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É tempo de Quaresma, Quarta-feira de Cinzas até a Páscoa, é tempo de relembrar a ação do servo sofredor. Considerado o mais desprezado e o menos digno de todos os seres humanos, coberto de chagas e de dores, Jesus, o Messias de Deus, experimenta o processo de perseguição, prisão e condenação. O Filho de Deus torna-se vítima da espiral da violência, ainda que sob o manto da paz articulada pelo Império Romano. Confirma-se a verdade: o Deus dos cristãos faz a história pelo lado avesso. Para a razão e compreensão humanas é muito difícil assimilar a morte de Deus na cruz. A morte de uma pessoa humana até que é compreensível e aceitável, mas a morte de Deus… Então, Ele deixa de ser Deus! O idealismo humanista, sempre defendeu a idéia de que o Senhor morto na cruz não apresenta nada de estético; a sua adoração foi tachada de pouco digna e em conseqüência, não inspirou muito crédito. Os cristãos, porém, desde os primórdios em suas comunidades, experimentaram a humanidade de Cristo, justamente na sua paixão e na morte de cruz..

A cruz de Gólgota lembra o estranho agir de Deus. A realidade de mundo pluralista e rico em religiosidade, onde também a fé tornou-se objeto de negócio e as experiências emocionais humanas valem mais do que a ação gratuita de Deus, questiona as igrejas consideradas históricas e tradicionais quanto a seus insucessos que são maiores do que os sucessos.

Relaciona-se a indiferença das pessoas quanto à fé ou à falta de sucesso das comunidades cristãs ao conservadorismo, em sua forma de ser, agir e de se comunicar. Quais são as causas que impedem a igreja para transformar-se em lugar de vida, espaço interessante, instrumento aglutinador também das pessoas jovens ou de grupos pensantes? Faz sentido perguntar se a razão maior não poderia localizar-se na forma como Deus se revela em Jesus Cristo, e isso de forma avessa, racionalmente inacessível e de jeito tão estranho.

O Deus presente junto à família cristã, inspirador da fé, é muito diferente: revelou-se como criança, não teve lugar para reclinar sua cabeça, foi desprezado, perseguido e, por fim, acabou na cruz. O Filho do Homem, título aplicado para Jesus, não é o superstar ideal, que desceu dos céus para acabar com a miséria humana. Ele mesmo tornou-se vítima da violência. Viveu intensamente a humanidade à medida que acolheu os perdidos e aceitou a gente desprezada! A forma como Deus reina não tem nada de idêntico às formas de governo na sociedade terrena. Conforme o testemunho dos Evangelhos, nosso Deus deu a Jesus Cristo, Senhor vazio de poder próprio, toda a autoridade sobre o mundo. O Evangelho confessa: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.

A cruz chega a ser irritante. Sendo instrumento de morte, ela é provocadora. A cruz irrita, sobretudo àquelas pessoas que precisam do Deus forte, submissas ao Senhor que justifica a própria força. Não deixa de ser atraente aquele Deus da glória que, no mundo das aparências, honra a glorificação pessoal e garante o sucesso próprio.

Jesus Cristo, no entanto, é o nosso Deus, servo sofredor, pregado na cruz. É o Cristo derrotado pelo poder dominante na época, Senhor que não se submeteu às promessas ilusórias da pax romana.

Nosso Deus tornou-se o menor de todos os seres humanos. Nisso consiste sua transcendência. Seu poder não consistiu em dominar mediante atitudes superlativas; tampouco circulou no canteiro de obras onde se constroem escadas hierárquicas e promotoras do poder egoísta. Confessamos que o Cristo derrotado pelos senhores, administradores das leis, guardas da boa moral, Senhor crucificado, mas ressuscitado, é a grande novidade de Deus para o mundo! Tornando-se o menor de todos os seres humanos, Ele compreende, fortalece e dá esperança aos sofredores, aos que na sociedade continuam por baixo.

Membros da família de Jesus Cristo deixam de apostar na glorificação própria. A graça de Deus é forte, quando admitimos a própria fraqueza. Seu poder consiste na aparente fraqueza da graça e na oferta reconciliadora do amor. Por causa de sua graça, acontece a motivação de cooperarmos na transformação deste mundo. É um privilégio e sem mérito de nossa parte ocuparmos espaço e convivermos no jardim de Deus, apesar de nossa própria falta de humanidade e de nossas falhas.


Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC

Jornal A Notícia – 04/03/2005