O cristão é livre senhor sobre todas as coisas e não está submisso a ninguém, pela fé. O cristão é servidor de todas as coisas e submisso a todos, pelo amor. A citação procede de Martinho Lutero, o reformador da Igreja cristã, no século 16, cuja lembrança foi registrada, no mundo ecumênico, nesta semana.
O pensamento luterano sobre a liberdade é dialético. Perde-se a liberdade à medida que a pessoa fizer uso da mesma em prejuízo próprio ou alheio. A prática da liberdade tem como limite o amor ao próximo. Na coexistência em sociedade, o ser humano é tentado a trocar a verdadeira pela liberdade aparente. Na ânsia de vida livre falamos, erroneamente, em reinado da liberdade. A liberdade enquanto poder deixa de ser verdadeiramente uma instituição livre.
Quem reina no mundo são sistemas bem estruturados: são eles os sujeitos das ações e das políticas humanas. Não é difícil identificá-los: o dinheiro, o mercado, o consumo, o lazer, as forças armadas, o moralismo, o fundamentalismo. Há pessoas poderosas e instituições históricas que reinam em razão da preservação de posições hierárquicas privilegiadas e em favor de seus próprios interesses. Lutero, o monge e teólogo, o pastor, resistiu a este modelo de governo, tanto na Igreja, quanto na sociedade.
De forma equivocada, o ser humano interpreta a garantia de direitos próprios como se fosse expressão máxima da liberdade pessoal. A sociedade humana está marcada por um tipo de reinado que, antes de expressar libertação, provoca sofrimento, autodestruição, gera escravidão, conduz à dependência e à morte. Quando humanos destacam a liberdade como direito pessoal, na realidade fazem dela um pretexto para o exercício de atitudes irresponsáveis. Seus frutos sinalizam desamor para com a própria vida, produzem pessoas alienadas, as quais se entregam aos vícios suicidas e manifestam a falta de compromisso com o próximo e com a criação toda. Bem diferente é a linguagem da fé. Seu recado é incisivo e revela que liberdade não é direito inerente ao ser humano. Vida livre é a que ocorre no processo. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres, assim está escrito em João 8.36. Liberdade não é um direito antecipado e, sim, um acontecimento, um movimento – é expressão de vida que se manifesta num novo ritmo, cadenciado pelo Evangelho, a boa notícia de Jesus Cristo.
A liberdade cristã se expressa pela fé que nasce do Evangelho e torna-se concreta na ação de amor ao próximo. A pessoa humana vive a liberdade na esperança de promover não apenas a sua como também a vida do outro. O apóstolo Paulo desafia: Ninguém busque o seu próprio interesse e, sim, o de outrem (1º Coríntios 10.24). A vida em liberdade testemunha o movimento do Espírito Santo. Este sopra onde quer. Por causa da liberdade, oferta preciosa, é possível manter distância de si mesmo e ensaiar a cada dia autocrítica.
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville – SC
Jornal A Notícia – 03/11/2006