Em busca de comunicação, a linguagem humana empresta termos, partilha sentimentos e se adapta, com enorme facilidade, às diferentes realidades do momento conjuntural. Para exemplificar: na semana que passou, assim como em situações similares de outras épocas, jornais regionais e nacionais comentando as ações das diferentes CPIs, em andamento na Capital Federal, descobriram que o mercado financeiro anda nervoso. As razões para todo esse nervosismo são várias e conhecidas. Entre estas, situam-se as denúncias crescentes contra os desacertos sob a responsabilidade das autoridades governamentais. Aos ouvidos do cidadão, os conceitos do estar nervoso ou viver o nervosismo fazem lembrar uma expressão, via de regra, aplicada a reações emotivas da pessoa humana. A existência do mercado tachado de nervoso não deixa de causar estranheza, tratando-se do mercado financeiro..
Uma das manchetes estampadas num dos jornais de expressão nacional divulgou que o mercado financeiro nervoso pode se inverter, se acalmar. A oscilação e a instabilidade estão condicionadas, segundo a análise dos especialistas em economia, às denúncias sobre irregularidades crescentes que se avolumam nos escalões mais altos da administração pública brasileira.
Em contraposição ao mau humor do mercado, localizamos o humor de Deus. É a manifestação do transcendente, revelada em pessoa humana, identificada pelo presente da reconciliação e pela oferta de novidade por causa da obra de Jesus Cristo.
A conjuntura religiosa e a experiência da religiosidade indicam que a manifestação do humor, expressão das emoções do ser divino, ora é permitida, ora não. Os deuses da mitologia grega se apresentavam de aspecto risonho; o mundo religioso asiático propaga divindades que sabem rir à vontade. Aos viajantes que se deslocam às cidades chinesas de Hong Kong ou Taipé, por exemplo, é dada a liberdade de comprar, nos balcões de souvenirs e nas feiras de lembranças, estatuetas do deus Buda; seu sorriso é largo, e seu espírito alegre transforma-o numa divindade simpática.
As grandes religiões monoteístas, como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, apresentam o Deus exclusivo de semblante sério, sisudo; seu rosto fechado deixa de ser atraente. O filósofo alemão Nietzsche, crítico ferrenho das manifestações religiosas, afirma que a credibilidade do cristianismo, de modo particular, seria muito maior se seus membros revelassem um espírito mais alegre e mostrassem um rosto mais descontraído.
A Bíblia, instrumento da boa notícia para as pessoas cristãs, pode decepcionar a quem nela buscar fontes que indicam para atitudes divinas com acento nas categorias do cômico e do estético. Pelas chagas de Cristo fostes sarados, testemunha o Novo Testamento. Nem o riso nem o humor permeiam as inúmeras páginas do livro que serve de bússola orientadora das comunidades cristãs. Uma cena rara de riso abundante e solto, no mundo bíblico, é desenhada quando o mensageiro, em nome de Deus, anuncia que Sara, mulher idosa, daria à luz um filho, Isaac. Então, Abraão, parceiro de Sara se prostra, volta o rosto ao chão e ri à vontade.
O que pode ser motivo de alegria, de bom humor e de sorriso abundante no Novo Testamento é o anúncio da bênção e do presente da salvação. O bom humor que contagia a pessoa cristã, motivando-a à gratidão e à esperança alegre, se alimenta da confiança em Deus que venceu o poder da morte. A festa da Páscoa sempre foi celebrada como a festa do riso e da alegria, em contraste com os poderes contrários à vida. Vencida a morte, superado o desespero e a dor, afastada a distância entre humanos e Deus, os discípulos e as discípulas de Jesus Cristo sentem-se motivados a extravasar risos e são animados a repartir o bom humor.
Diante do egoísmo humano, e em razão de seus malefícios, o humor fundamentado na obra de salvação protagonizada por Jesus Cristo resulta em denúncia profética. O riso motivado pela fé, assim como a lembrança de fatos especiais e cômicos na vida em comunidade não servem tão-somente como método para sermos agradáveis e simpáticos. É a manifestação da resistência da fé contra os poderes humanos sempre que estes provocam o desespero, o sofrimento e a desgraça, uma ruína constante do bom sentido da vida humana.
Com certeza, o humor do mercado financeiro, nervoso ou calmo, não prejudicará o contágio do bom humor de Deus. Quando Deus compartilha seu humor, transparece sua graça e se tornam agradáveis os braços abertos da amizade e do perdão. O humor calcado na fé oferece mais do que só alívio diante das preocupações e do peso das cargas do cotidiano. O bom humor das pessoas cristãs não desiste de buscar forças novas. São força e esperança que se multiplicam a partir da criança, em Belém. É boa notícia de grande alegria para todo o povo.
Jürgen Moltmann, articulador da Teologia da Esperança, afirmou: Quem é alimentado com esperança, está capacitado a suportar também a crueldade do mundo e se empenhará, com paciência, por sua transformação. Será contagiado a rir com os alegres e a chorar com os tristes!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal A Notícia – 26/08/2005