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Prédica: II Tessalonicenses 2.(13-15) 16-17; 3.1-5
Leituras: Salmo 148 e Lucas 20.27-38
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: Antepenúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 7/11/2004
Proclamar Libertação – Volume: XXIX
Tema:

1. Carta aos Tessalonicenses

Tessalônica era a capital da província romana Macedônia. Situava-se ao longo de uma grande estrada de uso militar, que ligava Roma ao oriente. Era uma cidade importante, populosa, que contava com uma sinagoga (At 17.1), da qual fazia parte “numerosa multidão de gregos piedosos” (At 17.4).

A comunidade foi fundada pelo apóstolo Paulo em sua segunda viagem missionária, provavelmente no ano de 49. Era basicamente formada por pessoas de origem gentílica. O desenvolvimento da comunidade foi extraordinário, a tal ponto de Paulo referir-se a ela como exemplo para outros cristãos (1 Ts 1.7), e por ela o apóstolo demonstra um apreço especial. O apóstolo envia seu colaborador Timóteo à Tessalônica para saber da vida da comunidade, uma vez que ele mesmo sofria forte oposição e perseguição pelos judeus do local. Certamente foram eles que pretendiam convencer os cristãos novos a não darem credibilidade a Paulo. Ele temia que essas ofensas e acusações pessoais pudessem influenciar a comunidade e desestabilizá-la. Por isso ele queria visitá-la, até por duas vezes, mas como não conseguia e não suportava mais a falta de notícias, envia Timóteo (1 Ts 3.1-2). Este lhe traz, na volta, boas e agradáveis notícias. Motivado por elas, o apóstolo escreve a primeira carta, provavelmente em torno do ano 50.

A segunda carta, escrita não muito tempo depois – talvez apenas um a dois anos –, é motivada por novas notícias (3.11), que inquietam o apóstolo: falsas orientações referentes à parusia criaram distúrbios. Estas orientações, difundidas inclusive através de falsas cartas por entusiastas, estavam afastando alguns cristãos da conduta e da obediência ensinadas pelo apóstolo.

2 Ts retoma alguns assuntos de 1 Ts (motivo, inclusive, para alguns exegetas questionarem a autenticidade paulina da carta): o apóstolo agradece a firmeza, a perseverança na fé e o amor mútuo dessa comunidade (1.3-12), e no capítulo 2 dá atenção especial a uma falsa expectativa da parusia, pedindo sobriedade e firmeza na fé, na qual foram orientados. Daí segue a manifestação de gratidão pela eleição por parte de Deus e a recomendação de permanecerem firmes (2.13-3.5). Por fim, orientações bem concretas quanto ao comportamento e ao modo de viver diante da expectativa de uma parusia iminente (3.6s).

2. Delimitação do texto e as duas leituras

Incluir ou não os v. 13 a 15 no texto da pregação é uma decisão do pregador e não traz nenhuma mudança ou alteração expressiva na mensagem. O ponto de partida é a eleição, a escolha, o amor de Deus por essa comunidade. Deus chamou os cristãos de Tessalônica para formarem sua igreja e fez isto motivado por sua graça (2.16). Essa manifestação ao amor de Deus requer da comunidade fidelidade, obediência e zelo no cumprimento desse amor, em especial nos momentos em que adversários e inimigos querem confundir e afastar “das coisas que vos ordenamos” (3.4). Portanto, proponho como texto da pregação a seguinte delimitação: 2.16-17; 3.1-5.

O Sl 148, leitura do Antigo Testamento, é um convite para que a comunidade, como eleita e amada por Deus Criador, cante louvores a seu Senhor, inclusive em tempos adversos e difíceis.

O Evangelho, Lc 20.27-38, lembra a comunidade de que Deus é um Deus de vivos, que, mesmo em situações de angústia, sentimento do fim iminente, está a seu lado como Deus Criador, Zelador da vida, Mantenedor da vida. Neste momento em que a comunidade celebra o fim do ano eclesiástico e se lembra de sua finitude, é dito pelo Evangelho que ela deve permanecer firme e fiel ao Deus da vida. “Quando Deus se revelou a Moisés no monte Horebe, ele se apresentou como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó’ (Êx 3.1-6). Se Deus assim se revela, associando seu nome aos patriarcas, então eles devem estar vivos, ou seja, ressuscitados, pois Deus não costuma associar seu nome aos mortos. Ele, o Deus da vida, também é o Deus que vivifica e não deixa na morte os que lhe pertencem” (Verner Hoefelmann, in: Proclamar Libertação, vol. 23, p. 225).

3. Comentários exegéticos

Embora toda a carta tenha caráter parenético, a terceira parte de 2 Ts, a saber, 2.15-3.16, expressa-o mais claramente.

A manifestação da graça de Deus é desdobrada em duas ações: a primeira e fundamental é que Ele nos amou, e a segunda é que Ele nos deu “eterna consolação e boa esperança”. O amor de Deus propicia um consolo que dura e é confiável. Este mesmo amor também desperta esperança, aqui qualificada curiosamente como “boa” esperança. Da fé o apóstolo sabia falar de forma absoluta, como dádiva divina. Da esperança, porém, ele não consegue falar de forma tão absoluta. Precisa descrevê-la e qualificá-la com adjetivos, assim como lemos em outros texto neotestamentários: “viva esperança” (1 Pe 1.3) ou “bendita esperança” (Tt 2.13).

v. 17 – O apóstolo intercede pela comunidade expressando o seu pedido através de dois verbos: que Deus, o doador da “eterna consolação” (v. 16), console-a e que a confirme para que realmente possa “permanecer firme” (v. 15). Mas o seu pedido é para que Deus dê essas dádivas à comunidade já agora, em meio aos desafios enfrentados neste momento. A consolação “eterna” precisa fortalecer a comunidade enquanto ela passa por atribulações de toda ordem e assim possa experimentar a paz divina, que mantém e sustenta a vida.

3.1-5

A estrutura deste bloco não é clara e apresenta várias idéias não entrelaçadas entre si. O primeiro assunto é a admoestação para que a comunidade pratique a intercessão pelo apóstolo e seus colaboradores. Chama atenção que o inverso, a intercessão do apóstolo pela comunidade, não é assegurado. Daí, a partir do v. 2, seguem afirmações isoladas e desconexas, que rebuscam temas e informações de 1 Ts.

v. 1 – “Finalmente” indica que um novo assunto está sendo apresentado no final da longa carta com vários outros assuntos. Junto com a oração do apóstolo pela comunidade (2.16s) vem o pedido agora da comunidade para orar pelos apóstolos. E o apóstolo indica dois assuntos para a intercessão: o primeiro é para o trabalho do apóstolo, isto é, a propagação do Evangelho = palavra do Senhor, expressão pouco usada no Novo Testamento para identificar o Evangelho. O segundo assunto para a intercessão é pessoal, é para o próprio apóstolo. Paulo pede que seja orado em favor dele e dos demais colaboradores.

O primeiro assunto da intercessão é que a palavra do Senhor “corra”, isto é, que se propague celeremente, expressão figurativa usada no Antigo Testamento (Sl 147.15), e que a sua propagação seja vitoriosa. E junto com o pedido pela propagação rápida e vitoriosa da palavra vem o pedido para que ela seja “glorificada”, assim como o próprio nome do Senhor foi glorificado, isto é, aceito com entusiasmo.

v. 2 – A intercessão pelo apóstolo muda totalmente o tom do pedido: antes pede pela propagação vitoriosa da palavra, ao passo que agora o pedido se dirige a uma perspectiva sombria na qual se encontra o apóstolo. Ele tinha adversários contra si e contra o seu trabalho. “Perverso”, usado somente aqui no Novo Testamento, com aplicação para pessoas, significa originalmente “fora do lugar” ou “estranho”. Os adversários de Paulo são os judeus que o perseguiram em várias cidades. Como entender que “a fé não é de todos”? A fé não é assunto para todas as pessoas, ou seja, nem todos são atraídos pela fé, pois se o fossem, não se oporiam à propagação da palavra.

v. 3 – Paulo faz um jogo de palavras: algumas pessoas não foram atraídas pela fé (= pístis), mas o Senhor é fiel (pistós). A fidelidade do Senhor mostra-se também na proteção contra o mal = maligno, uma referência ao diabo.

v. 4 – Segue o mesmo tom de confiança – assim como a comunidade pode e deve confiar no Senhor, também o apóstolo confia em seus leitores de que eles cumprirão todas as instruções, quer na sua ausência, quer após o recebimento da carta. A que, especificamente, se refere o apóstolo quando menciona “as cousas que vos ordenamos”? Certamente a todas as instruções contidas nessa carta, bem como na carta anterior, e ainda às instruções que viriam logo a seguir (a partir de 3.6s).

v. 5 – Um desejo, expresso em oração, encerra esse pequeno bloco. “Conduzir os corações”, expressão não usada por Paulo nas demais cartas, tem seu lugar na tradução da Septuaginta (l Cr 29.18; 2 Cr 12.14 e outros). Paulo deseja que os corações de seus leitores sejam conduzidos ao amor de Deus, este amor com o qual eles foram agraciados antes.

4. Meditação

O amor de Deus é o fundamento sobre o qual toda e qualquer comunidade edifica a sua existência. Deus amou primeiro, ele agiu e separou alguns para formarem sua igreja tanto em Tessalônica como em Jerusalém, e em qualquer outro lugar. O amor de Deus é dirigido, tem alvo, é concreto e é ativo, pois provoca a existência de comunidade. Comunidade constituída é, pois, na sua essência, resposta ao amor de Deus, à escolha de Deus. Os que aceitam o amor de Deus, os que ouvem o seu chamado e dizem sim ao mesmo, são os escolhidos, os eleitos. “A vocação da comunidade é logo explicitada como participação ativa no projeto de Deus. A convicção de que Deus os escolheu é paralela à certeza do povo de Deus, no Antigo Testamento, de sentir-se o povo eleito. O verbo aqui utilizado remete a Dt 26.18, onde Deus escolhe o povo de Israel. Assim como aqueles iam realizando, ao longo de sua história, o plano universal de Deus, assim também agora, em Tessalônica, essas pessoas são chamadas a concretizar a mesma vocação. O chamado de Deus se realiza, historicamente, em determinados tempos e em seres humanos concretos, mas esse apelo é eterno e para sempre. … No caso de Tessalônica, uma pequena parcela da população aderiu a essa proposta e consentiu na escolha de Deus para serem salvos” (Valmor da Silva, Segunda Epístola aos Tessalonicenses, p. 96).

A comunidade ameaçada pelas mais diversas adversidades (perseguição, descrédito, falsas pregações, acomodação, indiferença) precisa da palavra de encorajamento de seus líderes, guias e presbíteros, precisa da oração de intercessão dos mesmos, assim como esses precisam da oração de intercessão da comunidade por todas as suas atividades. A orientação para o trabalho, bem como a persistência no mesmo, é dádiva divina, pela qual se intercede mutuamente. Deus orienta, dá firmeza e persistência, basta, em confiança, pedir e continuar trabalhando firmemente, respondendo ao chamado de Deus.

Falsas doutrinas, em especial aquelas que se referem à volta imediata de Cristo, desestabilizam com certa facilidade alguns cristãos: ou eles deixam de crer, afastam-se da comunidade, ou então se entregam totalmente à espera e não participam mais ativamente da comunidade, tampouco enfrentam desafios, e alguns até não trabalham mais. Mesmo assim, os cristãos são conclamados a interceder pela propagação (correta e fiel) do Evangelho, pois esta não pode parar nem diminuir por ameaças que vêm de dentro ou que vêm de fora da comunidade.

5. A prédica – algumas pistas

Fim do ano eclesiástico: tempo de refletir e confrontar-se com a mensagem a respeito “do fim dos tempos”, “da volta de Cristo” ou “do fim do mundo”. Quais os sinais dos tempos que hoje estão sendo anunciados como sinais “dos últimos dias”? O que está confundindo os cristãos e quem os está confundindo? Junto com estas perguntas precisa ser feita logo a outra, justamente o oposto à primeira: não são a indiferença e uma total despreocupação com a parusia a grande ameaça hoje?

A comunidade precisa ouvir novamente, em meio a falsas doutrinas, em meio a ameaças de toda ordem, que ela é criação divina. Deus, motivado exclusivamente por seu amor, chama pessoas para a sua igreja. Esta expressão da graça de Deus requer do crente obediência e firmeza de fé.

A comunidade que se sabe eleita e amada por Deus vai glorificar Deus em palavras e ações através de um louvor autêntico e firme, sem cessar. Nenhuma ameaça pode sufocar o louvor ao Senhor, nem mesmo a aparente demora da vinda do Senhor. A base para essa postura é o fato de que Deus é um Deus de vivos. Isto ele revelou claramente em Jesus Cristo. Ali onde a comunidade se deixa guiar por esse espírito de vida, ela, mesmo enfrentando obstáculos e ameaças, estará colocando sinais concretos de sua esperança, tanto em palavras como em ações.

Bibliografia

MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses: Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1984 (Série Cultura Bíblica).
SILVA, Valmor da. Segunda epístola aos Tessalonicenses: não é o fim do mundo. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 1992.
TRILLING, Wolfgang. Der zweite Brief an die Thessalonicher. Neukirchener Verlag, 1980 (Evangelisch-Katholischer Kommentar zum Neuen Testament, 14).

 

Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia