mundo (v. 51). O dom da eucaristia passa pela morte.
Bibliografia
HINÁRIO da Igreja Episcopal Anglicana. Porto Alegre: Livraria Anglicana, 1997.
KONINGS, Johan. Liturgia da palavra, caminho da fé: Ano B – O Novo Povo de Deus. São Paulo: Paulinas, 1986.
MISSAL Dominical: Liturgia da Assembléia Cristã. São Paulo: Paulinas. 1980. v. I.
Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia