Narra a história que Deus, ao voltar depois de uma longa ausência, encontrou coisas desconhecidas. No meio da praça havia uma construção enorme, com uma cúpula e um símbolo em forma de cruz. Ao redor da construção, circulavam pessoas em roupas marrom-escuras e pretas, grossos livros negros sob os braços cansados, ombros caídos, olhares abatidos e semblantes severos. E Deus perguntou a um menino: Vem cá…o que é isto? Como assim ´o que é isto?´, retrucou o menino. Onde você andou? Isto é uma Igreja, a casa de Deus. Hum…se isto aqui é a casa de Deus, meu jovem, porque aqui não florescem flores, não borbulham fontes de água e não brilha o sol? (Hannelore MORGENROTH, Fontes de Vida).
Sacudidos por este profundo questionamento, as pessoas deram-se conta de que cores, flores, fontes borbulhantes e abundantes e a alegria solar dos olhares de afeto tornavam a Igreja – a comunidade – mais calorosa, aconchegante, acolhedora. Depois dessa obra de recriação, conta-se, Deus descansou novamente. A Igreja, a comunidade, o templo tornaram-se um jardim do paraíso, um jardim de amor. Não havia mais inverno. Seria a primavera para sempre? A história, porém, ensina que os invernos são inevitáveis. Eles…simplesmente… vêm.
E…de fato…veio o inverno! E conta-nos o poeta místico William Blake (1757-1827) que, no jardim do amor, em cujo centro havia uma capela, brincara muito em sua infância. Agora, no jardim do amor que dera tanta flor bonita, havia uma placa em que se lia entrada proibida. Através dos portões trancados via-se que, no lugar das flores, multiplicavam-se os túmulos. Lá dentro, em hediondas vestes negras, religiosos faziam rondas. Era como se as possibilidades de alegria, os desejos tivessem sido atados com espinhos, diz-nos o poeta. (William BLAKE, Poesia e prosa selecionada.).
Contudo, a história relata que Deus viu que tudo quanto fizera era muito bom. Assim, há uma promessa de felicidade. Deus não nos reservou um inverno permanente. Ele nos diz, pela boca de outro grande poeta, o profeta Isaías, o seguinte: O deserto e a terra se alegrarão; o ermo exultará e florescerá como o narciso. Florescerá abundantemente, jubilará de alegria e exultará (…) eles verão a glória do Senhor, o esplendor do nosso Deus.(Is 35.1-2).
Assim é a profecia. Ela não transforma magicamente o inverno em primavera. No entanto, em pleno inverno, o profeta lembra-nos como brilham e como aquecem os raios do sol, como é bonito o céu de anil, como são coloridas as flores e quão delicioso é o seu perfume, como é verde e viçoso o gramado, como são lindas as árvores resplandecendo seu verdor ao sol e atapetando o chão com as suas flores. O profeta ata rosas ao nosso desejo. O profeta faz-nos sonhar com o jardim de amor da verdadeira Igreja e da verdadeira comunidade. Os profetas estão entre nós e pela boca deles fala o Senhor. Os profetas sempre são capazes de nos fazer sonhar com dias melhores (mesmo em dias ruins), com primaveras (mesmo durante o inverno da vida) com flores (mesmo no deserto dos nossos dias).
Inverno de 2004!
P. Dr. Valério Guilherme Schaper