O cartunista Henfil observou, em meados da década de oitenta, que no auge da grande mobilização por eleições diretas em 1984 ocorreu uma redução significativa dos índices de criminalidade no Rio e em São Paulo. O mesmo já havia sido verificado por ocasião das grandes greves no Grande ABCD alguns anos antes.
Na última semana uma pesquisa constatou que os paulistanos mudaram profundamente a sua relação com a cidade em função ou por ocasião das festividades dos 450 anos da cidade de São Paulo. Há quatro anos o percentual de pessoas que se diziam satisfeitas e com nenhuma vontade de sair de São Paulo girava em torno de 25%. Nas últimas semanas este índice dobrou, chegando mesmo a 83% o número de pessoas que declaravam seu amor pela capital.
Descontado todo o marketing e toda a publicidade envolvida nos festejos, salta aos olhos que uma nova relação para com o espaço vivencial está sendo construída. Se antes as pessoas expressavam um desejo de fugir, agora se esboça uma vontade de contribuir para a mudança daquilo que é desagradável. É sabido que a opinião pública é bastante volúvel, mas mesmo assim percebe-se uma mudança de perspectiva.
Estas constatações apontam para o fato de que as pessoas não vivem isoladas. Em suas relações visíveis e invisíveis elas externalizam em gestos, palavras e atitudes a sua visão e suas crenças de futuro relacionadas com a sociedade em que vivem. Cria-se um clima no ar que altera o estado de ânimo das pessoas a ponto de inibirem ações consideradas anti-sociais, como roubos, furtos e outros delitos. Se algo pode ou vai mudar porque preciso infringir as leis e as convenções sociais?
As mobilizações de massa de caráter reivindicativo, propositivo e afirmativo, despertam uma esperança indizível – uma esperança que não tem um conteúdo concreto. As pessoas sentem e intuem que algo novo pode acontecer, mas não sabem e nem conseguem traduzir esta novidade. Elas já pressentem mudanças possíveis, mas ainda não conseguem ver a sua forma.
Esta experiência humana da esperança, que se expressa coletivamente no já e ainda não, ilustra a experiência do povo de Deus ao longo dos séculos. A busca pela terra perdida, pelo paraíso perdido, pelo novo céu e a nova terra, pela nova cidade em que Deus habita acontece nesta tensão entre o já e ainda não. Há sonhos e projetos que se plasmam coletivamente e traduzem no presente o que se quer ver concretamente no futuro.
Os cristãos, a partir da liberdade conferida por Jesus Cristo, estão envolvidos na promoção da esperança. Além de se articularem e organizarem em comunidades que anunciam e celebram a esperança, os cristãos estão presentes na sociedade civil e nas instâncias reguladoras da vida coletiva. Procuram ser o sal, a luz e o fermento que dão gosto à existência, iluminam o caminho em meio à obscuridade e transformam a qualidade das relações humanas.
A liberdade cristã se nutre da promessa da vida nova já presente no mundo e na sociedade. Por isso, guardemos firme a confissão da esperança por que, quem fez promessa, é fiel. (Hebreus 10.23) Fiquemos atentos para os sinais e as marcas da vida nova já presentes na sociedade e confiemos, cheios de esperança, na transformação do que ainda não representa a vida plena deseja da por Deus.
P. Dr. Rolf Schünemann