Prédica: Isaías 60.1-6
Leituras: Mateus 2.1-12 e Efésios 3.2-12
Autor: Vera Regina Waskow
Data Litúrgica: Epifania de Nosso Senhor
Data da Pregação: 6/01/2004
Proclamar Libertação – Volume: XXIX
Tema: Epifania
1. Para constar
Cabe dizer que Isaías 60.1-6 foi bastante estudado quanto aos aspectos exegéticos e hermenêuticos nos volumes V (Erhard S. Gerstenberger), VIII (Albérico Baeske), XVII (Friedrich E. Dobberahn) e XXIV (Vera Maria Immich). Levando em consideração que muitas pessoas não têm acesso a esses exemplares, tratarei, baseado neles e em outros materiais, de trazer-lhes uma singela contribuição à luz de alguns acontecimentos recentes.
2. Aproximando-nos do texto
Ao ler esse texto, faz-se necessário ter claro o contexto no qual ele surgiu. Não somente esse texto, mas o contexto formador de todo o livro de Isaías. Esse texto é colocado no final do século VI a.C. Este período denominado de pós-exílico traz consigo as marcas de famílias desestruturadas, pessoas tentando reencontrar sua identidade, sua história, ou seja, um período que está fortemente marcado pelo espírito de sobrevivência e restauração.
A realidade pós-exílica era de reorganização. O que se manteve e ressurgiu foi uma estrutura mais familiar: a “casa paterna”, uma espécie de grande família, e a instituição dos “anciãos”, que ganhou força nesse período. A partir de pequenos clãs, a história começava a se refazer. O povo lamentava o retardamento da salvação escatológica, como aponta o capítulo anterior ao nosso texto. Esse lamento vinha acompanhado de dificuldade econômica, social e política. Em meio à dificuldade também a fé perdia sua força, e a desestruturação religiosa era inevitável. Enquanto alguns desejavam recomeçar e mantinham-se firmes na fé, outros desistiam e entregavam-se às incredulidades das promessas e ao desespero. A esperança se esvaía, tanto depois do exílio como também depois da reconstrução do novo templo. É essa esperança que o profeta quer trazer a essa gente, a esperança na promessa de que a graça e o amor de Deus não têm fim. E que, mesmo em meio às trevas e à escuridão, luz brilhará sobre essa gente. O profeta coloca em Jerusalém toda a sua esperança salvífica; ele não possui uma visão universal da salvação, mas coloca a promessa escatológica num plano terreno e profundamente limitado. Ainda assim, nosso texto é um canto de esperança que, com certeza, foi de fundamental importância naquele momento e ainda é hoje.
3. Impossível esquecer
Com certeza já está distante de vocês o bombardeio provocado pelos Estados Unidos sobre o Iraque. Este confronto aconteceu numa busca por poder e petróleo, mascarada por uma desculpa infundada de que o Iraque pudesse estar produzindo ou estocando armas químicas. Sim, está distante, mas para mim esse momento é atual, e a cada dia os meios de comunicação trazem novas notícias da invasão americana. O presidente Bush declarou que essa guerra iria durar pouco tempo e afirmou em nome da fé que se tratava de uma guerra justa. Hoje, durante o dia, refleti sobre a foto de capa de um dos jornais. A foto trazia uma criança iraquiana sentada no chão com os pés machucados, brincando com torrões de areia, enquanto ao fundo estavam soldados parados diante de um tanque de guerra. Perguntei-lhe: “Onde estão teu pai e tua mãe? Onde está a tua gente? O que aconteceu com tua família? O que estás agora sentindo enquanto esses homens de farda passeiam diante de ti?” Quantas foram as coisas que pensei! Quantas foram as pessoas que imaginei e quantas outras estariam naquela mesma situação! É impossível esquecer de ti, criança, é impossível esquecer de tantas pessoas que assim como tu estão condicionadas a recomeçar sua vida do nada. As notícias trazem a informação de que, aos poucos, as famílias estão voltando e que agora a história tentará ser reconstituída. Penso que aquela criança também sentirá em seus ossos, em seu corpo, em seu coração a alegria quando vir que sua gente está voltando de longe. Creio que o canto de louvor de nosso texto deva ser também o canto dessa criança e de muitas pessoas que, como ela, precisam e desejam recomeçar. “Levanta-te, resplandece, porque é chegada a tua luz, e é nascida sobre ti a glória do Senhor” (Is 60.1).
… a terra está coberta de escuridão… e as crianças ainda choram …
Nossa vida hoje também se constitui de uma reconstituição e de uma reestruturação. A cada novo dia, milhares de pessoas tratam de dar sentido às suas vidas, simplesmente desejando conquistar uma vaga no mercado de trabalho. Tantas outras já perderam a esperança e vivem de favores ou de “bicos”. O povo jovem caminha em busca de estudo, lazer, trabalho, as crianças buscam novas formas de brincar, encantar, as pessoas idosas procuram lutar contra suas enfermidades diante do sistema de saúde falido e precário. Este povo, formado por homens, mulheres, jovens, crianças, gente que insiste a cada novo dia em caminhar, reinventa e redescobre um novo sentido de vida todo dia. Gente que se defronta diariamente com momentos de escuridão e trevas, gente que desiste, gente que se desespera, cansa… Meu sentimento é de temor. Temo que estamos como aquela criança: “aprendendo a brincar em meio às trevas…” Isto assusta! Creio que estamos realmente brincando, pois, quando a realidade se faz cruel em diferentes momentos, já não nos agride, já não nos questiona, já não nos inquieta. Penso que nos acostumamos fácil demais à realidade da não-vida e nem mesmo nos esforçamos para ver a luz que brilha.
… mas a luz do Senhor está brilhando …
Creio que, como pregadores e pregadoras da Palavra, temos o compromisso de anunciar a luz do amor de Deus, que brilha em meio a toda desesperança, que paira sobre as trevas. Precisamos convidar cada pessoa a olhar para sua vida e reconhecer seus momentos de escuridão, bem como tentar reencontrar o caminho, a esperança e a vontade de caminhar. Somos comunidades de pessoas que têm coragem de afirmar que “nosso mundo tem salvação” e que “Deus enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap 21.4), conforme o tema e lema da IECLB no ano passado. A fé não nos permite desanimar, mas reconhecer “os sinais de paz e de graça, nesse mundo que ainda é Deus, em meio aos poderes das trevas, manifestam-se as forças dos céus”(HPD, vol. 1, 165). Desses sinais de paz e de graça temos que ser testemunhas. Esta é a luz que anunciamos e se faz visível. Eis a glória do Senhor.
4. Os outros textos
Mateus 2.1-12 – A estrela anunciou a chegada do Filho de Deus. A luz no céu trouxe luz para a terra. E desde o momento em que a estrela cortou o céu e a vida fez-se em uma estrebaria, nada foi igual. Nem mesmo aqueles três reis que viram a luz e ouviram a voz de Deus.
Efésios 3.2-12 – Paulo anuncia àquela comunidade que a graça e o amor de Deus também atingem os não-judeus. Paulo anuncia que, unidos a Cristo por meio da fé, nós temos a liberdade de nos achegar a Deus.
5. Subsídios para o culto
Simpatizo com a idéia de podermos celebrar e viver o texto. Dessa forma trago-lhes algumas sugestões:
Hinos – Hinos do Povo de Deus, vol. 1: 210, 42.
Acolhida – As gravuras que podem ser usadas no Kyrie podem ser colocadas no chão, para que, enquanto as pessoas entram, possam ser observadas. Evitem colocá-las no caminho, para que não sejam pisadas.
Confissão de pecados – Sugiro que seja feita com a leitura do hino 41 do Hinos do Povo de Deus, vol. 1.
Anúncio da graça – “Levanta-te, que o teu rosto brilhe de alegria, pois já chegou a sua luz, a glória do Deus Eterno está brilhando sobre você” (Is 60.1).
Kyrie – Sugiro fazer o Kyrie de uma maneira diferente. Providencie alguns recortes de jornais sobre diferentes situações – violência, fome, miséria, abandono, saúde –, que contemplem também as diferentes faixas etárias. Distribua essas folhas pelo espaço de tal forma que pelo menos cada quatro ou cinco pessoas possam observar uma gravura. Lembre-se de a cada gravura selecionada anotar uma frase sobre aquela situação. Observo também que as frases, não necessariamente, precisam ser específicas, por exemplo: a gravura estampa uma situação de violência; quando mencionada a frase, podemos lembrar as diferentes pessoas que passam e enfrentam situações de violência.
Em comunidades onde as pessoas estão acostumadas a participar da celebração pode-se motivar que alguém clame e ore pela situação ali vista.
Também é possível que somente se motivem as pessoas que estão com as gravuras a descrever em poucas palavras a cena ali demonstrada. Esta opção pode ser utilizada em comunidades grandes e, nesse caso, as gravuras podem ser limitadas (cinco, por exemplo). Depois de descrita a situação, toda a comunidade é convidada a clamar pela dor mencionada. Depois de mencionada a cena, a pessoa que dirige a celebração formula em uma frase a oração e convida a comunidade a responder cantando: Tem, Senhor, piedade. No Hinos do Povo de Deus, vol. 2, os hinos 341-344 são outras sugestões para esse momento.
Glória – Por Deus, o Criador, ter enviado a nós a sua luz em forma de uma criança e ter-nos presenteado através dela com seu amor, e também por podermos ainda hoje viver abrigados e abrigadas nessa luz e nesse amor é que damos glória e louvor a Deus, cantando:
Intercessão – Seria importante que a intercessão acontecesse de forma espontânea, que a comunidade se sentisse motivada a colocar diante de Deus seus sofrimentos, suas dores, suas dificuldades, bem como também as alegrias. Se isto não for possível, a pessoa que dirige a oração deveria levar em conta, de maneira especial, as pessoas que estão ali e suas dificuldades, para que também elas possam experimentar a graça e o amor de Deus em meio à escuridão.
Bênção –
Que a luz de Cristo brilhe,
nos envolva em amor,
e que o seu poder nos venha proteger.
Que a luz de Cristo brilhe,
nos envolva em amor,
e que o seu poder nos venha proteger para sempre,
e sempre, e sempre, e sempre, amém.
Bibliografia
SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
SELLIN, E.; FOHRER,G. Introdução ao Antigo Testamento. Vol. II. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1978.
Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia