Prédica: I Reis 8.41-43
Leituras: Lucas 7.1-10 e Gálatas 1.1-10
Autor: Acir Raymann
Data Litúrgica: 2º Domingo após Pentecoste
Data da Pregação: 13/6/2004
Proclamar Libertação – Volume: XXIX
Tema:
1. Leituras do dia
O Sl 117, que é o salmo do dia, ressalta que Deus fez tão grandes coisas a seu povo Israel, que as nações deveriam ouvi-las e, ao fazê-lo, sentir-se compelidas a unir seus louvores aos de Israel. O salmo revela uma manifestação escatológica e, ao mesmo tempo, uma profunda consciência da presença do povo de Deus no mundo: o povo de Deus jamais deve esquecer sua missão de ser mediador da verdade salvadora a todos os povos e nações.
A epístola (Gl 1.1-10) dirige-se aos da Galácia, agora cristãos, mas outrora pagãos e estrangeiros. Os gálatas haviam recebido o verdadeiro Evangelho, embora no momento estivessem expostos a um incontável número de “outros evangelhos”. O Evangelho de Cristo é singular, único, porque é selado com a sua ressurreição, tema este que fecha hermeticamente o domingo de Pentecoste. Que nenhum outro evangelho, mais atraente, mais floreado, de outra coloração quem sabe, seduza esse povo de Deus advindo de outras culturas, raças e religião.
O Evangelho, Lc 7.1-7, fala de um episódio inesperado e paradoxal. A surpresa está presente. Fala de um centurião romano que não aparece, de um servo com uma doença terminal a um quilômetro de distância e de judeus suplicando em favor de outros. De outro lado, o amor está presente, a fé está viva e, acima de tudo, Jesus está ali com a sua presença messiânica. O que foi curado, dessa vez, não é aquele que tem fé. Quanta razão para interceder um pelo outro, pelos doentes, pelos sem-teto, pelos desempregados – e o menu pode ser extenso. Nosso Senhor Jesus Cristo é Senhor de todos, que tem amor e compaixão tanto pelo judeu como pelo gentio, tanto pela autoridade como pelo escravo, tanto pelo que está perto como pelo que está longe, tanto pelos que conhecemos como pelos que não conhecemos, tanto pelos cristãos como pelos não-cristãos.
2. Contexto e texto
Esta perícope faz parte da narrativa da inauguração do templo de Jerusalém. A oração de Salomão compõe-se de sete intercessões, das quais o nosso texto é a quinta delas. (As demais são: 8.22-32; 33-34; 35-36; 37-40; 44-45; 46-51). O templo é o cumprimento da promessa divina feita a Davi em 2 Sm 7. Pode-se dizer que o templo é um “sacramento” da aliança feita por Yahveh com o povo de Israel e concretizado por intermédio do filho de Davi: Salomão. O próprio Salomão, ungido (masach) rei (1 Rs 1.34,39), é o primeiro cumprimento da promessa feita a Davi e também um tipo do grande cumprimento que acontece em Jesus Cristo, o ungido (masiach) maior. Salomão, que significa “paz” e “descanso” (1 Rs 22.9), constrói o templo em sete anos, celebra sua dedicação no sétimo mês, por sete dias, na maior e mais comemorada festa do Antigo Testamento, ou seja, a festa dos Tabernáculos, a sétima delas. Há um padrão sabático nesse episódio todo e que aponta para o descanso que aguarda o povo de Deus (Hb 4.9). Tipologicamente, o messias e rei, o templo e os sacramentos (sacrifícios) cumprem-se na pessoa de Jesus Cristo, que é o Messias e maior do que o templo (Mt 12.6). O templo, portanto, tem desde o seu início uma forte ênfase messiânico-cristológica. Templo diz respeito a Deus, seu nome e seu Filho.
A referência ao templo como lugar da habitação do nome de Deus (1 Rs 8.16, 17, 18, 19, 20) pode parecer estranha. Mas, no Antigo Testamento, o nome é uma extensão da pessoa. Não é diferente hoje. Ao ver o nome da pessoa, vem à mente a própria pessoa. Mencionar o nome de alguém é invocar a imagem e a presença desse alguém. “O nome de Deus é Deus mesmo”, diz Cavlov. Não está distante daquilo que Lutero diz na sua explicação da primeira petição do Pai-nosso.
Embora reconhecendo a natureza transcendental de Deus (8.27), Salomão afirma a presença de Deus em seu nome, no templo. Deus tem uma presença especial na terra (8.12-13). Deus está ali “celebrando a memória do seu nome”, como prometera em Êx 20.24. O propósito último da presença do templo ou do nome de Deus entre a humanidade não é outro senão o perdão dos pecados. “Ouvir” é sinônimo de aceitar e crer (8.42). Jesus é a expressão maior do nome de Deus entre os homens. Fomos batizados em seu nome, oramos em seu nome, adoramos a Deus em seu nome.
Salomão ora para que Yahveh ouça também a oração dos estrangeiros, dos gentios de terras remotas que orarem voltados para esse templo, porque “ouviram do teu grande nome” (8.42). A missão de Deus pelo povo de Deus no Antigo Testamento não é apenas centrípeta, mas também centrífuga. Não se restringe à congregação local, mas se estende para fora de seus limites e de suas fronteiras. Esta é a natureza do povo de Deus: falar do nome de Deus, da ação salvífica de Deus na história (“mão poderosa”) e da proteção dele à vida de sua Igreja (“braço estendido”). Significa falar de Deus e de seus atos onde se está, quer seja em Jerusalém (em nosso texto), em Cafarnaum (na leitura do evangelho) ou na Galácia (leitura da epístola). Claro que Israel, o povo de Deus do Antigo Testamento, nem sempre entendeu corretamente a sua missão, assim como nós, o “novo Israel” de Deus, muitas vezes não temos entendido. Por isso não são poucas as vezes em que o templo e o nome de Deus foram profanados, servindo a outros objetivos. Templo tem a ver com Deus e o nome de Deus. Permanecendo este foco, o nome de Deus será vivido e anunciado; o povo de Deus será abençoado e as nações serão salvas, unindo-se aos louvores do povo de Deus e a ele próprio.
3. Sugestões homiléticas
a – A oração de Salomão pode servir de modelo para as nossas orações na medida em que nós, em nome de Cristo, pedimos a fidelidade de Deus no cumprimento de sua promessa de salvação.
b – Uma reavaliação constante do propósito do templo e da presença do nome de Deus nele pela palavra e sacramentos nos induzirá a uma perspectiva também centrífuga da missão de Deus.
c – Uma visão positiva do mundo e uma abordagem em amor às pessoas que não pertencem à comunidade cristã (gentios e “estrangeiros”) facilitam que essas pessoas ouçam do grande nome de Deus, da ação salvífica dele e da sua proteção também a elas.
d – A eficácia da intercessão dos que são “santuários [templos] do Espírito Santo” não deve ser minimizada, pois Deus por sua vontade e graça pode transformar a vida de pessoas, raças e nações do mundo inteiro (1 Rs 8.43) “quando e onde lhe aprouver” (Confissão de Augsburgo, V).
e – O nome de Deus é o próprio Deus em ação e que em Cristo, pelo Batismo, quer mudar o nosso “nome” e a nossa natureza (cf. Lutero ao falar sobre a “justiça passiva – fröhlicher Wechsel” de Deus).
Bibliografia
HUMMEL, Horace D. The Word Becoming Flesh: an Introduction to the Origin, Purpose, and Meaning of the Old Testament. St. Louis: Concordia, 1979.
KEIL, C. F. e DELITZSCH, F. Biblical Commentary on the Old Testament: the Books of the Kings. Grand Rapids, MI: Wm B. Eerdmans Publishing Company, 1950.
RAD, Gerhard von. Old Testament Theology. New York e Evanston: Harper & Row Publishers, 1962.
RICE, Gene. Nations Under God: A Commentary on the Book of 1 Kings. Grand Rapids, MI: Wm B. Eerdmans Publishing Company, 1990.
Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia