Prédica: II Samuel 11.26-12.10,13-15
Leituras: Lucas 7.36-50 e Gálatas 2.11-16,19-21
Autor: Vera Maria Immich
Data Litúrgica: 4º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/6/2004
Proclamar Libertação – Volume: XXIX
Tema:
1. Texto da pregação em relação aos outros textos
Relacionar os textos das leituras bíblicas com a pregação valoriza o mesmo. Não pode ser algo solto na liturgia, desvinculado da pregação e do todo do culto. O ouvinte poderá levar consigo os mesmos se eles estiverem ligados à pregação e ao tema do culto.
O texto de Lc 7.36-50 fala do gesto de acolhida e homenagem da mulher pecadora a Jesus. Isto causa escândalo entre os presentes, criando, assim, para Jesus, uma oportunidade de ensino. Jesus fala do credor que tinha dois devedores: um que lhe devia muito e outro que devia pouco. Ambos foram perdoados. A pergunta sobre quem o amará mais aponta para aquele a quem mais foi perdoado, com a qual Jesus concorda e anuncia o perdão à pecadora por sua grande generosidade.
Jesus compara a pecadora sem nome com Simão:
Ele não lhe havia oferecido água para os pés;
Ela lavava os pés de Jesus com suas lágrimas e secava-os com seus cabelos;
Ele não havia cumprimentado Jesus com o ósculo (beijo);
Ela não cansava de lhe beijar os pés;
Ele não ungiu a cabeça de Jesus com óleo;
Ela unge seus pés com bálsamo.
v. 47 – Por isto, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.
Recontar rapidamente o texto da leitura e amarrá-lo ao grande perdão de Deus a Davi. Lembrar também que Deus não muda de idéia em relação a nós. Ele nos ama incondicionalmente. É importante tirar o aspecto moralista da pregação, sem contudo deixar clara a responsabilidade de cada um em relação a seus atos.
O texto de Gálatas permite o crivo na teologia da graça e do novo nascimento em Cristo, o qual o autor apresenta muito bem. Ele chama para viver na fé do ressuscitado e não em aparências e dissimulações. Ele lembra também que em Cristo somos justificados por fé e não por obras da lei (v. 16).
2. O contexto
O texto para a pregação narra as conseqüências do uso desmedido do poder, do afastamento de Deus e do descumprimento dos mandamentos. No início de 2 Sm 11, Davi sente-se atraído por uma mulher que está tomando banho. Pergunta quem é e manda buscá-la para satisfazer os seus desejos. O texto não nos fala dos sentimentos de Bate-Seba. Não sabemos se ela é vítima ou cúmplice. Sabemos que ela não se recusa, mesmo porque Davi era rei e podia exigir tudo de seus súditos.
Mas o fruto do pecado vem à tona. Bate-Seba fica grávida no período em que seu esposo Urias está na guerra. Ela manda avisar Davi, que do alto de sua onipotência decide ocultar o que havia feito, ordenando que Urias fosse colocado em local perigoso no combate para que morresse. Tudo deveria parecer um “acidente de trabalho”. Após o luto, o rei manda buscar a amante, que espera um filho seu.
É nesse momento que inicia a “reeducação” do rei, que está acima de tudo e de todos. Acima da vida e da morte. Rei que tem poder para mudar a história de pessoas para ocultar seu pecado. Mas o que o rei não esperava é que um profeta enviado por Deus o visitasse.
O texto nos ensina que o profeta Natã não teme repreender o rei, visto que ele faltou com o respeito a seus súditos e principalmente a Deus, que o escolheu e ungiu. Davi tinha um harém inteiro para satisfazê-lo, mas não resiste à tentação de “comer do fruto proibido”. Ele desobedece deliberadamente as leis de Israel e as leis de Deus.
Natã chega de forma astuta e conta uma parábola ao rei. Na parábola, há um homem rico que possuía um imenso rebanho e um homem pobre que possuía apenas uma cordeirinha, que ele amava muito. O homem rico necessitava de uma cordeira para receber um viajante. Ele não foi até seu rebanho, mas tomou a única cordeira do homem pobre. Davi se encoleriza com a maldade do homem rico. Ele não percebe que o profeta se refere a ele mesmo e à sua prática frente a Urias.
Davi, na qualidade de rei e também juiz superior do tribunal da nação, condena o “homem rico” a restituir quatro vezes e ainda perder a própria vida. Em 2 Sm, lemos que Natã afirma com toda a calma: “Tu és o homem”. Este é o contexto para o qual Natã profetiza sobre a vida de Davi.
3. Reflexões sobre o texto
O texto inicia com a profecia de Natã. Palavras duras são dirigidas a Davi. Ele havia tomado todo o cuidado para que suas ações ficassem ocultas, mas tudo vem à tona, tudo é desnudado: “(….) foi mal aos olhos do Senhor (v. 27b)”.
Ao sentir-se tentado pela beleza de Bate-Seba e pelo poder de possuir quem não estava a seu dispor, Davi afasta-se de Deus e resolve trilhar seu caminho por conta própria. Ele sabia que sua atitude não era agradável aos olhos do Senhor, mas ele prossegue. Por isso ele age às escondidas. Mas ele é descoberto pelo profeta de Deus, que não teme em repreendê-lo, embora ele seja o rei.
Natã é cruel em sua sentença: ele lembra a Davi que o Senhor o ungiu para que tivesse o poder divino de ocupar o mais alto ofício de rei. Deus abençoou Davi continuamente, dando-lhe poder e inteligência para superar as crises com sucesso. Deus, por meio do profeta, faz Davi refletir sobre suas atitudes.
“Agora…” (2 Sm 12.10a) – tempo que não acaba mais. É assim que o profeta Natã inicia. Diz o profeta que a espada (morte, desunião, guerras e desavenças) não mais se afastará da tua casa (reinado e família), por haver desobedecido os mandamentos, por haver atentado contra a vida de Urias para encobrir o adultério. “(….) Tu és o homem” (v. 7).
O mais grave da profecia é que o mal virá da própria casa. O rei de Israel, que consegue dominar povos e controlar a terra, não encontrará paz em sua família. Tribulação, morte, tristeza e decepção serão sua punição. A morte não lhe será concedida, como ele havia ordenado ao “homem rico”. O propósito para o qual o Senhor chamara ainda não se havia concretizado. Em 2 Sm 11.15, “Natã então vai para casa”. Natã não faz nada. Não é necessário fazer. Davi é sujeito de toda a ação e suas conseqüências nefastas.
4. Meditação
a – A tentação de Davi – a nossa tentação
“Adultério seguido de morte” ou “Amante mata o marido” – este poderia ser o título da manchete do jornal. Após lermos o artigo, certamente ficaríamos com repugnância da atitude do Davi de nossos dias. Certamente emitiríamos o nosso próprio juízo e somente não o condenaríamos por não ter força e nem poder para fazê-lo.
Também em nossos dias homens com poder fazem uso do mesmo para oprimir e dominar suas secretárias e, muitas vezes, suas esposas. Eles as fazem de objetos a serem usados para o prazer e depois descartados. Eles as corrompem e as destroem, sem perceber que também estão se destruindo, bem como sua família. Igualmente muitas mulheres usam de sedução para se promover e até mesmo para seduzir subordinados. As conseqüências se farão presentes em sua vida de maneira tão cruel quanto na vida de Davi. Quando as relações pessoais são permeados pelo poder sagaz, nada passa incólume.
Assim como aconteceu com Davi, que, movido por seu temperamento impetuoso, condena o acusado com uma dura pena, também pode acontecer conosco. Ao condenarmos o outro, desculpamos em nós mesmos o que condenamos, com veemência, em outras pessoas.
b – Deus perdoou Davi… Ele também nos perdoa…
A espada passou a acompanhar Davi, pois este a havia atraído para sua casa. Seus filhos o viram não respeitar os mandamentos, tomar uma das poucas mulheres que não estava a seu alcance e ainda mandar matar o marido dessa. Ele havia usado do poder de rei para tomar Bate-Seba como mulher. Havia desrespeitado a parte fraca e sem direitos daquela sociedade. Logo ele, o rei, que deveria proteger as mulheres dos homens que estavam arriscando sua vida por aquele reino. Ele se torna um corruptor e assassino.
Não é necessário que o Senhor faça nada. Davi havia semeado e, até o fim de seus dias, e mesmo depois, seriam colhidos os frutos de seu pecado. Ele vê seu filho estuprar e rejeitar a irmã (2 Sm 13.1-22), grande pecado aos olhos de Israel e do Senhor; vê um irmão vingar a irmã, matando seu irmão (2 Sm 13.23ss); ele também vê seu filho Absalão tentando lhe tirar o poder, mantendo relações sexuais com suas concubinas à luz do sol, mostrando ao povo que o poder do rei não é tão infalível e apontando para si como possível sucessor (2 Sm 15.1ss). O sol aparece duas vezes na profecia de Natã: em 2 Sm 11.11 e 12, contrastando com a atitude de Davi de fazer o que não era lícito às escuras e em oculto. O sol é aquele que tudo vê e tudo mostra e ilumina.
As únicas palavras de Davi não são para defender-se, mas são palavras de reconhecimento de seu pecado contra o Senhor. Natã ainda anuncia o perdão de Deus e que seu filho com Bate-Seba morrerá, visto que ele havia dado motivos para o inimigo blasfemar contra o Senhor: “(…) também o Senhor te perdoou o teu pecado” (v. 13).
Aqui convém destacar que o perdão de Deus nos alcança hoje quando reconhecemos nossos pecados. Lembrando, ainda, que o maior pecado que podemos cometer é afastar-nos de Deus e, conseqüentemente, afastar-nos de seus ensinamentos. Como Davi, também nós tentamos fazer algumas coisas “às ocultas”.
5. Subsídios litúrgicos
Os cânticos escolhidos deveriam primar pelo tema gratidão e bênção. Pois, quando nos esquecemos das bênçãos de Deus e não mais manifestamos a nossa gratidão diariamente, então já começamos a nos afastar de Deus e iniciamos a nossa queda. Sugiro o cancioneiro Hinos do Povo de Deus, vol. 2: 460 – Conta as bênçãos; 332 – Deus está aqui; 337 – Reunidos aqui; 380 – A tua palavra.
Oração de coleta: Eterno Deus! Damos-te graças pela vida que tu nos dás. Damos-te graças pelas Sagradas Escrituras, que chegam até os nossos dias. Damos-te graças pela vida de teu servo Davi, que te serviu, apesar de ter se desviado de teu amor e de teus ensinamentos. Damos-te graças pelo teu amor, que vai ao encontro de nossas vidas, que, tantas vezes, estão em pedaços. Ali, a tua palavra anuncia o perdão e uma nova unidade. Damos-te graças pelo teu amor renovador. Amém!
Poesia: “Pedaços” (pode ser de acolhida já apontando para o tema do culto ou para encerrar a pregação):
Pedaços…
Pedaços…
Um mundo em pedaços…
Uma vida em pedaços…
Queremos viver um novo tempo, Senhor Deus.
Queremos ver brotar sinais de esperança
De que é possível juntar os fragmentos
E reconstruir a unidade neste mundo.
Clamamos por teu Espírito de unidade,
Para que venhas dos quatro cantos da terra
E sopres vida sobre todo ser.
Vem, Espírito de Deus, e
Sopra um vento fresco e renovador
Que possa infundir ânimo e vigor,
Para que os pedaços se convertam
Num corpo,
Corpo do mundo,
Corpo do povo.
Porque assim nos criaste,
E assim desejas que sejamos.
(EBC, Brasil, 1993)
Bibliografia
MALY, Eugene H. Samuel. Santander: Editorial “Sal Terrae”, 1970.
CHAMPLIN, Russel Norman. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo, v. 2, 1. ed. São Paulo: Editora Candeia, 2000.
STOLZ, Fritz. Das erste und zweite Buch Samuel. Zurique: Theologischer Verlag, 1981.
GUTBROD, Karl. Das Buch vom Reich: das zweite Buch Samuel. Stuttgart: Calwer Verlag Stuttgart, 1958.
Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia