|

Prédica: Marcos 13.1-13
Leituras: Daniel 12.1-3 e Hebreus 10.11-18
Autor: Ulrico Sperb
Data Litúrgica: Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 16/11/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXVIII
Tema:

1. Mientras tanto

Estas palavras caracterizaram uma prédica que o saudoso Pastor Hubert Willrich proferiu no Domingo Exaudi de 1988, em Riveni, no Uruguai. Ele explicou:

– Neste domingo, estamos vivendo mientras tanto (no meio-tempo) entre a ascensão e pentecoste.

A partir desta constatação, explanou que nossa vida se desenrola mientras tanto, ou seja, entrementes, no meio-tempo entre um acontecimento e outro.

O texto previsto para a pregação deste domingo deixa claro que a nossa vida se desenrola entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Helmut Thielicke chegou a cogitar que a ética cristã deveria ser uma ética de ínterim, enquanto aguardamos a segunda vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.

O caráter de provisoriedade da vida fica explícito, quando a eu tendemos mientras tanto.

2. Discurso de despedida de Jesus

O nosso texto de prédica é um dos discursos de despedida de Jesus. Foi proferido, portanto, no seu tempo de paixão.

Cristo despede-se, porque vai em direção ao seu calvário, ao seu martírio e à sua morte. Não fala somente do seu fim, mas do fim, da finalidade de toda a humanidade, quando acontecer a sua segunda vinda.

O nascimento, a morte, a ressurreição, a ascensão e pentecoste fazem parte da primeira vinda de Cristo. A segunda está por vir. E nos vivemos entre ambas – mientras tanto.

3. Analisando o texto

a) O contexto

Jesus Cristo e os seus discípulos estão em Jerusalém: Mc 11.1-11 narra a entrada triunfal na cidade santa; Mc 11.15-19 traz a purificação do templo. A trajetória da paixão de Cristo, portanto, já começou. O contexto imediato – Mc 12.41-44 – coloca Jesus e os discípulos no tem pio: é a história da oferta da viúva pobre.

Na sequência, após Mc 13.13, continua o discurso de Jesus sobre os sinais do fim dos tempos, quando acontecerá a vinda do Filho do homem (Mc 13.26).

b) Introdução do tema

Mc 13.1-2 introduz o tema. Um dos discípulos fala da grandiosidade do templo. Jesus, porém, indica para a sua precariedade: não ficará pedra sobre pedra. Alguns teólogos dizem que este é um típico vaticínio a partir do evento, ou seja: estas palavras teriam sido colocadas na boca de Jesus, após os terríveis acontecimentos do ano 70, quando Jerusalém e o templo foram destruídos. Outros teólogos, no entanto, preferem dizer que estas são palavras autênticas de Jesus: fazem parte dos discursos escatológicos que profetizam fatos que acontecerão e os comparam em simbologia com o que acontecerá com o próprio Cristo.

c) A definição do tema

Em Mc 13.3s., encontramos Jesus com uma comitiva de discípulos (Pedro, Tiago, João e, desta vez, também André) no Monte das Oliveiras – defronte do templo. A pergunta temática sobre o sinal do tempo final enseja a resposta de Jesus, em forma de discurso escatológico sobre os assim chamados sinais dos tempos.

d) Os sinais prévios

Num primeiro momento, Jesus discorre sobre os sinais prévios – os v. 5-8. Deixa claro que não são definitivos, mas que acontecerão entrementes. Apesar de sua crueza, não têm caráter absoluto. Acompanharão a caminhada do povo de Deus: serão, tão-somente, o princípio das dores. Jesus enumera os seguintes sinais que não devem enganar, como se fossem o fim propriamente dito:

* O surgimento de falsos cristos – Há vários tipos que se colocam em lugar de Cristo: a) aqueles que se auto-intitulam o Cristo da segunda vinda; b) aqueles que usam as palavras de Cristo em seu próprio proveito, para obter lucros pessoais de poder e/ou dinheiro; c) aqueles que apregoam ideologias redentoras. Todos são perigosos, porque iludem as pessoas e produzem morte.

* As muitas guerras – Apesar de termos alcançado o século XXI, a civilização humana ainda tem na guerra um método de resolver dite roncas. O Jesus que viveu como ser humano – o Jesus histórico esta vá inserido no contexto da lógica da guerra que prevalece ale hoje busca do domínio e uso da violência para provar o absurdo da apropriação da verdade.

* As guerras mundiais – As duas guerras mundiais do século XX foram interpretadas como sinais do fim do mundo. Quando Jesus falou sobre o levante de nação contra nação, o mundo ao redor do Mar Mediterrâneo estava sob a dominação romana. A hegemonia de Roma era incontestada. Cristo, porém, conhecia o âmago das estruturas sociais: há laços patriótico/nacionais, étnicos, raciais que são indeléveis. Mc 13.8a é uma visão profética de Jesus que permeia a história. No original grego, inclusive, é dito que se levantará etnia contra etnia (traduzido por nação em Almeida).

Os terremotos – Real e infelizmente são o fim para muitas pessoas. Tanto no passado como no presente, as catástrofes naturais aterrorizam e traumatizam quem é atingido e sobrevive.
A fome – A cristandade, em toda a sua brilhante história de propagação do evangelho de Jesus Cristo, chega até os dias atuais impo tente (e, em parte, inoperante) diante de mais de um bilhão de seres humanos passando fome. Jesus não faz pouco caso da miséria (ver também Mc 14.7). A igreja de Jesus Cristo, sem sombra de dúvida, realizou e continua a realizar as seis grandes obras diaconais que Jesus menciona em Mt 25.31-46 (acrescento aqui a sétima obra que e o sepultamento cristão dos entes queridos). Mesmo assim, produz-se mais miséria do que a cristandade possa sanar. Mientras tanto oramos com as palavras do teólogo Jaci Maraschin:

Senhor, que os nossos pratos,
numa terra dividida,
um dia se dividam
numa terra reunida! Amém.

e) Os sinais imediatos

Jesus relaciona o que ocorrerá imediatamente antes do fim dos tempos, da segunda vinda do Filho de Deus. Nos versículos 9 a 13 e além da nossa perícope (v. 14ss.), fala das enormes tribulações que ocorrerão. Acontecerão terríveis perseguições por causa da fé. No de correr da história da cristandade, muitas pessoas sofreram o martírio Jesus, porém, fala de um sofrimento final muito grande.

* A entrega dos seguidores de Cristo às autoridades religiosas Apesar de Jesus falar sobre perseguição aos discípulos por parte dos sacerdotes judeus, podemos lembrar os trágicos acontecimentos no seio da Igreja, como, p. ex., a inquisição. Jesus coloca como sobreaviso do final dos tempos a perseguição religiosa – interna e externa (v. 8).

* A tortura e os julgamentos diante das autoridades seculares. Até o século IV, o povo cristão foi perseguido com tenacidade. A igreja primitiva estava constantemente à espera da parúsia (segunda vinda de Cristo), devido ao sangue mártir que era derramado pelas cidades mediterrâneas. Várias epístolas e o Apocalipse refletem essa situação: Rm 13.11; Hb 10.25; Ap 14.7.

* A pregação do evangelho a todas as nações é uma condição prévia que está neste contexto, justamente por causa do discipulado e da missão. O v. 11 transmite conforto para as horas mais difíceis diante dos juizes. Sob a inspiração do Espírito Santo, os discípulos de Jesus servirão de testemunhas frente aos poderosos do mundo (v. 9 no final).

* As rupturas dentro da própria família. Hebreus 4.12 exemplifica que a palavra de Deus é como uma espada que penetra no âmago da vida e do convívio. Por causa do evangelho, surgirão rompimentos familiares profundamente lamentáveis. O autor judeu Victor Frankl descreve como nos campos de concentração nazistas aconteciam traições dentro das próprias famílias, na busca ansiosa pela sobrevida. Quem somos nós para julgar estes fatos?

* O ódio contra os discípulos por causa do nome de Cristo. Fico a pensar: será que alguém pode ser odiado por causa da sua fé em Jesus Cristo? Atualmente e em nosso meio, isto parece improvável. A história, porém, conta que este ódio já aconteceu: o início da era cristã foi marcado pelo ódio aos fiéis. No final do século XVI, aconteceu no Japão uma sangrenta perseguição aos missionários cristãos, movida por um tremendo ódio. Neste caso, temos que nos perguntar inclusive pelo conteúdo colateral – leia-se civilização cristã ocidental – que os missionários levaram aos japoneses.

No final da perícope, Jesus promete a salvação a quem perseverar até ao fim. Para a vida cristã, deve ficar claro que isto não vale somente para quem estiver vivo quando acontecer a parúsia. Isto vale para o fim da vida de todas as pessoas que vivem mientras tanto, enquanto estiverem acontecendo todos os sinais aqui mencionados. A promessa continua valendo: ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima (Ap 21.4).

4. A pregação

Ao pregar sobre este texto, iniciei com as palavras mientras tanto e mencionei o sermão de Hubert Willrich acima referido. Disse que, em nossa vida, tudo transcorre mientras tanto. Depois usei os conteúdos da análise do texto. Além disso, nos devidos lugares, inseri alguns exemplos que exponho abaixo.

Os falsos cristos (v. 5 e 6) – fiz alusão ao messianismo evangélico (escrevo esta meditação em maio de 2002, em plena campanha eleitoral) que vê como solução para todos os problemas do Brasil a eleição de um Presidente evangélico. Os ideólogos deste messianismo colocam como primeiro ato (medida provisória), a ser feito logo após a posse, eliminar o dia 12 de outubro como feriado nacional, como o dia da Padroeira do Brasil. Todos os males do Brasil teriam a sua origem a partir da decisão de estabelecer este feriado, conforme os messiânicos evangélicos.

As guerras (v. 7 a 8a) – citei o escritor alemão Heinrich Böll, que escreveu em uma de suas obras: A guerra ainda não terminou, eu quanto uma única ferida ainda estiver sangrando. E hoje eu acrescento: enquanto um coração ainda estiver sofrendo. Após o culto, uma mulher idosa, com lágrimas nos olhos, contou-me um pouco do muito que sofreu no leste europeu durante a segunda guerra mundial. Como paráfrase, também formulo a seguinte frase: Uma guerra ainda não terminou, enquanto a última mina não for desenterrada. Em vario:; países, há milhões de minas enterradas. Em Moçambique, calcula-se que dois milhões delas continuem sob a terra. Em 2001 foram desenterradas setenta e seis mil minas a um custo de quinze milhões de dólares, doados por um governo europeu.

Os terremotos – citei um trabalho de Rudelmar Bueno de Faria (Secretário para a América Central da Federação Luterana Mundial, residente em El Salvador). Nos últimos 30 anos, na Costa Rica, na Nicarágua, em Honduras e em El Salvador, morreram 32.163 pessoas vitima das pelas seguintes catástrofes: terremotos, inundações, secas, furacões, erupções vulcânicas ou tsunamis (ondas gigantescas que atingem a costa). Cada catástrofe significa o fim do mundo para muita gente.

Quanto ao v. 11, narrei um episódio da minha vida. Em 1971, durante a ditadura militar, ajudei um homem. Ele contou a repórteres da televisão alemã como seu filho e sua nora foram presos pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e desapareceram. Eu apenas fiz a tradução para o alemão e só a minha voz foi gravada. Em Bonn, na Embaixada do Brasil, o adido militar ouviu esta entrevista. O homem foi preso, torturado, e disse tudo, inclusive o meu nome (pelo que humildemente pediu o meu perdão). Como consequência, fui intimado a apresentar-me a um capitão no quartel. No dia determinado, despedi-me de minha esposa e nós estávamos com medo diante da probabilidade de eu ser preso. Para chegar ao capitão, tive que subir uma escada. Ao colocar o pé no primeiro degrau, veio-me à mente uma oração que minha mãe me ensinou, em alemão, quando tinha 7 anos, mas que há muito tempo substituíra por outras (Hinos do Povo de Deus, n° 175,1 é a tradução desta oração):

Justiça e sangue de Jesus
são meu adorno, minha luz.
Nada hei de apresentar a Deus.
Seu sangue encobre os males meus. Amém.

Neste instante, tive a certeza de que não estava sozinho. Durante dois anos e meio, tive que ir a este quartel a cada duas semanas. Todas as vezes, ao subir a escada, orava esta mesma oração.

5. A liturgia

Confissão de pecados: No meio-tempo pecamos, Senhor! Desde que pedimos perdão pela última vez até agora cometemos ações negativas, dissemos coisas que não devíamos e muitos de nossos pensamentos nos deixam vermelhos de vergonha. Perdão, Senhor, mais uma vez! Pelo amor de Jesus Cristo, pedimos que nos perdoes e nos aceites em tua graça. Com toda a humildade só podemos implorar: tem piedade de nós, Senhor!

Palavra de absolvição: Assim diz o Senhor: mas naquele tempo, será salvo o teu povo, todo aquele que for achado inscrito no livro. (Dn 12.Ib – da leitura do Antigo Testamento) E o Apóstolo nos promete: Porque, com uma única oferta, Cristo aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. (Hb 10.14 – da leitura de epístola)

Oração de coleta: Senhor, nosso Deus, tu és a nossa esperança; confiamos em ti; a tua promessa se cumprirá. Nisso podemos crer e sentir-nos fortes todos os dias. Teu reino virá, e, até que isso aconteça, saberás preservar o teu povo aqui na terra. Concede que permaneçamos firmes na graça de Cristo até que o tempo se cumpra. (Christoph Blumhardt – extraído das Senhas Diárias de 2002)

Leituras bíblicas: Antigo Testamento: Daniel 12.1-3 -o texto aponta para o fim dos tempos e a finalidade da vida humana. Epístola: Hebreus 10.11-18 – relembra o sacrifício sacerdotal de Jesus Cristo, definitivo e remidor.

Oração comunitária: Agradecemos-te, Senhor, nosso Deus, por nos amares como um bondoso pai e cuidares de nós como uma carinhosa mãe. Tu nos dás a oportunidade de viver entre a primeira e a vinda de teu amado Filho Jesus Cristo. Melhor ainda: só podemos estar gratos pelo tempo em que vivemos. Há tantas coisa boas e interessantes que não existiam em épocas passadas. Mas também ha muitos problemas, Senhor. Pedimos a tua ajuda para superá-los. Lembramos nesta hora as dificuldades pelas quais passam várias pessoas da nossa comunidade: há pessoas doentes, enlutadas, com problemas no ou até de trabalho, há dificuldades em vários lares. Olha com muito amor para todas as pessoas que nos são queridas, perto ou longe. Imploramos pelo nosso país: que povo e governantes, nos municípios, estados e na federação, saibam que o direito e a justiça são condições essenciais para uma vida decente e digna. Senhor, dá-nos a certeza de que nosso mundo tem salvação. Amém.

Bibliografia

FRIEDRICH, Nestor. Marcos 13.1-13. In: SCHNEIDER, Nélio; DEIFELT, Wanda (Coords.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1996. v. 22, p. 286-291.
KRÜGER, René. Marcos 13.1-13. In: KILPP, Nelson; WESTHELLE, Vítor (Coords.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1990. v. XVI, p. 302-310.
SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Markus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967.
ZIMMERMANN, Wolf-Dieter. Markus über Jesus. Gütersloh: Gerd Mohn, 1970.

Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia