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 — Não é documento oficial da CNBB —

Sinal de Alerta no Planeta

Hoje podemos ter certeza de que dentro de mais duas ou três décadas a Terra entrará em gravíssima crise ecológica, a menos que haja uma drástica mudança na estrutura produtiva global. O aquecimento do planeta e as alterações climáticas já são perceptíveis a olho nu. Outros pontos críticos que se anunciam num prazo um pouco maior são a poluição das águas e do ar, a perda da biodiversidade, a exaustão do petróleo, a acumulação do lixo na terra e no mar, a desertificação das florestas e a perda da capacidade de auto-regeneração da vida.

Recente documento de sir Nicholas Stern (ex-economista-chefe do Banco Mundial) para o governo inglês argumenta em favor da drástica redução da emissão dos gases de carbono, porque seu custo hoje seria de US$350 bilhões por ano, mas dentro de dez anos serão US$7 trilhões. O documento sugere que quem poluir pagará um imposto específico que aumentará seus custos (por exemplo, rosas que hoje são transportadas por avião a baixo custo e grande desgaste ecológico, ficarão muito caras). Com isso, venderá menos, produzirá menos e poluirá menos. Quem, ao contrário, usar fontes limpas ou pouco poluidoras, pagará pouco imposto, poderá vender barato e assim aumentar sua produção. E quem quiser limpar a poluição absorvendo o carbono (é o caso de populações pobres) ganhará créditos financeiros. Esta proposta corresponde ao paradigma da economia de mercado, que precisa traduzir custo ecológico em valor monetário para mobilizar seus agentes: um bem ou serviço precisa ter valor monetário, para que os agentes do mercado sejam motivados a agir[1].

Se essa solução for globalmente aceita, os impostos serão repassados a uma agência internacional encarregada de combater o aquecimento, beneficiando os países pobres. Mas no segundo momento, os países ricos e suas corporações, que detém as tecnologias de ponta, aumentarão à vontade os preços de seus produtos e serviços, para compensar os altos impostos. Disso resultaria uma nova divisão mundial do trabalho: num pólo o pequeno mundo dos ricos poluidores e no outro, o mundo dos que viverão da reciclagem do lixo, como hoje sobrevivem os sucateiros nas grandes cidades.

Mais provável, contudo, é que essa sugestão seja rejeitada, porque prejudicaria a lucratividade das empresas, o desenvolvimento de países como China, Índia, Rússia e Brasil, e derrubaria a hegemonia econômica dos EUA. A produção continuando como é hoje, “antes do fim deste século bilhões de nós morreremos e os poucos casais férteis que sobreviverão estarão no Ártico, onde o clima continuará tolerável”, alerta James Lovelock, o cientista que em 1979 criou a teoria de Gaia[2]. Para esse autor, medidas de contenção, como as propostas no tratado do Kyoto, são como parar de fumar quando o câncer já está instalado nos pulmões. Ele busca a solução no avanço científico e tecnológico para encontrar fontes viáveis de energia, para que sobreviva a civilização fundada no mercado.

Deve-se perguntar se o problema não reside na própria lógica do mercado, incapaz de medir os custos não econômicos da produção de bens e serviços. Uma nova lógica de produção precisa ser descoberta, dentro de um paradigma que considere em primeiro lugar a vida planetária, a justiça e a paz entre os povos[3]. O tempo para isso é cada vez mais curto (uma ou duas gerações, no máximo), no entanto os planos de desenvolvimento nacional ou regional continuam desconsiderando os limites físicos da Terra. Neste contexto, foi infeliz o Presidente Lula quando disse serem o meio-ambiente e as terras indígenas entraves ao desenvolvimento, esquecendo a usura praticada pelo sistema financeiro.

Conjuntura internacional

EUA: derrota de Bush

As eleições na metade do mandato medem a popularidade do presidente em exercício, e os Republicanos perderam o controle do Congresso (Câmara e Senado) que, salvo breve interrupção, detinham desde 1994. Bush sofreu um duro revés. O apoio à guerra se esvazia continuamente. A situação no Iraque se degradou a tal ponto que até mesmo o novo indicado para o Pentágono disse que “os EUA não estão vencendo a guerra”. Kofi Annan, secretário da ONU, disse que a situação ficou pior para o iraquiano comum do que no tempo de Saddam Hussein, pois sem segurança não se pode nem restabelecer a ordem nem reconstruir o país. A situação do Oriente Médio agrava-se devido aos conflitos no Líbano e às tensões com o Irã, que têm suas raízes na repressão do Estado de Israel contra o povo palestino.

O unilateralismo da administração Bush paralisa em boa parte os esforços da ONU para a construção da paz. Em consequência da derrota eleitoral, o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, teve que renunciar. É a segunda baixa importante após o secretário de defesa, Donald Rumsfeld, ambos tidos como falcões.

Nova onda anti-neoliberal na América Latina

As últimas eleições confirmam o momento singular da AL: a reeleição de Lula, a volta de Daniel Ortega na Nicarágua, a vitória de Rafael Correa[4] no Equador e a ampla vitória de Chávez[5] fortalecem o novo contexto político da região. No México, só a fraude impediu a eleição do candidato Manuel Obrador. Elas expressam a força social de quem quer mudanças não só no campo socioeconômico, mas também no plano político. À concentração da riqueza e do poder, contrapõe-se a mobilização de diversos setores da sociedade que lutam por mais justiça na redistribuição das riquezas e maior participação nas decisões que definem o seu futuro. Cresce e se consolida a resistência à invasão geral do mercado. Uma onda de tipo social-democrata e reformista atravessa a região. As lutas pelas transformações podem seguir caminhos distintos e revestir formas práticas diversas, mas são convergentes na procura de maior autonomia e soberania em relação à dominação dos EUA. Em todas essas eleições assistimos a uma polarização da sociedade entre o projeto neoliberal do mercado como única instituição capaz de revitalizar a sociedade, e a sua rejeição – que ainda não se expressa num projeto, mas impõe certos controles ao mercado.[6]

Nesse contexto, cabe observar o que está ocorrendo no Estado de Oaxaca, no sul do México, onde eclodiu há seis meses uma revolta com características inovadoras. O apoio popular a uma greve de professores duramente reprimida deu uma dimensão política ao movimento, resultando na criação da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca. No estado mais pobre e de maior população indígena do México, depois de Chiapas (onde houve a revolta zapatista de 1994), indígenas, estudantes, desempregados, sindicalistas e grupos de esquerda ocuparam todos os prédios públicos da capital, estações de rádio e levantaram barricadas exigindo a saída do governador. A situação ainda é de impasse, pois as forças militares federais evitam fazer um ataque frontal para não aumentar o número de mortos (mais de dez). A novidade é que, para evitar a paralisação total das atividades, as decisões são tomadas por assembléias populares, de maneira autogestionada[7].

Enfim, constata-se um sopro de identidade de povos originários, latinos, negros e mestiços que buscam uma nova forma de integração continental, autônoma e a partir das bases populares, deixando isolados México, Peru e Colômbia que, junto com outros países de menor peso político, se movem como satélites na órbita dos EUA[8]. No entanto, os imperativos econômicos exigem o entendimento continental. Tanto os presidentes eleitos como a Casa Branca se declararam dispostos a buscar novas perspectivas de cooperação comercial. Até Raul Castro fez um tímido apelo ao diálogo para normalizar as relações. A crescente liderança de Hugo Chávez nesta onda renovadora incomoda Bush, que pressiona o Brasil de Lula para assumir um papel moderador nesse processo.

A política externa no segundo mandato de Lula

A mídia tem publicado artigos dizendo que, para haver maior crescimento econômico é preciso mudar a política externa, buscando maior aproximação com os EUA e a União Européia, flexibilizando as negociações da ALCA e reorientando as exportações e importações. Ou seja, em lugar de privilegiar as relações Sul-Sul, retornar ao antigo eixo Norte-Sul, conforme a lógica da dependência dos países periféricos no sistema econômico mundial.

Tal mudança, bem a gosto dos setores importadores de produtos de luxo produzidos nos países mais avançados, interromperia uma política externa de grande alcance antes que seus frutos pudessem ser colhidos. A prioridade atribuída às exportações como determinantes da política externa (aliás, é este seu ponto mais discutível) levou o Ministro Celso Amorim a semear com perseverança e determinação boas relações internacionais com novos parceiros, dando prioridade à integração latino-americana pelo Mercosul, ao qual podem vir a se juntar a Bolívia, o Equador e até mesmo o Chile. Sua política externa fortaleceu laços com os países emergentes (Índia, China e África do Sul em particular), e reforçou o papel do Brasil como um dos líderes do “Sul” nas negociações da OMC, por meio do G 20, para redesenhar o mapa do comércio mundial. Os mercados da Ásia oferecem grandes possibilidades de aumentar exportações e importações. As parcerias com os países africanos e árabes também continuarão prioritárias.

Ao priorizar essas novas relações, porém, o Brasil não pode descartar a aproximação comercial com os EUA, a UE e o Japão, principais mercados mundiais, tendo em vista o fortalecimento das exportações. Como todos os principais atores políticos e econômicos no mercado mundial, o Brasil segue uma política de “geometria variável”, ou seja, uma política flexível e pragmática, que se adapta em função dos seus interesses específicos e de suas capacidades. Tudo indica que Lula saberá resistir às pressões e manter a mesma política externa, que, apesar das inevitáveis concessões aos interesses dos EUA, foi um dos pontos mais positivos de seu primeiro governo.

O Brasil depois das eleições

As últimas eleições trouxeram alguns fatos novos, que merecem reflexão. Foram aqui selecionados três grandes tópicos: a influência política da mídia, o aprendizado político popular, e a blindagem da economia. Esses pontos ajudam a contextualizar a análise da 4ª Semana Social Brasileira.

O papel político da mídia

A mídia voltou a posicionar-se durante a campanha eleitoral como fazia antes de 2002 – quando manteve certa isenção diante das candidaturas em nível presidencial. Com exceção da Carta Capital na imprensa de grande circulação nacional, os demais veículos mostram a realidade pela ótica dos seus donos, isto é, de quem detém o capital. Assim, o noticiário sobre a campanha eleitoral teve como foco a denúncia de corrupção na compra do dossiê contra Serra. As diferenças de propostas políticas entre Lula e Alckmin praticamente não foram realçadas. Ao contrário, quando os movimentos sociais conseguiram colocar em pauta o tema das privatizações, foi Alckmin quem apareceu em destaque como defensor das empresas estatais, embora continuasse a defender o enxugamento da máquina do Estado. A novidade, contudo, é que a grande mídia não conseguiu mudar a visão do eleitorado, principalmente o de baixa renda, o qual, mesmo não entendendo os meandros das investigações sobre a corrupção, ao votar não se deixou levar pelas acusações amplamente veiculada na mídia.

Neste momento de mudanças políticas na América Latina, o posicionamento da mídia representa uma séria dificuldade para quem quer acompanhar os acontecimentos, pois o noticiário já traz embutida uma interpretação desfavorável às forças populares emergentes. A eleição de Correa, no Equador, foi surpreendente para quem desconhecia a força real dos movimentos sociais e indígenas, sempre tratados com desprezo e apresentados como grupos baderneiros, senão ligados ao narcotráfico. É preciso recorrer a meios alternativos, principalmente na internet, para se saber o que de fato acontece, por exemplo, em Oaxaca, na Bolívia de Evo Morales, na Venezuela de Chávez e na bloqueada realidade cubana.

O aprendizado político popular

É consenso que o eleitorado de baixa renda votou maciçamente em Lula, por ser o candidato com o qual se identificava ou que lhe prometia melhores condições econômicas. Mas não há concordância entre analistas quando a questão é o amadurecimento político do eleitorado. O primeiro governo Lula deu relevância aos pobres no cenário social e político, pois foram mais bem atendidos nas suas necessidades básicas. Os excluídos do mercado foram introduzidos na agenda da política social pelo programa Bolsa-Família. Mais importante: a elevação real do salário-mínimo e a consequente elevação do piso dos benefícios do INSS, representaram uma real redistribuição de renda[9]. Por isso, a votação em Lula pode ter sido tão pragmática quanto foi a de FHC em 1998, para manter os preços sem inflação. Se alguns fatos indicam amadurecimento político, como a eleição de Lula, a rejeição de Roseana Sarney no Maranhão e o desmanche do “carlismo” na Bahia, outros fatos apontam na direção contrária, principalmente nas eleições para o Legislativo.

Ocorreu uma mudança nos movimentos sociais, que tinham se afastado do governo Lula por causa de sua submissão ao capital financeiro mas voltaram a apoiar sua campanha no segundo turno. Caso tenha ocorrido um real amadurecimento político do eleitorado, os movimentos sociais poderão haurir nele novas forças para reorientar o governo Lula, ou pelo menos evitar que ele se apóie unicamente nos partidos com votos no Congresso.

A blindagem da economia A política macroeconômica não foi objeto de debates na campanha eleitoral, seguindo o preceito neoliberal que a define como questão técnica e não política. Embora os setores mais combativos quisessem levantar a discussão, não encontraram eco junto aos candidatos à presidência. Nem mesmo a candidata do PSOL correspondeu à altura, preferindo bater na tecla da corrupção. Os porta-vozes do capital financeiro exibiam sua tranquilidade diante de dois candidatos cuja eleição era para eles indiferente, já que ambos seguem sua orientação.

De fato, iniciando-se o período de formação do novo governo, o debate entre os “monetaristas” e os “desenvolvimentistas” tem preservado o Banco Central e sua política de juros altos. O Brasil continuará sendo um paraíso financeiro, oferecendo os juros mais altos e seguros do mundo a quem especular com os títulos de uma dívida pública cuja legitimidade nunca foi aferida por uma auditoria. O debate é sobre a possibilidade do PIB brasileiro crescer 5% ao ano, sem provocar inflação. Para os “monetaristas”, o equilíbrio fiscal não pode ser comprometido; assim, o crescimento só será possível com a diminuição dos gastos públicos (corte nos programas sociais, reforma da Previdência e enxugamento das despesas com pessoal são as medidas mais ventiladas para obter o déficit nominal zero). Para os “desenvolvimentistas”, os investimentos devem vir do setor privado e o governo colaborará baixando os juros, facilitando financiamentos do BNDES e, é claro, fazendo as reformas da previdência, trabalhista e tributária. Existem evidentes diferenças entre as propostas, mas dificilmente a política macroeconômica será mudada. Ou seja, continuaremos fazendo de tudo para aumentar as exportações (isso significa ampliar áreas de risco ecológico como o agronegócio, a mineração e a siderurgia). Se a economia mundial continuar crescendo como cresceu nos três últimos anos, os “desenvolvimentistas” terão alguma possibilidade de êxito. Se não crescer, os “monetaristas” terão a última palavra.

Vale a pena registrar a apreciação que Delfim Netto faz desta mesma conjuntura, em seu artigo na carta capital de 6/12/2006: “Corremos o risco de acompanhar a tragédia que se abate sobre boa parte da América Latina. O PT, o PMDB, o PSDB, o PFL e os tutti quanti pretensos socialistas que se cuidem! Se, quando no governo, não cooperarem com paciência e, quando na oposição, com educação e inteligência, para a execução de um programa de crescimento robusto, temperado com maior igualdade social, vão enfrentar (e perder) em 2010 para a irracionalidade montante, tão bem representada na proposta recentemente apresentada como progressista em reunião semi-religiosa realizada em Brasília”.

A 4ª Semana Social Brasileira

A 4a SSB, realizada nos dias 17 a 19 de novembro, concluiu um período de três anos de diálogo entre Igreja e Sociedade sobre a realidade sociopolítica, que levou à organização de um “mutirão por um novo Brasil”.

O exercício de diálogo, articulação e geração de iniciativas da 4ª Semana Social Brasileira, tem muito a ver com a mudança de visão e de prática política dos movimentos e pastorais sociais em relação ao segundo mandato do governo Lula. Se em nenhum momento foi aceita a atitude de esperar passivamente pela iniciativa dos eleitos, agora é preciso mais do que manifestar-se, criticar, reivindicar e participar em espaços governamentais. Os movimentos aprenderam com a prática que só a pressão política criará oportunidade real de o governo assumir prioridades voltadas para um desenvolvimento social favorável à maioria da população. É isso que esteve presente, por exemplo, na retomada das iniciativas dos Sem-Terra por reforma agrária e na manifestação unitária das centrais sindicais e outros movimentos, em Brasília, em favor da recuperação do valor do salário mínimo e da atualização da tabela do imposto de renda.

Os temas prioritários em relação ao “Brasil que queremos construir”, foram colocados pelos diferentes movimentos para integrar suas ações: trabalho e emprego, distribuição de renda (reforma agrária, salário mínimo, luta pela redução da energia elétrica), educação (universalização de todos os níveis) e soberania nacional (luta contra as transnacionais, pela re-estatização da Vale, contra os TLC, contra os transgênicos).

No horizonte do calendário unificado de vários movimentos, prevê-se que alguns temas da conjuntura podem gerar mobilização de massa: luta contra a política econômica, pela reforma política democrática e pela desmoralização da grande mídia.

O grande desafio, para as forças sociais, é manter-se em diálogo, gerando práticas unitárias, superando a tradição das divisões e evitando as tentações de cooptação. Este é o campo de militância e de testemunho para todas as pastorais e movimentos que assumiram e realizaram a 4a SSB. E um dos espaços a serem cultivados com cuidado especial é, certamente, a Assembléia Popular – Mutirão por um Novo Brasil. Ela tornou-se gérmen de um processo de construção coletiva de um projeto efetivamente democrático de nação, aberto a novas maneiras de compreender e implementar o desenvolvimento social. Só uma visão que articule diversidade com unidade será capaz de promover processos participativos de convivência com as características, potencialidades e limites de cada região do país.

Notícias do Congresso Nacional

Ebulição no Congresso no final do mandato

Após as eleições, novas perspectivas despontam no Congresso. Também algumas pendências importantes estão aguardando resposta. Vejamos as mais relevantes:

Gerenciar a crise política, especialmente a CPI dos Sanguessugas, para evitar que contamine o ambiente político após a vitória eloqüente do executivo federal. Até agora há muitas incertezas sobre esta CPI. No senado, a absolvição dos seus três senadores denunciados criou perplexidade. O Correio Braziliense anuncia: ”Pizzaria da Câmara reabre dia 06”, data do início da votação no Conselho de Ética da Câmara. A previsão realizou-se e não há sinais de moralização. A CPI dos Sanguessugas acusou 69 deputados, dos quais dois deles renunciaram. Dos 67 que restaram apenas cinco conseguiram se reeleger em outubro. Mas, até o final do mandato quantos dos denunciados serão alcançados em julgamento? Os restantes irão para o arquivo, o que beneficiará os processados porque manterão os direitos políticos e a possibilidade de disputar eleições em 2008 e 2010.

Muita negociação na montagem da coalizão no Legislativo para a eleição dos Presidentes das casas, que terão de enfrentar as reformas tão anunciadas. Uma prévia, a eleição para o TCU, resultou em derrota para o governo. A agenda inclui as Reformas política, tributária e fiscal, e sindical.

Enfim, é preciso concluir a agenda legislativa remanescente, que inclui a lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento da União para 2007.

Passos preliminares para a Reforma Política

Apesar da prioridade retórica e do consenso em fazê-la, ainda estamos longe de ter clareza quanto ao seu conteúdo e extensão.

O Fórum da Cidadania para a Reforma Política, que reúne entidades e Fóruns dos Movimentos Sociais, já tem uma proposta elaborada, com sinal verde para a OAB apresentá-la oficialmente. Ela abrange três núcleos de questões:

1. A efetivação da soberania popular. Dá especial atenção à regulamentação do artigo 14 da Constituição em matéria de plebiscitos, referendos e iniciativas populares, através dos Projetos de Lei em tramitação no Congresso. Insiste numa emenda constitucional para permitir que os projetos de lei de iniciativa popular possam ser apresentados por 0,5 % do eleitorado nacional, seja através da confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

2. Reforma partidária e do sistema eleitoral. Estão aí as sugestões já veiculadas pela imprensa. Entre as mais importantes: fidelidade partidária; financiamento de campanhas eleitorais; revogação popular de mandatos eletivos (recall); coligações partidárias; prestação de contas de campanha eleitoral; reeleição…

3. Organização e Funcionamento dos Poderes Públicos. Aqui são propostas ousadas, como a Instituição do Poder de Planejamento, como órgão independente dos demais Poderes Públicos (composto por uma Superintendência Nacional de Planejamento e por um Conselho Nacional de Planejamento). Este Poder terá como competência elaborar o Plano Nacional de Desenvolvimento e velar que ele seja levado à prática. Outra proposta é de reorganização do Poder Executivo na União Federal para atender às novas exigências.

Também o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social apresentou, no dia 05.12., seu projeto para a Reforma Política, com propostas sugestivas no campo político-eleitoral.

Recriação da SUDENE, da SUDAM e da SUDECO

A Câmara dos Deputados aprovou os projetos de lei que recriam a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a da Amazônia (SUDAM) e a do Centro-Oeste (SUDECO). São autarquias vinculadas ao Ministério da Integração Nacional que tinham sido extintas no governo de Fernando Henrique Cardoso, em meio a denúncias de corrupção. O objetivo dos novos órgãos é reduzir as desigualdades regionais, com base em critérios das particularidades de cada região. A nova SUDENE atuará nos estados da Região Nordeste e em municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os recursos sairão do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste. Investirá prioritariamente no segmento de infra-estrutura e em programas que estimulem as potencialidades locais. A nova SUDAM será autônoma tanto do ponto de vista administrativo quanto financeiro. As verbas sairão do orçamento da União e do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA). A autarquia, com sede em Belém (PA), vai gerir nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Pará e Maranhão. A SUDECO vai abranger os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. Os textos aprovados contêm dispositivos para evitar irregularidades no trato dos recursos. A SUDENE e a SUDAM vão para a sanção do Presidente. A SUDECO precisa ainda passar pelo crivo dos senadores.

Projeto de preservação da Mata Atlântica A Câmara aprovou o Projeto de Lei, já acatada no Senado, que define e regulamenta critérios para o uso da Mata Atlântica. A proposta prevê a proteção dos 7,3 % que ainda restam de vegetação nativa, além do desenvolvimento sustentável do bioma. Para entrar em vigor, a matéria precisa somente da sanção do presidente Lula. A proposta tramita há quatorze anos no Congresso e é um marco do ponto de vista dos ambientalistas. Além da exploração sustentável da região, ela prevê também incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações de iniciativa privada para conservação das florestas, regulamenta o artigo da Constituição que define a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional, proíbe o desmatamento de florestas primárias e cria regras para exploração econômica. A nova lei prevê o fim do desmatamento nas zonas onde exista Mata Atlântica nativa primária ou secundária, em estágio médio e avançado de regeneração. A idéia é viabilizar a exploração sustentável da região sem impedir o desenvolvimento dos empreendimentos da região. Nesse ponto, o projeto é ousado porque 70% da população vive na região da Mata Atlântica.

CPI do Tráfico de Armas aprova relatório final

A CPI do Tráfico de Armas aprovou, por unanimidade, o relatório final. A proposta foi intensamente combatida pela chamada “bancada da bala”, que sustentou que a PF não tem estrutura nem efetivo para fiscalizar o comércio de armas no país. O relatório sugere 18 projetos de lei para coibir o tráfico de armas. Entre os principais, está o que tipifica o crime organizado como pena de seis a 12 anos de prisão. Outra proposta acrescenta responsabilidade aos advogados e proíbe que eles recebam pagamentos com recursos do crime organizado. O texto sugere ainda o indiciamento de 16 pessoas; entre eles, o chefe do PCC, Marcos Camacho (Marcola).

Projeto contra a discriminação sexual

O Plenário da Câmara aprovou no dia 23/11 o projeto que altera a lei que trata dos crimes relacionados ao preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. O novo projeto de lei inclui novas situações tipificadas como crime resultante da discriminação ou preconceito, estendendo a aplicação da lei ao preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Segundo o texto aprovado, o empregador ou seu preposto que demitir, direta ou indiretamente, em razão da discriminação, poderá cumprir pena de reclusão de 2 a 5 anos.

São especificados pelo projeto outros crimes relativos ao ingresso em instituições educacionais, à hospedagem em hotéis ou à entrada em locais públicos ou abertos ao público. Passa a constituir crime proibir a pessoa de ingressar ou permanecer em qualquer ambiente ou estabelecimento. Quanto ao ingresso em estabelecimento de ensino, o projeto inclui os casos de recrutamento e de promoção funcional ou profissional. Além das situações de recusa, torna-se crime preterir, prejudicar, retardar ou excluir pessoas. O projeto foi para o Senado e está causando muitas discussões. Convém vermos mais claramente o seu conteúdo.

.FUNDEB é finalmente aprovado

A Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). A aprovação da PEC promete melhorar sensivelmente a educação básica do Brasil nos próximos anos. Entre as principais medidas, aumentará os recursos destinados à educação, ampliará o financiamento público para outros níveis de ensino e estabelecerá o piso salarial nacional para os professores. A previsão para implantação completa do FUNDEB é de três anos, e deverá funcionar durante 14 anos. O FUNDEB contempla a educação infantil (para alunos de até seis anos) e o ensino médio. Os Estados e municípios continuarão entrando com a maior parte dos recursos do fundo, mas a participação federal no financiamento da educação básica crescerá significativamente. O MEC estima que o FUNDEB terá um orçamento superior a R$ 50 bilhões já no seu terceiro ano de existência.

Súmula vinculante deverá ser sancionada

Após ser aprovado na Câmara, o projeto da súmula vinculante depende agora da sanção presidencial. A súmula vinculante tem o objetivo de acelerar os processos judiciais, pois determina que os juízes de instâncias inferiores e os órgãos federais devem tomar por base as decisões aplicadas anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de assuntos que já foram julgados várias vezes pela Corte Suprema. Ao estudar os casos, o STF já faz uma súmula das decisões. A idéia agora é obrigar as demais instâncias, além de órgãos como INSS e Receita Federal, a seguirem os julgamentos feitos anteriormente, sem que para isso seja preciso travar uma batalha judicial que se arraste durante anos e tenha vários pedidos de recursos até chegar à última instância. Caso receba a sanção presidencial e a proposta seja aprovada, cada súmula vinculante precisará do aval de oito dos 11 ministros do STF para ser validada.

 

Contribuíram para esta análise Pe. Ernanne Pinheiro Pe. Thierry Linard, Bernard Lestienne SJ e Ir. Delci Franzen.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira.

Membro da Equipe de ISER-Assessoria

 

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[1] É evidente que o agir humano é motivado também por outros valores, mas aí já não se trata de agentes do mercado e sim de seres humanos inseridos noutras instituições – família, estado, igreja, escola, associações etc.

[2] A teoria diz que a superfície da Terra, a atmosfera e os oceanos formam um sistema autorregulado como um organismo vivo e qualquer coisa viva pode gozar de boa saúde ou adoecer. O aquecimento é sintoma de grave doença num planeta já velho. O tema é desenvolvido no seu novo livro A Vingança de Gaia. Alerta similar é dado pelo filme Uma verdade inconveniente, de Al Gore, que vem tendo grande receptividade.

[3] Pode-se pensar na globalização de formas alternativas de produção, como a economia solidária ou outras formas cooperativas não regidas pela busca do lucro, desde que articuladas numa rede mundial.

[4] Social-democrata de origem modesta, Correa derrotou um multimilionário empresário do setor bananeiro. Uma forte mobilização popular, política, social, étnica e cultural reverteu o resultado do 1o turno. Sua campanha usou formas alternativas de comunicação (redes eletrônicas, pichações, canções populares, videoclips, panfletos, rádios populares) para contrabalançar os canais de TV e rádios controlados por Álvaro Noboa. O presidente quer mudar a Constituição de 1997; não assinará o TLC com os EUA e não renovará o convênio da base militar em Manta. Vai reconsiderar os contratos com as internacionais do petróleo que levam 80% dos benefícios da exploração e vai limitar o pagamento da dívida externa, para atender as inversões sociais em saúde e educação. Mas vai manter a dolarização. Seu maior obstáculo é não ter apoio no Congresso, porque o partido que o apoiava não lançou candidatos. O presidente terá que fazer alianças e se apoiar na mobilização popular.

[5] Chávez governará por mais 6 anos. Mas enfrentará uma oposição unida e com um líder competente, Manuel Rosales, governador do rico estado de Zúlia (onde se explora o petróleo). A economia não vai bem, por falta de investimentos privados e de uma política definida de desenvolvimento nacional. Chávez é carismático mas não dá aos movimentos sociais a necessária autonomia.

[6] Cabe notar que a grande imprensa não menciona a participação da Igreja nessa onda anti-neoliberal, embora ela possa ter contribuído, direta ou indiretamente.

[7] Esta análise foi elaborada com base na matéria “A rebelião de Oaxaca. Embrião de um novo poder?”, publicada por CEPAT informa, ano XII, nº 139, novembro 2006, p. 20-34.

[8] É ambígua a situação do Paraguai. Por um lado, experimenta um processo de redemocratização e mobilização social; por outro, abriu seu território para a presença militar dos EUA.

[9] Isso não significa que os mais ricos tenham perdido, pois a redistribuição ocorreu apenas no interior dos setores assalariados (e os realmente ricos não vivem de salários). Nos 2 últimos anos foram criados 2,8 milhões de postos de trabalho, mas no mesmo período a massa de salários pagos caiu de R$14,985 bi para R$14,852 bi (R$133 mi menos). Cfr. M. Pochman, Estadão, 11/12/2006, p. B-5.